Portugal. Da seca no verão, às cheias no inverno

Portugal. Da seca no verão, às cheias no inverno


No verão, as temperaturas têm batido recordes.Em Portugal, a seca é cada vez mais uma preocupação. Por outro lado, as depressões não têm dado descanso, causando cheias por todo o território. Portugal é o país na Europa em que as alterações climáticas estão a ter maior impacto. Quais as zonas mais afetadas?


Há várias décadas que o clima se tem vindo a alterar, devido ao impacto ambiental da atividade humana. Ouve-se várias vezes que “deixámos de ter estações do ano”. Antes, por esta altura, as pessoas não saiam à rua sem casaco, muito menos de t-shirt e calções. Apesar de no verão sempre se ter ouvido falar de seca, de ano para ano, este é um problema cada vez pior. Os verões são cada vez mais quentes e secos e há grandes incêndios. Além disso, as cheias e inundações têm afetado inúmeras partes do país – este ano o país já sofreu com a tempestade Aline, Bernard, Céline e, durante o fim de semana, foi vítima da depressão Domingos (foram ativados múltiplos avisos meteorológicos no nosso território). Há ainda um aumento da temperatura média das águas. E tudo isto tem uma justificação: Portugal é o país na Europa em que as alterações climáticas estão a ter maior impacto.

Segundo o vice-presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) Carlos Pimenta Machado, mesmo entre os países do sul da Europa, mais vulneráveis, “Portugal é onde a mudança climática mais impacta na água, no aumento da temperatura”, sendo possível ver o que se está a passar no espaço europeu: “os incêndios (…) com chuva mais concentrada e longo períodos de seca”, com resultados “nas atividades económicas e no ecossistema”. Numa conferência num fórum ambiental em Macau, que ocorreu em agosto e onde se abordou a gestão da água no contexto das alterações climáticas, o vice-presidente da APA reafirmou a intenção de Portugal de antecipar o compromisso de neutralidade carbónica de 2050 para 2045.

No domingo, à Lusa, o investigador Nuno Loureiro, disse que a próxima crise no país vai ser a da água e afetará mais o Algarve e Alentejo. De acordo com o investigador da Universidade do Algarve, o sul do país está a ser, por isso, cada vez mais afetado pela seca. “Por um lado, temos a crise na saúde, que enche os noticiários no dia-a-dia, é dramática e é uma crise de falta de planeamento. Temos a crise da habitação, que agora está um pouco menos falada porque estamos ocupados com o que se passa na Palestina e na Faixa de Gaza, e vamos ter a muito curto prazo a crise da água”, afirmou, advertindo que, se este ano hidrológico não for “generoso”, no próximo ano, a crise da água “vai estoirar à força toda” e afetar especialmente os territórios do Alentejo e Algarve.

“As reservas que temos já não nos garantem um ano de consumo, ou garantem com muitas limitações”, continuou, explicando que perante esta situação “não há respostas fáceis, não há soluções fáceis, mas há soluções que têm de ser adotadas e que passam por um planeamento e uma fiscalização séria”. O investigador reconheceu ainda que, entre as áreas de atuação para tornar o consumo de água mais sustentável, está o consumo doméstico que se gere pelo preço, “não com campanhas cor-de-rosa de publicidade”. Além disso, Nuno Loureiro – que conta com estudos na área dos recursos hídricos -, disse que a gestão faz-se também com “coisas completamente impensáveis no Algarve atual”, como é, por exemplo, a “propagação de piscinas privadas”, que classificou como um “absurdo” num cenário de escassez de água, frisando que se pode dizer que a “agricultura gasta muito ou gasta pouco, mas produz alimentos, produz emprego”. O especialista apelou, por isso, para um maior planeamento e fiscalização, através da utilização de ferramentas como, por exemplo, as imagens de satélite, que mostram um “acréscimo das áreas regadas no Algarve ao longo do tempo”. “Se for buscar imagens dos anos de 1980, vê-se como é pequena a mancha dos citrinos de Silves, vê-se como toda a zona a norte e a sul da Estrada Nacional 125 entre Tavira e Vila Real de Santo António é modesta. Nos anos recentes, se formos buscar imagens de 2018, 2020, 2022, vê-se que cada vez cresce mais e cada vez se rega mais”, acrescentou.

Segundo a mesma fonte, esta imagem de satélite permite, ver, por exemplo, se uma vegetação “muito satisfeita de água está a ser regada” e essa informação pode cruzar-se com “as possíveis fontes de água, entre as quais os furos ilegais” ou “as barragens que não podem regar, mas continuam a regar ou as culturas continuam a ter água”. Estas ferramentas “têm de começar a ser utilizadas porque o assunto é muito sério” e, “mesmo que este inverno chova um bocadinho mais, pode atenuar um pouco a dor mas não é remédio para o problema que a região enfrenta”, garantiu.

