O Presidente não está bem. Há impulsos que são estruturais, de personalidade, que resultaram no passado, com a necessidade de afetos da população depois da presidência de Cavaco Silva e da governação enfunada pela troika; há atualmente desvios da função presidencial que vão muito além de qualquer desculpa de carácter, de posicionamento ou das circunstâncias de, com maioria absoluta, ter perdido a capacidade de influência e de interação consequente com a liderança do governo de António Costa, estando remetido para a utilização das bombinhas de carnaval que a Constituição lhe reserva.
A verborreia e ânsia de estar presente, próximo e intrusivo quando outros primam pelo distanciamento crescente das pessoas e do território, preferindo as folhas de Excel e os ambientes controlados, banalizou a função presidencial, num tempo em que as circunstâncias mudaram e exigiam outro tipo de posicionamento institucional. Marcelo deixou de ser garante do que quer que seja. Em bom rigor, já nem dispõe da bomba atómica da dissolução do parlamento na sua plenitude, porque as circunstâncias estão quase todas contra ele, de uma oposição ao governo da República pelo PSD que parece apostar tudo na queda pela podridão ou saturação popular à conjuntura económica e social marcada pela situação internacional e pela anunciada distribuição nacional de afagos orçamentais para a massa de eleitores decisivos em qualquer ato eleitoral.
É claro que pode continuar a discordar publicamente das opções do governo, mesmo quando concertadas, mas não a reconfigura ou altera no sentido de impor senso, equilíbrio e racional.
É claro que pode concordar sinalizando os riscos, como fez com a EFACEC, mesmo em situações que a maioria dos portugueses não compreende face às dificuldades das pessoas e aos constrangimentos sentidos nas dinâmicas dos territórios, muitos deles votados a uma indiferença ou à insuficiência do investimento público para fixar população e contrariar as tendências negativas.
É claro que pode amiúde escolher uns diplomas e umas quantas opções políticas do governo ou da maioria parlamentar para vetar, mas sabe que será confrontado com a superação do obstáculo por via da confirmação dos conteúdos, por mais estapafúrdios que eles possam ser.
O Presidente que foi cúmplice ativo da anterior solução governativa, designada de geringonça, é cúmplice passivo da atual situação política. Pelo perfil de função que conferiu ao seu mandato desde o início, é um ativo benigno para os objetivos da governação com uma maioria absoluta, por poder significar uma voz dissonante sem impacto negativo relevante e por exercitar uma proativa agenda mediática onde é fácil ser apanhado em situações polémicas úteis para desviar a atenção das opções e das ações governativas. Não é o idiota útil porque oscila entre a inteligência e a esperteza, mas põe-se demasiado a jeito, enquanto queima o tempo e o espaço de afirmação das potenciais alternativas políticas, totalmente enleadas nas suas circunstâncias internas.
Marcelo, que fala sobre tudo, depois não fala sobre o que importa.
O país teve uma solução governativa assente numa maioria parlamentar que não integrou o partido que ganhou as eleições legislativas de 2015. O Presidente de então exigiu um compromisso escrito para a solução inédita e a coisa fez-se, até à zanga dos parceiros.
Nos Açores, o partido que tinha sido vítima da solução na República, vislumbrado com a possibilidade de aceder ao poder, não hesitou em recorrer à solução, com atropelos processuais do representante da República e a anuência presidencial depois da existência de um acordo escrito para uma solução parlamentar e governativa sem o partido mais votado. Acontece que, como na solução para a República, não há cola que cole cientistas ao teto que possibilite manter convergências de circunstância, mesmo cimentadas pelo exercício do poder e suas benesses, onde há divergências estruturais insanáveis. Resultado, tal como na República, nos Açores a maioria de circunstância está desavinda, por ora, nas pronúncias públicas, mas, a zanga pode ser efetivada na votação do orçamento regional para 2024. Curiosamente, o PSD, que governa sem ter ganho nos Açores, já veio proclamar que um chumbo do orçamento não significa a demissão do governo, escudando-se em especificidades da autonomia e na bonomia do Presidente da República, agora em modo de atento ao supérfluo e distraído com o essencial.
É que, para quem fala sobre tudo e sobre nada, há mesmo um silêncio ensurdecedor do representante da República nos Açores e do Presidente sobre o deslaçar da maioria política vigente na região, o risco aritmético e político do chumbo do orçamento regional e o proclamado alapar do PSD ao poder, quaisquer que sejam as circunstâncias, que aconselham a solução adotada na República: voltar a dar a palavra ao povo dos Açores para dizer de sua justiça na sua governação autonómica.
Sendo preciso ajudar Marcelo Rebelo de Sousa a acabar o mandato presidencial com mínimos de dignidade, não se tratando de nenhuma cunha direta ou indireta, faz todo sentido constitucional, como padrinho da solução, que o Presidente da República diga uma palavrinha sobre o deslaçar da maioria política nos Açores, o risco de crise e a ameaça de barricada no poder do PSD regional.
Em vez de entrar em modo de mioleira, quando um ministro da Agricultura foi a uma manifestação contra si próprio, ou de se projetar em exercícios esquizofrénicos nos acontecimentos, basta cingir-se ao fundamental da função presidencial e das competências constitucionais. Vá lá, diga uma palavrinha sobre os Açores, Senhor Presidente!
NOTAS FINAIS
INEXPLICÁVEL. O negócio da EFACEC, que já fez sair do governo um ministro, não tem pés nem cabeça. Quem decidiu, depois de ter despejado e de ainda vir a injetar milhões e milhões dos contribuintes, não percebeu que é preciso dar mais explicações sobre o sentido deste sorver de dinheiro público.
INSUSTENTÁVEL. O impasse e o deslaço do SNS é insustentável e indigno do compromisso histórico do PS com este pilar do serviço público.