Centeno avisa que inflação “é mais injusta socialmente” do que medidas para a combater

Centeno avisa que inflação “é mais injusta socialmente” do que medidas para a combater


O governador do Banco de Portugal considera que a manutenção das taxas de juro será “determinante” para baixar a inflação.


Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, defendeu que a manutenção das taxas de juro nos níveis atuais será “determinante” para baixar a inflação, que segundo este é “mais injusta socialmente” do que as medidas para a combater.

Numa entrevista ao jornal espanhol El Pais, publicada esta segunda-feira, Mário Centeno explica: “Pensamos que se as mantivermos [as taxas de juro do Banco Central Europeu] neste nível, faremos algo determinante para a inflação poder convergir para 2%, que é o nosso objetivo. O mais importante, neste momento, era dar alguma previsibilidade para nos podermos adaptar ao que nos espera nos próximos meses”.

O governador do Banco de Portugal concedeu a entrevista depois de, na quinta-feira, o Banco Central Europeu (BCE) ter anunciado uma nova subida de três taxas de juro diretoras em 25 pontos base, colocando a taxa de depósitos no nível mais elevado de sempre da zona euro.

“O risco de fazer demasiado está sempre presente na política monetária” explicou o governador, relembrando o que já aconteceu em 2008 e 2011, quando o BCE “teve de fazer marcha-atrás porque a subida das taxas de juro não era compatível com a estabilidade dos preços, financeira e da economia”. Mário Centeno deixou ainda o aviso de que “esse risco é real e temos de estar atentos”.

Ao perguntarem ao governador do Banco de Portugal se foi uma decisão partidária de parar agora a subida de taxas do BCE, Centeno respondeu que “Não podemos desviar-nos deste caminho porque a inflação é mais regressiva e injusta socialmente do que as medidas que usamos para a combater, que com frequência são duras e prejudicam a economia. O problema é que a inflação também. No conselho de governo [do BCE] tentamos gerir este equilíbrio difícil”.

Mario Centeno aconselhou que “a chave para continuar a baixar a inflação e resistir à subida das taxas de juro é o mercado laboral, que está em máximos históricos” na Europa. “ É quase uma obrigação de todas as políticas, também da monetária, proteger este novo 'statu quo', que nos afasta do estigma da estagflação” acrescentou.

O Governador aconselhou que para evitar “grandes crescimentos de desemprego e problemas sociais” é necessária “a previsibilidade e a coordenação nas políticas”, não deixando de reconhecer que a situação não é uniforme em todos os países da União Europeia.

"A política monetária é única, apesar de sabermos que o seu impacto é diferente. Para isso, há a política orçamental e foi isso que conseguimos durante a Covid e o aumento dos preços da energia", defendeu, acrescentando que os bancos centrais recomendam que "a política orçamental mantenha o apoio seletivo aos mais vulneráveis porque há margem na política fiscal para o fazer".

Questionado sobre o impacto da subida das taxas de juro em países como Espanha e Portugal, onde há grande peso dos empréstimos à habitação com taxas de juro variáveis, Centeno respondeu que os bancos centrais apelam "à capacidade de poupanças preexistentes e a um ajustamento na forma como nas famílias se gere o orçamento".

"Mas sabemos que isto é mais fácil de fazer se soubermos como vai ser o futuro. A gestão de expectativas é aquilo que também devemos fazer com a política monetária para dar previsibilidade. E foi isso que conseguimos na quinta-feira, uma fase que nos dá previsibilidade, um compromisso que as famílias europeias mereciam. Depois, há os apoios públicos que têm quase todos os países", acrescentou.

Sobre os grandes lucros dos bancos neste contexto e a possibilidade de a banca contribuir nos apoios às famílias, Centeno disse que "parte disto é cíclico" e "os bancos têm de ficar com uma parte substancial destes lucros, porque podem ter de responder à deterioração potencial dos empréstimos", que atualmente não se vê "porque o mercado laboral é forte".

"O problema para a banca é que os seus ciclos têm uma correlação difícil de entender para os cidadãos", que se sentem "mais pressionados" quando "os bancos estão bem", defendeu.