Vergonha e falta dela!


Vergonha é ter de explicar a um estrangeiro que estamos novamente a braços com uma crise política baseada em alegadas negociatas.


1. O que envergonha mesmo é um português receber uma chamada de um amigo estrangeiro a perguntar se o atual primeiro-ministro pertence ao mesmo partido daquele que há anos esteve preso. A resposta positiva obrigou, porém, a clarificar que não há comparação entre os casos, não sendo crível que o atual chefe do governo seja venal. Permitiu também esclarecer que o Partido Socialista tem gente séria, sem semelhança com a máfia que envolveu a Democracia Cristã italiana, há umas décadas. Seja como for, reconheça-se que oito anos de governação de António Costa foram um desastre para Portugal em todos os aspetos, tirando a gestão da pandemia. Portugal estagnou, perdeu lugares e não se reformou. Foi e é dirigido por gente cujo currículo mais parece um cadastro cheio de antecedentes deploráveis, boa parte dos quais já exibidos no tempo de Sócrates. A propósito, é oportuno citar as sábias palavras do socialista Manuel dos Santos que sempre denunciou a degradação em que o país se afundava. Escrevia há dias que “os casos e casinhos que o PM tantas vezes referiu de forma displicente são de natureza endémica e resultam de uma deplorável cultura de “jotada” que António Costa transferiu para o governo e para o aparelho do Estado. Para bem da democracia, vai ser necessária uma enorme vassourada. E tal ocorrerá seguramente”. Oxalá ouçam este homem cuja frontalidade foi constante. Costa não construiu nada. Destruiu muita coisa. Teve condições únicas como uma maioria absoluta, um presidente tolerante, oposições à direita e à esquerda estraçalhadas, contas certas, apoios externos gigantescos, investimento estrangeiro disponível, prestígio internacional e uma população que confiava nele. Tudo desbaratou, porque se rodeou mal. As exceções de categoria foram poucas, mas sobraram impreparados e oportunistas. Gente sem dimensão de Estado, sem qualidade técnica, envolvida em redes de influência e de endogamia, com uma mochila de problemas anteriores que não a recomendavam. Eram tão maus que acabaram por deitar abaixo o chefe. A vergonha que Costa sentiu pelo caso do dinheiro escondido é legítima, mas não é maior do que a que coletivamente os portugueses sentem. O discurso que produziu sábado foi uma habilidade e uma interferência num processo para amortecer os seus efeitos. Foi uma defesa jurídica, um número mediático melodramático e um “chega pra lá” a amigos de vida. Claro que o papel do governo é decidir, compatibilizando os diversos interesses a favor do bem coletivo. Por isso se fizeram grandes obras em Portugal no tempo de Cavaco e de Guterres, sem que se visse nada disto. Costa tem responsabilidades políticas. Esperemos que não as tenha judicialmente como pode demonstrar o pitoresco e gravíssimo erro do Ministério Público ter confundido o nome de António Costa com o de António Costa Silva, o seu ministro da Economia. Só nos faltava um erro dessa dimensão para descredibilizar totalmente um país com 900 anos. Não será certamente isso que vai impedir que se siga com um processo que tem muito pouco de transparente. Pode é mudar e ilibar certas circunstâncias à volta de um péssimo primeiro-ministro. Se Costa fosse treinador de futebol, era capaz de formar uma seleção portuguesa que fosse eliminada por Gibraltar. António Luís Santos da Costa não mereceu a confiança política que recebeu dos portugueses. Ao menos no tempo que lhe resta de governação tenha a decência de correr com Galamba. Tal como o fez com o seu chefe de gabinete, o qual parece ter começado por alegar que o dinheiro não era seu. Com amigos assim ninguém precisa de inimigos.

2. O terramoto político vai ter réplicas sucessivas. Teve um primeiro aviso (a entrevista ao Nascer do SOL do presidente do Supremo Tribunal de Justiça) que foi ignorado pela bolha político-mediática. Vivemos agora a libertação às pinguinhas de factos (relevantes e irrelevantes) que vão alimentando uma comunicação social que não soube cumprir o seu papel de investigação ao longo destes anos. Houve exceções, é verdade, mas em substância o que se foi sabendo era pouco face ao que está à vista. Não se deu nenhum tumulto político quando, em 2019, o programa de Sandra Felgueiras Sexta-às-9 não foi transmitido pela RTP antes das eleições, exibindo-se umas semanas mais tarde. E assim perdeu impacto, no tempo da administração de Gonçalo Reis. Os temas tinham a ver com parte do que está agora em causa. Verdade se diga também que, se a Justiça portuguesa fosse eficaz e dotada de meios adequados, muitos dos protagonistas que agora aparecem na operação “Influencer” (uma réplica parcial do “Face Oculta”) não teriam sequer podido concorrer às últimas legislativas.

