Um país sério para brincar.


Sabemos ainda que neste país de pouca riqueza, os trabalhadores que vivem apenas do Salário Mínimo podem vir a pagar IRS. Parece brincadeira também, mas não é.


Acho que todo o cidadão atento prestou atenção, viu ou leu, ao recente Estudo promovido pelo Conselho Económico e Social (CES) em parceria com a Universidade do Minho sobre a dimensão do vício e o perfil do jogador da lotaria instantânea. Lê-se no Estudo que maioritariamente são os mais pobres, mais velhos e com pior saúde mental que mais contribuem para o maior gasto em raspadinhas. O estudo conclui ainda que o consumidor frequente tem mais de 50 anos, o ensino básico ou secundário e rendimentos abaixo do ordenado mínimo.

Paralelamente, acho consensual assumir algumas coisas sobre Portugal.

A primeira é que somos um país globalmente pobre. A segunda é que pagamos impostos de país rico. A terceira, no seguimento destas duas verdades de La Palice que referi, é que neste país manifestamente pobre, de baixos salários, muita dependência do estado e pouco apoio à criação de riqueza é irónico saber que temos cerca de 4 milhões de euros gastos diariamente em raspadinhas.

É uma brincadeira sabermos que a receita de 2022 do Orçamento de estado rondava os €70 mil milhões e que o jogo da raspadinha dá à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML)  €1,5 mil milhões de lucro bruto nesse 2022.

Portugal é o país com maior gasto per capita em lotaria instantânea. Temos um gasto dez vezes maior do que os espanhóis e mais do dobro da média europeia. Em contrapartida, temos menos de 800€ de salário mínimo em 10 milhões de habitantes e Espanha, que joga 10 vezes menos que nós em raspadinha e tem perto de 50 milhões de habitantes, tem perto de 1100€ de salário mínimo. Só para comparar e termos noção da brincadeira.

Em Portugal somos sérios a brincar.

E conseguimos facilmente mais exemplos de brincadeira em assuntos sérios.

Na educação, após já dois anos de estudos/reuniões/debates entre Ministério, Federações e Sindicatos, temos agora 92 mil alunos sem professor.

Na habitação vemos uma Ministra apregoar uma “grande reforma” na Habitação num dia e, nestes mesmos dias em que se vê a falência dessas propostas de habitação para jovens e famílias carenciadas, temos conhecimento de famílias a viver em tendas e caravanas porque não conseguem ter rentabilidade salarial para se poder pagar os preços de rendas em qualquer casa ou quarto deste país.

Na justiça brincamos aos perdões de pena e amnistias que colocam, devido a uma visita do Papa Francisco a Portugal nas JMJ, 408 jovens libertados de prisões. Porque “sim”.

Sabemos ainda que neste país de pouca riqueza, os trabalhadores que vivem apenas do Salário Mínimo podem vir a pagar IRS. Parece brincadeira também, mas não é.

Na saúde temos greves diárias de farmacêuticos, enfermeiros e médicos. Uma brincadeira com o SNS, e sobretudo com a saúde dos portugueses, a demora de um Governo para estabilizar e chegar a consenso com tantas classes de profissionais de saúde. Têm as prioridades totalmente trocadas no Ministério da Saúde.

Para terminar, uma nota onde se vê em que países se brinca e onde se é sério.

No lado sério, partilhar uma história recente que decorreu nos Estados Unidos da América. Jann Wenner, foi co-fundador da Rolling Stone Magazine (revista mais prestigiada de música do mundo), partilhou uma entrevista ao NY Times e diz a determinada altura que nunca entrevistou uma mulher no seu último livro sobre grandes compositores e pensadores musicais porque, cito, “relativamente às mulheres, nenhuma dela conseguiria articuar-se ao nível intelectual de um homem”. No dia seguinte, Jann Wenner foi demitido de algo que fui co-fundador e onde tinha muitas responsabilidades atuais devido a essas palavras. Lá, nos países sérios, não se perdoa.

Nos países a brincar, onde tudo é permitido, temos um Portugal onde um Presidente da República fala no Canadá do decote de uma luso-descentende (afirmando em público a saliência do mesmo) e, dias antes, num noutro local brincou com o peso excessivo de uma mulher face à estrutura de uma cadeira onde se ia sentar. Cá, a brincadeira passou impune.

Há países que são sérios até a brincar, como este exemplo nos Estados Unidos da América, os países do norte da europa, a poderosa Alemanha ou a sempre autónoma Suiça. Nós, portugueses, andamos numa fase em que só brincamos com coisas sérias.

Estamos ao contrário do normal. O normal funcionamento de um país é ser maioritariamente sério, credível, ter crescimento económico e viver na base do respeito na sociedade e com credibilidade perante as instituições.

Porém, desengane-se todo e qualquer um que pense que o caminho é abandonar este país que todos adoramos.

Diz-se que “Quando o navio afunda, os ratos são os primeiros a abandonar o barco” e, regra geral, conseguimos aplicar essa frase aqueles que fogem mal o caminho das suas vidas fica aparentemente complicado. O mais difícil é sermos sérios e ficar nos locais que gostamos e com perto de quem acreditamos sob que circunstância for. Valente não é só quem teve a coragem de sair, valentia também se vê naqueles que sabem ficar para auxiliar nos momentos dificeis.

Que os bons fiquem. E os maus também. E que, ficando cá, os melhores ajudem a orientarmos o país no caminho para uma rota séria de onde, a brincar, estamos a ser desviados.

 

CARLOS GOUVEIA MARTINS

Um país sério para brincar.


