No final de outubro de 2023, houve um aumento no volume de água armazenado em nove bacias hidrográficas em comparação com o final do mês anterior, enquanto três bacias tiveram uma redução no volume armazenado. Das 60 albufeiras monitorizadas, 18 delas possuem mais de 80% da sua capacidade total de água disponível, e 17 têm menos de 40% da sua capacidade total de água disponível.
Em relação aos níveis de armazenamento de água em outubro de 2023 em comparação com a média histórica de outubro (de 1990/91 a 2022/23), a maioria das bacias hidrográficas mostrou níveis de armazenamento superiores, com exceção das bacias do Sado, Guadiana, Mira, Ribeiras do Algarve e Arade, que tiveram níveis de armazenamento abaixo da média histórica para o mês de outubro.
“A recente atualização do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos (SNIRH) revelou um panorama misto no que diz respeito ao abastecimento de água em Portugal. Quantidades de precipitação intensas, sobretudo nas regiões a norte de Portugal, ofereceram um alívio parcial. Contudo, o sul do país continua a enfrentar uma crise de escassez hídrica preocupante”, começa por explicar Hélder Lopes, climatólogo da Meteored Portugal (equipa do tempo.pt), em declarações ao i.
“De acordo com o boletim de armazenamento da semana de 23 a 30 de outubro, as chuvas intensas favoreceram as regiões ao norte do Tejo, historicamente mais beneficiadas em termos de precipitação. No entanto, as expectativas no Sul, principalmente na região a Sudoeste, foram frustradas, já que a quantidade de precipitação não contribuiu significativamente para elevar os níveis de água nas albufeiras, deixando, aliás, alguns danos consideráveis. Se olharmos para o que aconteceu na última semana de outubro, os dados revelam um aumento do volume armazenado em 13 bacias hidrográficas, mas a diminuição em 2”, adianta, acrescentando que “43% das barragens monitorizadas apresentaram disponibilidades hídricas superiores a 80% do volume total, enquanto 22% têm disponibilidades inferiores a 40% da capacidade máxima de armazenamento”.
“A situação permanece, evidentemente, mais crítica em várias bacias hidrográficas, como as do Sado, Ribeiras Costa Alentejo, Mira, Arade, Ribeiras do Barlavento e Ribeiras do Sotavento, com índices de armazenamento abaixo das médias históricas. Em 27 barragens das bacias do Sado, Guadiana, Arade, Barlavento e Sotavento algarvias, apenas seis possuem reservas de água acima de 50%”, frisa Hélder Lopes, que se doutorou em Geografia e Planeamento Regional na Universidade do Minho e em Geografia – Ramo de Mudanças Globais e Sistemas Naturais na Universidade de Barcelona.
“Por exemplo, a barragem em Mira, crucial para a irrigação, mantém o seu volume de armazenamento em apenas 31%, ocasionando transtornos na própria produção agrícola local. Apesar do acréscimo de 338 hm³ entre os dias 23 e 30 de outubro, representando um aumento de 2,6% no total das barragens portuguesas, as tempestades não foram suficientes para reverter a situação crítica de escassez de água em muitas regiões, especialmente no Sul do país”, observa, indicando que “as perspetivas para novembro sugerem a possibilidade de maiores escorrências para as albufeiras, provenientes da saturação dos solos e da recarga de aquíferos subterrâneos, derivado da precipitação intensa e contínua que tem ocorrido ao largo das últimas semanas”.
“No entanto, a avaliação precisa do nível de armazenamento total será possível somente ao longo das próximas semanas, devido à incerteza sobre o estado do tempo e a permanência das chuvas. De qualquer forma, convém que ressaltar a tendência a registar ao longo dos tempos será para anomalias negativas relativamente à média nos armazenamentos de água em meses menos comuns do ano e com consequências mais a Norte, onde para já não são identificados grandes problemas”, continua, dizendo que ”a este respeito, o Rio Douro poderá sofrer uma redução de 15-20% na precipitação anual média até ao final do Século XXI e no verão esta redução pode situar-se em 75% durante o verão para o período de 2071-2100. Já em 2050, é expectável que sejam necessários esforços adicionais de irrigação, especialmente durante as estações da primavera e do verão, resultando num aumento para irrigação, na ordem dos 77% a 84%, segundo resultados de investigação que temos em curso”.
“A escassez de água constitui-se, pois, como um desafio, com impactes mais significativos no Alentejo e Algarve, afetando já colheitas e pastagens e com consequências na alimentação do gado. Desta forma, destaca-se a necessidade de uma gestão preventiva das secas, focada na redução de consumos e na eficiência no uso da água, além da preservação dos ecossistemas aquáticos saudáveis como defesa contra os impactes das alterações climáticas”, afirma, lembrando que “as autoridades regionais e locais e cidadãos são instados a adotar medidas proativas para garantir a sustentabilidade no uso da água, incluindo a diversificação das fontes de abastecimento, a promoção da eficiência nos regadios e a redução contínua no consumo de água, ressaltando a importância de conservar os ecossistemas aquáticos para encarar os desafios socioecológicos a ocorrer a médio e longo prazo”.
“Esta disparidade hídrica em Portugal exige, de facto, medidas imediatas e estratégicas para lidar com a crise de escassez, mantendo um equilíbrio entre as necessidades atuais e a preservação para as gerações futuras. Além das atuais restrições, uma abordagem multifacetada é essencial para enfrentar a escassez de água no futuro. Investir em infraestruturas para a captação e armazenamento de água, como sistemas de dessalinização e reutilização de água, é uma das medidas mais relevantes para minorar eventuais efeitos do stress hídrico”, recorda Hélder Lopes, que também é investigador do Laboratório de Paisagens, Património e Território (Lab2PT) e colaborador do Grupo de Climatologia do Instituto de l’Aigua (IdRA, Grupo de Climatologia – Barcelona).
“Além disso, é fundamental promover práticas agrícolas mais sustentáveis, priorizando culturas adequadas às condições climáticas e técnicas de irrigação mais eficientes. Ademais, as campanhas de reflorestamento e preservação de áreas naturais também desempenham um papel vital na conservação dos recursos hídricos e muitas das vezes têm sido esquecidas. Não obstante, ressaltaríamos também a necessidade de educar e incentivar a população para uma utilização consciente da água, juntamente com a aplicação de políticas que encorajem a inovação e a gestão racional dos recursos”, conclui.
Reservas de agua – O caso ucraniano
Nos últimos anos, com a crescente importância dos debates sobre as mudanças climáticas, a consciencialização sobre o valor da água como um recurso natural cada vez mais escasso tem aumentado. Desde a brutal invasão russa em 25 de fevereiro de 2022, a Ucrânia e a tragédia que enfrenta tornaram-se mais conhecidas internacionalmente, mesmo que não tenham escolhido essa visibilidade.
Hoje, conhecemos a geografia da Ucrânia, os seus portos e a localização dos seus polos industriais. Também percebemos que, antes da guerra desencadeada por Putin,
a Ucrânia era conhecida como o “Celeiro da Europa”.
O que raramente é mencionado é que a Ucrânia possui as maiores reservas de água doce da Europa, ficando apenas atrás da Suíça. Essa riqueza natural é incalculável e pode ter sido um fator determinante na decisão desastrosa do Kremlin de iniciar a invasão, além do apetite por expansão territorial.