3. António Costa e o PS não queriam evidentemente eleições. Preferiam uma solução de transição tipo Durão-Santana, chamando Mário Centeno. A personalização da política impedia naturalmente essa solução porque votou-se em Costa e no PS. Centeno é presidente do Banco de Portugal depois de uma exigência imprópria e quase birrenta. Ao deixar-se envolver nesse cenário de sucessão, Centeno mostrou que não tem a dimensão e o distanciamento para estar à frente do banco central. Em rigor deviam pô-lo fora. Já se falou dele para tudo. Designadamente comissário europeu, cabeça de lista às europeias e até candidato a Belém. Nem se percebe sequer a razão do seu prestígio. O que ele fez nas finanças foi uma política salazarista e uma austeridade encapotada. Anunciava que tinha 100 para dar, mas só deixava gastar 80. Boa parte das carências estruturais de hoje são fruto disso mesmo. A estória do convite teve também uma parte gaga. Centeno não resistiu a confirmá-lo à imprensa internacional. Costa disse que o tinha feito com conhecimento do Presidente da República. Mas Marcelo negou ter dado qualquer aval, através de um insólito comunicado emitido de madrugada. Como dizia o outro “este país é um colosso”.

4. O confronto eleitoral vai opor dois blocos. Um de esquerda que já se coligou uma vez e que provavelmente será liderado por Pedro Nuno Santos. É um político voluntarista, determinado e que pelos vistos conta com o fator sorte, o que é fundamental nessa vida. Ao sair do governo, PNS ficou sem amarras a António Costa do qual se ia distanciando sistematicamente desde que voltou à atividade político-mediática na SIC-Notícias. Tem fama de ser um fazedor, embora não seja essa a questão essencial da campanha. Quem liderar o PS tem, antes de tudo, a obrigação de dar garantias de ética, de seriedade e de honradez, indo buscar gente, nova ou mais velha, sem telhados de vidro. Esse crivo é essencial porque a campanha promete ser dura, feia e implacável do lado dos adversários, dos interesses e de uma comunicação social que vai ser inundada de intrigas e denúncias.

5. Já à direita Luís Montenegro tem a sua merecida oportunidade. Compete-lhe ganhar simultaneamente eleitorado moderado ao PS e agregar a direita, distanciando-se (como é sua vontade) do pujante e truculento Chega de Ventura. Montenegro sabia perfeitamente que os passistas afiavam o dente para o pós-europeias. Tiveram de pôr as violas no saco e cerrar fileiras, ainda que contrariados. Montenegro desta vez teve sorte, o que não era habitual. Sendo esforçado e certinho, a sua comunicação não passa muito bem. E, convenhamos, não soube aproveitar os momentos-chave dos últimos dias. Entrou no discurso eleitoral quando o que se espera dele nesta altura são garantias de ética e de verticalidade que o distingam do PS. Tanto mais que se sabe que há quem enfatize a circunstância de ser amigo de Pinto Moreira, ex-presidente da Câmara de Espinho e ex-deputado, obrigado a demitir-se do Parlamento depois de ter sido constituído arguido num caso de alegada corrupção. Montenegro também é de Espinho e houve notícias desagradáveis sobre a forma como construiu a sua nova casa. Esperemos que já esteja tudo esclarecido e não venha aí uma campanha negra.

6. Dito isto, parece óbvio que a melhor maneira de o PSD voltar ao poder passa pela formação de uma coligação, abrangendo também os Liberais, o CDS (sobretudo pelas suas figuras passadas) e independentes (poucos) com provas dadas na vida profissional. Uma plataforma dessas permitiria reclamar o voto útil. Já se sabe, porém, que os liberais não estão interessados. Preferem ir sós e verem quanto valem, esquecendo a máxima de que quem tudo quer tudo perde. Uma dispersão beneficiará o Chega de André Ventura, um caudilho voluntarista, eficaz e inteligente capaz cativar o voto ideológico e o de protesto. Ventura tem por ele a denúncia sistemática que fez da degradação social, política e moral do país de Costa. Convenhamos que não se enganou. E também é mais ou menos evidente que os portugueses não têm, em geral, a opinião de que o Chega seja um perigo para o regular funcionamento da democracia. Há mesmo muita gente a achar que ele é uma espécie de algodão de limpeza. Obviamente que não é o caso. O Chega quando cresce tende a transformar-se num saco de gatos, como já se viu. Mas não há dúvida que Ventura é o retrato do que os americanos definem como “troublemaker”.

 

Nota: Este artigo foi escrito antes da demissão do Ministro João Galamba

Vergonha e falta dela!