À escassez junta-se ainda o aumento da temperatura média das águas. Em junho, o hidrobiólogo Adriano Bordalo e Sá revelou que a temperatura da água do rio Douro que chega ao mar está a subir e há valores registados na parte superior do estuário a chegar aos 27 graus no verão. Recorde-se que o Douro é a maior bacia hidrográfica da Península Ibérica e o rio que transporta mais água para o mar. “Da parte superior do estuário – que tem cerca de 21 quilómetros -, temos valores entre os 26 e os 27 graus de temperatura este verão, completamente inabituais há quase 40 anos”, afirmou o especialista.

Temperaturas altas Em maio, já o Instituto Português do Mar e Atmosfera (IPMA) alertava que Portugal conta com mais secas e em mais território. “Portugal sente com severidade as alterações climáticas e os períodos de seca têm vindo a multiplicar-se. Uma tendência que deve continuar a agravar-se”, apontava ao Capital Verde. Recorde-se que o ano passado ficou marcado como um dos anos mais quentes a nível global e Portugal não escapou: viveu-se um dos onze episódios de seca mais severa dos últimos 80 anos. Os termómetros chegaram a marcar os 46 graus em algumas zonas do país. “Nos anos mais recentes tem-se observado uma maior frequência destes episódios de seca e alguns deles têm-se prolongado por mais de um período húmido (outono e inverno) e seco (primavera e verão), e também têm abrangido uma maior percentagem do território”, indicou a fonte do IPMA à mesma publicação, contando que as regiões Nordeste e Sul têm sido as mais afetadas. Nota-se assim “um aumento do risco e da vulnerabilidade a este fenómeno, o que poderá obviamente trazer um aumento dos impactos, nomeadamente ao nível dos setores agrícola e hidrológico e, necessariamente social”, acrescentou. Apesar deste ano ter começado com fortes chuvas, na mesma altura, o Ministério da Agricultura e Alimentação alertou que a situação de seca severa e extrema já afeta cerca de 40% do território nacional, apontando impactos significativos na atividade agrícola e rendimentos dos agricultores. De acordo com a Confederação dos Agricultores de Portugal a produção cerealífera e a pecuária estão entre os setores mais afetados.

Aumento das cheias Mas não é só de seca que se fala. No último mês, pouco se viu a luz do sol. As depressões têm surgido uma atrás da outra, sem dar tempo para gerir os estragos. Muitas pessoas têm visto os seus estabelecimentos e habitações completamente inundados. Nas ruas, as estradas têm-se transformado em rios com carros submersos, árvores caídas e semáforos destruídos. Também se tem assistido a subidas dos caudais dos rios e derrocadas.

A tempestade Domingos atingiu este sábado sobretudo o Norte do País – a grande maioria das ocorrências foram no Minho. Segundo o Correio da Manhã, na zona de Fiscal, em Amares, a subida do caudal do rio Homem deixou apenas visíveis os telhados das casas (antigos moinhos e celeiros) que existem nas margens. Também em Paredes, a subida do rio Ferreira obrigou ao corte de estradas e avenidas que ficaram totalmente submersas. Em Guimarães, o cenário foi igual. Alguns moradores de Creixomil, por exemplo, só conseguiam andar em casa de galochas, após a subida repentina do rio Selho.

Ao longo das últimas semanas tem sido o Norte do país a sofrer mais gravemente com as cheias e inundações. Falamos de Braga, Bragança, Viana do Castelo, Viseu, Porto, Leiria. No entanto, o cenário também tem sido negro na Área Metropolitana de Lisboa, Oeiras e Loures. No dia 13 de outubro, a Comissão Europeia lançou uma nova ferramenta online para fornecer dados sobre inundações, que identifica zonas de risco, contribuindo para a avaliação do risco de cheias. As áreas de risco de inundação potencialmente significativas (mostradas em cor laranja) foram identificadas por cada Estado Membro. Em Portugal, as áreas assinaladas concentram-se em Viana do Castelo, Aveiro, Coimbra, Leiria, Lisboa e Santarém. Um estudo divulgado no final de outubro prevê que mesmo com cortes drásticos das emissões poluentes a subida do nível das águas a partir de 2050 ponha em risco 300 milhões de pessoas. Em Portugal, estuário do Tejo e do Sado, Ria Formosa, Aveiro e Figueira da Foz são as zonas mais “vermelhas”.