O homem que teve medo de amar e passou a vida a sofrer. Matthew Perry (1969-2023)

O homem que teve medo de amar e passou a vida a sofrer. Matthew Perry (1969-2023)


Fazia rir as pessoas e quando não acontecia era extremamente infeliz. O mundo apaixonou-se por ele em 1994 na icónica série ‘Friends’. No entanto, o artista não se conseguiu apaixonar pelo mundo. Uma inspiração para muitos, viveu uma vida marcada pelo consumo de drogas.


Há quem nunca o tenha deixado de chamar Chandler Bing, o nome da sua icónica personagem na série Friends, que o fez ficar conhecido em todo o mundo. Graças ao seu sucesso e aos anos que dedicou à produção – a comédia da NBC estreou em 1994 e terminou em dez temporadas, em 2004 –, disse muitas vezes que se sentia a própria personagem. No entanto, talvez o público desconhecesse a pressão por trás dessa sensação – era tanta que admitia várias vezes que, quando o público não se ria de si, suava e começava mesmo a ter convulsões. Uma vida em busca de aprovação e lugar. Um percurso marcado por amores falhados, vícios e problemas de saúde. Matthew Perry morreu aos 54 anos.

De acordo com o jornal Los Angeles Times, o ator norte americano foi encontrado morto no jacuzzi de casa em Los Angeles, no oeste dos EUA, onde se terá afogado. A autópsia já foi realizada, mas os examinadores estão a aguardar os resultados dos relatórios toxicológicos para determinar a causa da morte do ator. Estes exames podem levar semanas para serem concluídos. «O inferno existe. Não deixes que ninguém te diga o contrário. Eu estive lá. Existe! Fim de discussão», escreveu na sua autobiografia Friends, Lovers, and the Big Terrible Thing, lançada em 2022.

 

Abandono, Álcool e Drogas

Nasceu a 19 de agosto de 1969, em Williamstown, no estado norte-americano do Massachusett e, o que muitos desconhecem, é que antes de saltar para o set, tinha o sonho de se tornar jogador de ténis profissional.

Segundo o The Guardian, o seu pai era alcoólico. Depois de ficar limpo, tornou-se ator e chegou a fazer uma pequena aparição em Friends. A sua mãe era assessora de imprensa de Pierre Trudeau, o primeiro-ministro canadiano. Filho de pais divorciados, que moravam em países diferentes, o pequeno Matthew viajava dos EUA para o Canadá e, segundo o mesmo, sempre se sentiu abandonado pelos pais.

Antes de desenvolver ambições na representação, aos 14 anos, era um tenista obsessivo, classificado nacionalmente no Canadá. Na mesma época, descobriu a bebida e era, tal como escreveu no seu livro, «um ser humano quebrado» quando um ano depois se mudou para Hollywood. Estudou teatro e conseguiu alguns papéis antes de em 1994 ser convidado para dar vida a Chandler ao lado de Jennifer Aniston, Courteney Cox, Matt Le Blanc, Lisa Kudrow e David Schimmer.

Nessa altura, começou o vício do álcool. «Conseguia lidar com isso, mais ou menos, mas quando tinha 34 anos, estava realmente envolvido em muitos problemas», confessou. E a decadência das drogas piorou após o artista ter sofrido um acidente de jet-ski. Segundo o mesmo, a certa altura, começou a tomar 55 comprimidos do analgésico Vicodin por dia (usado para as dores), e pesava 58 quilos. Matthew admitiu que apenas esteve sóbrio na nona temporada da série, o que lhe valeu uma nomeação para o Emmy de melhor ator principal em série de comédia.

Além disso, numa entrevista, chegou a revelar que não se recordava das gravações de três temporadas inteiras da série. Os colegas, felizmente, sempre foram bastante compreensivos com o seu problema. «Eu não sabia como parar», afirmou o ator. «Se a polícia chegasse a minha casa e dissesse: ‘Se você beber hoje à noite, vamos levá-lo para a cadeia’, eu começaria a fazer as malas. Não conseguia parar porque a doença e o vício são progressivos. Fica cada vez pior à medida que envelhece», lamentou.

Sóbrio desde 2021, ao longo da vida Matthew Perry gastou ao todo 9 milhões de dólares a tentar ficar ‘limpo’: participou em 6 mil reuniões dos alcoólicos anónimos, esteve 15 vezes em clínicas de desintoxicação e fez terapia duas vezes por semana durante 30 anos.

Na sua autobiografia, o artista escreveu: «No dicionário, a palavra ‘viciado’ devia vir acompanhada de uma foto minha, olhando ao redor, muito atordoado». «O ‘porquê’ de ainda estar vivo é definitivamente para ajudar as pessoas», acreditava. E a verdade é que sempre inspirou quem passava pelo mesmo problema.

Na sua última entrevista, em 2022, argumentava que todos «podem mudar» se forem capazes de superar o vício.

Além do síndrome do abandono e dos problemas de vício, o artista nunca se sentiu suficiente no amor. Em 1996 envolveu-se com Julia Roberts, mas acabou por deixá-la por sentir que mis tarde ou mais cedo esta o deixaria. Depois disso, teve outros relacionamentos, no entanto, nunca deixou alguém entrar a fundo no seu coração. «Preciso de amor, mas não confio nele. Se eu fizer como o Chandler e mostrar quem eu realmente sou, podem conhecer-me – mas pior, podem conhecer-me e podem deixar-me, e eu não posso permitir isso», escreveu em Friends, Lovers, and the Big Terrible Thing.