Sabemos ainda que neste país de pouca riqueza, os trabalhadores que vivem apenas do Salário Mínimo podem vir a pagar IRS. Parece brincadeira também, mas não é.


Acho que todo o cidadão atento prestou atenção, viu ou leu, ao recente Estudo promovido pelo Conselho Económico e Social (CES) em parceria com a Universidade do Minho sobre a dimensão do vício e o perfil do jogador da lotaria instantânea. Lê-se no Estudo que maioritariamente são os mais pobres, mais velhos e com pior saúde mental que mais contribuem para o maior gasto em raspadinhas. O estudo conclui ainda que o consumidor frequente tem mais de 50 anos, o ensino básico ou secundário e rendimentos abaixo do ordenado mínimo.

Paralelamente, acho consensual assumir algumas coisas sobre Portugal.

A primeira é que somos um país globalmente pobre. A segunda é que pagamos impostos de país rico. A terceira, no seguimento destas duas verdades de La Palice que referi, é que neste país manifestamente pobre, de baixos salários, muita dependência do estado e pouco apoio à criação de riqueza é irónico saber que temos cerca de 4 milhões de euros gastos diariamente em raspadinhas.

É uma brincadeira sabermos que a receita de 2022 do Orçamento de estado rondava os €70 mil milhões e que o jogo da raspadinha dá à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML)  €1,5 mil milhões de lucro bruto nesse 2022.

Portugal é o país com maior gasto per capita em lotaria instantânea. Temos um gasto dez vezes maior do que os espanhóis e mais do dobro da média europeia. Em contrapartida, temos menos de 800€ de salário mínimo em 10 milhões de habitantes e Espanha, que joga 10 vezes menos que nós em raspadinha e tem perto de 50 milhões de habitantes, tem perto de 1100€ de salário mínimo. Só para comparar e termos noção da brincadeira.

Em Portugal somos sérios a brincar.

E conseguimos facilmente mais exemplos de brincadeira em assuntos sérios.

Na educação, após já dois anos de estudos/reuniões/debates entre Ministério, Federações e Sindicatos, temos agora 92 mil alunos sem professor.

Na habitação vemos uma Ministra apregoar uma “grande reforma” na Habitação num dia e, nestes mesmos dias em que se vê a falência dessas propostas de habitação para jovens e famílias carenciadas, temos conhecimento de famílias a viver em tendas e caravanas porque não conseguem ter rentabilidade salarial para se poder pagar os preços de rendas em qualquer casa ou quarto deste país.

Na justiça brincamos aos perdões de pena e amnistias que colocam, devido a uma visita do Papa Francisco a Portugal nas JMJ, 408 jovens libertados de prisões. Porque “sim”.

Sabemos ainda que neste país de pouca riqueza, os trabalhadores que vivem apenas do Salário Mínimo podem vir a pagar IRS. Parece brincadeira também, mas não é.

Na saúde temos greves diárias de farmacêuticos, enfermeiros e médicos. Uma brincadeira com o SNS, e sobretudo com a saúde dos portugueses, a demora de um Governo para estabilizar e chegar a consenso com tantas classes de profissionais de saúde. Têm as prioridades totalmente trocadas no Ministério da Saúde.

Para terminar, uma nota onde se vê em que países se brinca e onde se é sério.

No lado sério, partilhar uma história recente que decorreu nos Estados Unidos da América. Jann Wenner, foi co-fundador da Rolling Stone Magazine (revista mais prestigiada de música do mundo), partilhou uma entrevista ao NY Times e diz a determinada altura que nunca entrevistou uma mulher no seu último livro sobre grandes compositores e pensadores musicais porque, cito, “relativamente às mulheres, nenhuma dela conseguiria articuar-se ao nível intelectual de um homem”. No dia seguinte, Jann Wenner foi demitido de algo que fui co-fundador e onde tinha muitas responsabilidades atuais devido a essas palavras. Lá, nos países sérios, não se perdoa.

Nos países a brincar, onde tudo é permitido, temos um Portugal onde um Presidente da República fala no Canadá do decote de uma luso-descentende (afirmando em público a saliência do mesmo) e, dias antes, num noutro local brincou com o peso excessivo de uma mulher face à estrutura de uma cadeira onde se ia sentar. Cá, a brincadeira passou impune.

Há países que são sérios até a brincar, como este exemplo nos Estados Unidos da América, os países do norte da europa, a poderosa Alemanha ou a sempre autónoma Suiça. Nós, portugueses, andamos numa fase em que só brincamos com coisas sérias.

Estamos ao contrário do normal. O normal funcionamento de um país é ser maioritariamente sério, credível, ter crescimento económico e viver na base do respeito na sociedade e com credibilidade perante as instituições.

Porém, desengane-se todo e qualquer um que pense que o caminho é abandonar este país que todos adoramos.

Diz-se que “Quando o navio afunda, os ratos são os primeiros a abandonar o barco” e, regra geral, conseguimos aplicar essa frase aqueles que fogem mal o caminho das suas vidas fica aparentemente complicado. O mais difícil é sermos sérios e ficar nos locais que gostamos e com perto de quem acreditamos sob que circunstância for. Valente não é só quem teve a coragem de sair, valentia também se vê naqueles que sabem ficar para auxiliar nos momentos dificeis.

Que os bons fiquem. E os maus também. E que, ficando cá, os melhores ajudem a orientarmos o país no caminho para uma rota séria de onde, a brincar, estamos a ser desviados.

 

CARLOS GOUVEIA MARTINS