Vergonha é ter de explicar a um estrangeiro que estamos novamente a braços com uma crise política baseada em alegadas negociatas.


1. O que envergonha mesmo é um português receber uma chamada de um amigo estrangeiro a perguntar se o atual primeiro-ministro pertence ao mesmo partido daquele que há anos esteve preso. A resposta positiva obrigou, porém, a clarificar que não há comparação entre os casos, não sendo crível que o atual chefe do governo seja venal. Permitiu também esclarecer que o Partido Socialista tem gente séria, sem semelhança com a máfia que envolveu a Democracia Cristã italiana, há umas décadas. Seja como for, reconheça-se que oito anos de governação de António Costa foram um desastre para Portugal em todos os aspetos, tirando a gestão da pandemia. Portugal estagnou, perdeu lugares e não se reformou. Foi e é dirigido por gente cujo currículo mais parece um cadastro cheio de antecedentes deploráveis, boa parte dos quais já exibidos no tempo de Sócrates. A propósito, é oportuno citar as sábias palavras do socialista Manuel dos Santos que sempre denunciou a degradação em que o país se afundava. Escrevia há dias que “os casos e casinhos que o PM tantas vezes referiu de forma displicente são de natureza endémica e resultam de uma deplorável cultura de “jotada” que António Costa transferiu para o governo e para o aparelho do Estado. Para bem da democracia, vai ser necessária uma enorme vassourada. E tal ocorrerá seguramente”. Oxalá ouçam este homem cuja frontalidade foi constante. Costa não construiu nada. Destruiu muita coisa. Teve condições únicas como uma maioria absoluta, um presidente tolerante, oposições à direita e à esquerda estraçalhadas, contas certas, apoios externos gigantescos, investimento estrangeiro disponível, prestígio internacional e uma população que confiava nele. Tudo desbaratou, porque se rodeou mal. As exceções de categoria foram poucas, mas sobraram impreparados e oportunistas. Gente sem dimensão de Estado, sem qualidade técnica, envolvida em redes de influência e de endogamia, com uma mochila de problemas anteriores que não a recomendavam. Eram tão maus que acabaram por deitar abaixo o chefe. A vergonha que Costa sentiu pelo caso do dinheiro escondido é legítima, mas não é maior do que a que coletivamente os portugueses sentem. O discurso que produziu sábado foi uma habilidade e uma interferência num processo para amortecer os seus efeitos. Foi uma defesa jurídica, um número mediático melodramático e um “chega pra lá” a amigos de vida. Claro que o papel do governo é decidir, compatibilizando os diversos interesses a favor do bem coletivo. Por isso se fizeram grandes obras em Portugal no tempo de Cavaco e de Guterres, sem que se visse nada disto. Costa tem responsabilidades políticas. Esperemos que não as tenha judicialmente como pode demonstrar o pitoresco e gravíssimo erro do Ministério Público ter confundido o nome de António Costa com o de António Costa Silva, o seu ministro da Economia. Só nos faltava um erro dessa dimensão para descredibilizar totalmente um país com 900 anos. Não será certamente isso que vai impedir que se siga com um processo que tem muito pouco de transparente. Pode é mudar e ilibar certas circunstâncias à volta de um péssimo primeiro-ministro. Se Costa fosse treinador de futebol, era capaz de formar uma seleção portuguesa que fosse eliminada por Gibraltar. António Luís Santos da Costa não mereceu a confiança política que recebeu dos portugueses. Ao menos no tempo que lhe resta de governação tenha a decência de correr com Galamba. Tal como o fez com o seu chefe de gabinete, o qual parece ter começado por alegar que o dinheiro não era seu. Com amigos assim ninguém precisa de inimigos.

2. O terramoto político vai ter réplicas sucessivas. Teve um primeiro aviso (a entrevista ao Nascer do SOL do presidente do Supremo Tribunal de Justiça) que foi ignorado pela bolha político-mediática. Vivemos agora a libertação às pinguinhas de factos (relevantes e irrelevantes) que vão alimentando uma comunicação social que não soube cumprir o seu papel de investigação ao longo destes anos. Houve exceções, é verdade, mas em substância o que se foi sabendo era pouco face ao que está à vista. Não se deu nenhum tumulto político quando, em 2019, o programa de Sandra Felgueiras Sexta-às-9 não foi transmitido pela RTP antes das eleições, exibindo-se umas semanas mais tarde. E assim perdeu impacto, no tempo da administração de Gonçalo Reis. Os temas tinham a ver com parte do que está agora em causa. Verdade se diga também que, se a Justiça portuguesa fosse eficaz e dotada de meios adequados, muitos dos protagonistas que agora aparecem na operação “Influencer” (uma réplica parcial do “Face Oculta”) não teriam sequer podido concorrer às últimas legislativas.

