Houve um tempo de mobilização desenfreada com uma agenda para a década, com respostas no momento às exigências dos parceiros de solução governativa e impulsos que percecionaram a existência de disponibilidades para acorrer a todas as expetativas, as cerceadas pelo modo Troika, as de sempre e as geradas pelo exercício político. Esse tempo, já longínquo, de 2015, sumiu-se na zanga das comadres governativas, sendo hoje evidente a incapacidade para gerar respostas sustentadas para os desafios estruturais. Porque a história não se reescreve, podendo ter reincidências, nunca se saberá o que teria sido o exercício governativo da direita sem as modelações impostas pelo memorando com a Troika, nem o que seriam as governações de António Costa sem os impactos da pandemia e da guerra, mas sabemos que há atualmente um inevitável conforto a partir da posição dominante do exercício político com aforro mais do que suficiente para distribuir boas notícias e condicionar eleitoralmente o país mais ativo nas votações.
Tendo sido sempre duvidosa a existência de uma ideia ou de ideias mobilizadoras para o país, além do aproveitamento de circunstâncias positivas como os dinheiros da europa ou as dinâmicas do setor do turismo, apesar do tal documento para a década, boa parte do tempo governativo decorrido correspondeu a uma elevada capacidade de resposta ao momento e de afago das expetativas dos parceiros de solução governativa e dos cidadãos eleitores relevantes. O tempo agora é outro, de manutenção dos equilíbrios presentes e de redobradas cautelas em relação ao futuro, invocando a dimensão crónica para justificar os problemas persistentes na saúde, na educação, na justiça e onde quer que existam impasses, bloqueios e dificuldades dos cidadãos no acesso a bens e serviços essenciais.
O estado comatoso do Serviço Nacional de Saúde, na realidade desorganizada vigente e na perceção dos cidadãos, é resultado de problemas crónicos.
A desestabilização da Escola Pública a partir da situação dos professores é fruto de problemas estruturais crónicos.
A justiça confronta-se com ineficiência e contestações que somam disfunções ao adequado funcionamento de um pilar fundamental das sociedades, o da aferição do cumprimento das normas e do dirimir das situações de litígio entre as partes, em resultado de reiteradas nuances crónicas.
E poderíamos percorrer outros setores e situações em que a decorrência de quase uma década de exercício político não impede a invocação da ciclópica situação crónica para justificar a falta de soluções ou resultados no momento.
O crónico é o novo normal.
Não há médico de família ou urgência aberta nas imediações, será crónico ter de ligar para uma linha para falar com alguém sobre os sintomas e as inquietações individuais ou de terceiros.
Pretende-se interagir com um qualquer serviço público, será crónico não o puder fazer sem marcação prévia ou com recurso a uma aplicação qualquer, onde a maioria esbarra nos labirintos das configurações adotadas, sem hipótese de esclarecimento das dúvidas.
Como será crónico o sufoco e incerteza generalizado vivido pelas famílias, mesmo pelas que estão acima do patamar de riqueza nacional dos 2.000 euros de salário mensal individual, e por todos os que se confortam com a aparência momentânea dos anúncios positivos, sem a ponderação das arrecadações indiretas de impostos nos gestos quotidianos.
A caminho de uma década de exercício e de 50 anos de Democracia, será menos que poucochinho aceitar que não existam respostas para os problemas crónicos, no tempo presente, mesmo invocando o investimento ou despejo de mais dinheiro sobre os problemas. Aceitar o crónico como o novo normal significará a capitulação da exigência cívica que se impõe perante protagonistas e exercícios apenas preocupados com a gestão de turno, mesmo quando impulsionam algumas ações positivas de futuro como a da redução da dívida pública.
Não se pode ter a carga fiscal que temos e depois não ter o nível de disponibilidade e de resposta dos serviços públicos que cumpram mínimos.
Não se pode permitir que esta disfunção se possa tornar no novo normal, com mais ou menos narrativa, desculpa de mau pagador ou complacência com o arrastar das situações.
Não é aceitável continuar a ter opções políticas, no poder e na oposição, sem o nível de explicação e de escrutínio do sentido e sustentabilidade das mesmas.
Sim, o momento exige respostas estruturais e de circunstância, porque será crónico e incontornável que, no futuro, alguns dos presentes estarão mortos, sendo o que está pensado para esse tempo completamente indiferente. Se é para invocar o crónico para o que não se resolve quase uma década depois do início de funções, não se está a fazer nada nos lugares. Já lá vai o tempo em que o passado poderia ser desculpa ou em que poderiam apontar ao futuro impondo um tempo intermédio menos positivo. Para crónicas, já bastam as dificuldades que todos, em graus diferentes, enfrentam nos seus quotidianos, nas realidades e nas perspetivas. O crónico não pode ser o novo normal ou reinstalamos em Portugal um certo fatalismo próprio doutros tempos. Se é crónico é mudar, transformar e reformar para que deixe de ser.
NOTAS FINAIS
O TABACO E A INCOERÊNCIA DA AÇÃO. Nunca fumei, mas não me revejo em nada que seja zero de consciencialização e cem por centro de imposição de proibições. O mesmo governo que apresentou uma lei fundamentalista para proibir o fumo de tabaco a pensar nos mais jovens permite que, no anacrónico Dia da Defesa Nacional, que só perturba quem está no ensino superior sem qualquer interesse pela carreira militar, tenham todas as palestras dos diversos ramos, da GNR e da proteção civil, mas não a que estava prevista sobre consumo de tabaco e de estupefacientes. É assim o fundamentalismo inconsequente.
O GOVERNO DA SOMA DAS AGENDAS. Em modo “eu é que sou o presidente da junta”, o ministro sublinhou que o governo continua a ser a soma de um conjunto de agendas pessoais ao tornar público que “Fui eu que propus ao primeiro-ministro uma redução maior no IRS”. Não é defeito é feitio.
MENDES A MAIOR. A entronização de Marques Mendes como altifalante seletivo do governo, para anúncio de medidas e opções governativas, significa que o PS ou parte dele não aprendeu nada com a consagração de Marcelo Rebelo de Sousa na AutoEuropa. O momento afinal ainda vai sendo quase tudo, não o é para o essencial das pessoas e dos territórios. É pena.