Operação Influencer. “Ainda falta muita água passar por debaixo da ponte”

Operação Influencer. “Ainda falta muita água passar por debaixo da ponte”


O facto de o juiz de instrução validar indícios de tráfico de influências é sempre grave.


É descabido falar em ‘vitória’ ou ‘derrota’ do Ministério Público (MP) quanto às medidas de coação na Operação Influencer. Estas coisas não se avaliam numa lógica de marcar golos ou somar pontos. A investigação está em curso, o MP expôs as suspeitas que tem e o juiz Nuno Dias Costa determinou as medidas de coação que lhe pareceram equilibradas, face à evidência, nesta fase do processo. É o sistema a funcionar. É para isso que há controlo de um juiz sobre a investigação e direito de recurso, que quer o MP quer alguns dos arguidos já anunciaram que iam exercer.

Nesse recurso, é perfeitamente natural que o Tribunal da Relação possa alterar algumas das decisões. Por exemplo, a muito noticiada falta de indícios de crime contra o presidente da Câmara de Sines. Na verdade, a promessa de apoio do PS para futuros cargos políticos, ou a ameaça de retirada desse apoio caso Nuno Mascarenhas não cedesse às pressões, pode muito bem ser vista como uma vantagem pessoal típica de um crime de corrupção: as contrapartidas pedidas pelo autarca não se restringem apenas a benefícios para o município mas também no mercadejar de cargo político. Aliás, isso devia levar a investigação a apurar as responsabilidades do próprio Partido Socialista neste caso, dado pelo menos uma das reuniões entre os empresários e os decisores políticos terá ocorrido na própria sede do PS.

De resto, a alegação de que o presidente da Câmara de Sines não cometeu qualquer crime porque a competência de decidir não era sua, mas da vereadora, é questionável. Como o próprio juiz de instrução reconhece, a competência da vereadora é delegada pelo presidente da Câmara, em Sines e em qualquer município. Isso significa que o poder de decisão, em última instância, é sempre de Nuno Mascarenhas, o que justifica que seja ele (e não a vereadora) o alvo de eventuais pressões, favores ou vantagens.

Também não encontro uma ‘derrota’ no facto de Vítor Escária e Diogo Lacerda Machado não terem ficado em prisão preventiva. É natural que o juiz de instrução seja o mais prudente possível nas medidas de coação que aplica, numa fase em que não há sequer uma acusação formal. Mas o facto de validar indícios de tráfico de influências é sempre grave. Significa que, quer o chefe de gabinete do primeiro-ministro, quer o seu melhor amigo usaram a sua proximidade, real ou presumida, a António Costa para conseguirem as vantagens de que são suspeitos. Isso dá uma gravidade enorme ao caso, porque atingiu diretamente o primeiro-ministro e, como vimos, acabou por levar à demissão do Governo, com todo o alarme social associado. Aliás, Armando Vara foi condenado a uma pena de prisão efetiva pelo mesmo crime e também não tinha antecedentes criminais.

Seja como for, do lado da justiça, ainda falta passar muita água por baixo desta ponte. Ao poder político exige-se um debate profundo sobre a vulnerabilidade do Estado aos jeitinhos, informalidades e contactos pessoais na decisão de assuntos públicos – sejam esses jeitinhos crime ou não. Mas essa discussão, para mal dos nossos pecados, os políticos nunca a quiseram fazer. l

João Paulo Batalha
Vice-presidente da Frente Cívica