3. António Costa e o PS não queriam evidentemente eleições. Preferiam uma solução de transição tipo Durão-Santana, chamando Mário Centeno. A personalização da política impedia naturalmente essa solução porque votou-se em Costa e no PS. Centeno é presidente do Banco de Portugal depois de uma exigência imprópria e quase birrenta. Ao deixar-se envolver nesse cenário de sucessão, Centeno mostrou que não tem a dimensão e o distanciamento para estar à frente do banco central. Em rigor deviam pô-lo fora. Já se falou dele para tudo. Designadamente comissário europeu, cabeça de lista às europeias e até candidato a Belém. Nem se percebe sequer a razão do seu prestígio. O que ele fez nas finanças foi uma política salazarista e uma austeridade encapotada. Anunciava que tinha 100 para dar, mas só deixava gastar 80. Boa parte das carências estruturais de hoje são fruto disso mesmo. A estória do convite teve também uma parte gaga. Centeno não resistiu a confirmá-lo à imprensa internacional. Costa disse que o tinha feito com conhecimento do Presidente da República. Mas Marcelo negou ter dado qualquer aval, através de um insólito comunicado emitido de madrugada. Como dizia o outro “este país é um colosso”.

4. O confronto eleitoral vai opor dois blocos. Um de esquerda que já se coligou uma vez e que provavelmente será liderado por Pedro Nuno Santos. É um político voluntarista, determinado e que pelos vistos conta com o fator sorte, o que é fundamental nessa vida. Ao sair do governo, PNS ficou sem amarras a António Costa do qual se ia distanciando sistematicamente desde que voltou à atividade político-mediática na SIC-Notícias. Tem fama de ser um fazedor, embora não seja essa a questão essencial da campanha. Quem liderar o PS tem, antes de tudo, a obrigação de dar garantias de ética, de seriedade e de honradez, indo buscar gente, nova ou mais velha, sem telhados de vidro. Esse crivo é essencial porque a campanha promete ser dura, feia e implacável do lado dos adversários, dos interesses e de uma comunicação social que vai ser inundada de intrigas e denúncias.

5. Já à direita Luís Montenegro tem a sua merecida oportunidade. Compete-lhe ganhar simultaneamente eleitorado moderado ao PS e agregar a direita, distanciando-se (como é sua vontade) do pujante e truculento Chega de Ventura. Montenegro sabia perfeitamente que os passistas afiavam o dente para o pós-europeias. Tiveram de pôr as violas no saco e cerrar fileiras, ainda que contrariados. Montenegro desta vez teve sorte, o que não era habitual. Sendo esforçado e certinho, a sua comunicação não passa muito bem. E, convenhamos, não soube aproveitar os momentos-chave dos últimos dias. Entrou no discurso eleitoral quando o que se espera dele nesta altura são garantias de ética e de verticalidade que o distingam do PS. Tanto mais que se sabe que há quem enfatize a circunstância de ser amigo de Pinto Moreira, ex-presidente da Câmara de Espinho e ex-deputado, obrigado a demitir-se do Parlamento depois de ter sido constituído arguido num caso de alegada corrupção. Montenegro também é de Espinho e houve notícias desagradáveis sobre a forma como construiu a sua nova casa. Esperemos que já esteja tudo esclarecido e não venha aí uma campanha negra.

6. Dito isto, parece óbvio que a melhor maneira de o PSD voltar ao poder passa pela formação de uma coligação, abrangendo também os Liberais, o CDS (sobretudo pelas suas figuras passadas) e independentes (poucos) com provas dadas na vida profissional. Uma plataforma dessas permitiria reclamar o voto útil. Já se sabe, porém, que os liberais não estão interessados. Preferem ir sós e verem quanto valem, esquecendo a máxima de que quem tudo quer tudo perde. Uma dispersão beneficiará o Chega de André Ventura, um caudilho voluntarista, eficaz e inteligente capaz cativar o voto ideológico e o de protesto. Ventura tem por ele a denúncia sistemática que fez da degradação social, política e moral do país de Costa. Convenhamos que não se enganou. E também é mais ou menos evidente que os portugueses não têm, em geral, a opinião de que o Chega seja um perigo para o regular funcionamento da democracia. Há mesmo muita gente a achar que ele é uma espécie de algodão de limpeza. Obviamente que não é o caso. O Chega quando cresce tende a transformar-se num saco de gatos, como já se viu. Mas não há dúvida que Ventura é o retrato do que os americanos definem como “troublemaker”.

 

Nota: Este artigo foi escrito antes da demissão do Ministro João Galamba