No domingo, em Madrid, as ruas encheram-se de bandeiras vermelhas e amarelas e azuis e brancas sob o mote ‘pela igualdade de todos os espanhóis’, enquanto se ouviam palavras de ordem como «Puigdemont à prisão!» ou «Sánchez, traidor!».
Antecipando a derrota no Congresso, o PP arriscou jogar ao ataque. E correu bem: fontes oficiais falam em 40.000 pessoas (o PP em mais de 65.000) presentes no protesto contra a amnistia dos líderes do referendo na Catalunha, que contou também com a presença de quem mais conta no partido: Ayuso, Aznar e Rajoy. Falava-se num «choque de autoestima» para Feijóo a menos de 48 horas do debate e votação da sua tentativa de investidura, ouviu-se Bruce Springsteen e houve quem recordasse 1980, quando o socialista Felipe González lançou, a partir da derrota na moção de censura contra o Governo de Suárez, as bases para, um ano depois, conseguir uma maioria absoluta.
Feijóo agradeceu ao VOX, que votou a favor da sua investidura: «Isto não é sobre blocos ou territórios. Não é sequer sobre legalidade. É sobre princípios, sobre tê-los ou não. De direitos e igualdade. Ninguém pode ser mais que ninguém. Defenderei a igualdade entre todos os espanhóis, ainda que isso me custe a presidência do Governo». Fontes do PP sublinharam a afluência, que excedeu as expetativas iniciais: «Faltam-nos quatro votos para a investidura, mas sobra-nos apoio social». E deixaram um aviso: «Isto multiplicar-se-á por 10 quando se consumar a amnistia».
Viagem a lugar nenhum
Não foi suficiente. Com 172 votos a favor e 178 contra, Feijóo falhou a primeira votação, realizada quarta-feira, e o mais provável é que volte a sair derrotado na segunda tentativa.
Num discurso que durou uma hora e meia, Feijóo referiu-se à «degradação, sem precedentes, das instituições em Espanha» e recordou os pactos de estabilidade que propusera, sem sucesso, a Pedro Sánchez. Do lado socialista, Sánchez, para surpresa dos que acompanhavam o debate, optou por não participar, passando o direito de resposta a Óscar Puente. Yolanda Díaz também não se expôs, dando a palavra a Marta Lois. A líder parlamentar da coligação Sumar acusou Feijóo de ser «o primeiro no confronto, e o último no diálogo». E disse que terminava ali a sua «viagem a lugar nenhum».
Abascal voltou a culpar o PP por ‘demonizar’ o VOX, «contribuindo para que a direita não some». Mas a mensagem foi de paz: tendo apoiado a tentativa de investidura de Feijóo, Abascal lembrou: «O VOX não é seu inimigo, e não vai desaparecer».
O que se segue
Na segunda-feira, depois de discursar, Feijóo afirmava: «Este debate valeu a pena, porque todos nos retratámos, com palavras e com silêncios, e porque se tornou claro que existe uma alternativa». O chumbo era previsível, mas o discurso marcou o tom e a posição a partir da qual Feijóo fará oposição a Sánchez ou, caso chegue à Moncloa num cenário de repetição eleitoral, governará Espanha. Se em julho Feijóo, ganhando, perdeu, é possível que agora, face a uma derrota inevitável, tenha ganho.
Falhada a tentativa de investidura, a bola passa para Filipe VI, que será forçado a devolvê-la a Sánchez que, por sua vez, depende do voto favorável dos partidos independentistas. Segundo a Porta-voz da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), Sánchez já aceitou uma das condições, que é a da amnistia. Falta ainda desembaraçar-se dos constrangimentos da Constituição à realização de um referendo à autodeterminação.
Mas a amplitude da rejeição da amnistia e referendo, unindo eleitores do VOX ao PSOE, aumenta o preço, para Sánchez e para o próprio PSOE, da reedição de um ‘Governo Frankenstein’. E torna ainda menos apetecível, para os socialistas, um cenário de repetição das eleições.
O destino da viagem de Feijóo poderá não o ter levado à Presidência do Governo, mas permitiu-lhe cimentar a liderança, num contexto em que os acontecimentos recentes (porque a política é sempre sobre escolhas e sobre determinar amigos e inimigos) evidenciam, em torno da questão independentista, as linhas vermelhas que separam uns e outros.