Teodora Cardoso. Dama de ferro ao serviço da causa pública

Teodora Cardoso. Dama de ferro ao serviço da causa pública


Frontal e direta, não poupava o trabalho dos ministros das Finanças


Morreu Teodora Cardoso aos 81 anos. Uma economista com uma «vida dedicada e devoção total, tantas vezes solitária, à causa pública», como descreveu ao Nascer do SOL.

Licenciada em Economia pelo Instituto Superior de Economia (atual ISEG), foi técnica do Banco de Portugal (BdP), no departamento de Estatística e Estudos Económicos, entre 1973 e 1992, tendo chefiado este departamento entre 1985 e 1990. Foi também consultora da administração em 1991 e 1992. Mais tarde exerceu as funções de consultora da administração do Banco Português de Investimento entre 1992 e 2008, ano em que se tornou membro do conselho de administração do BdP, até 2012. Nessa altura, assumiu a liderança do Conselho das Finanças Públicas (CFP) até 2019 com a promessa de que iria trabalhar com «a maior isenção» para que a política orçamental respeitasse uma «trajetória de sustentabilidade».

Promessa essa que foi cumprida. Os seus pareceres nem sempre foram recebidos, independentemente da cor política que estava no Governo e, muitas vezes as críticas não se fizeram esperar. Mas não foi isso que a fez baixar os braços, nem a assumir a pasta das Finanças, já que entendia que nunca poderia assumir esse cargo se o primeiro-ministro não tivesse em conta as contas públicas.

Quanto às críticas dizia apenas: «Convivo perfeitamente [com as críticas]. Quando fomos criados todos os partidos estavam contra o Conselho das Finanças Públicas, porque esta noção de uma entidade independente em Portugal não soa bem. Nessa altura, estavam todos contra nós e todos nos tinham criticado. Um jornalista perguntou-me se não me sentia mal com isso. Eu respondi-lhe, e continuo a pensar da mesma maneira, que sentir-me-ia muito pior se todos estivessem de acordo connosco», admitiu numa entrevista ao Eco.

Um trabalho que levou Carlos Costa, antigo governador do Banco de Portugal, com quem trabalhou e amigos de mais de 40 anos, a fazer-lhe rasgos elogios. «Teodora Cardoso é credora da admiração e da recordação de todos aqueles que apostam num sobressalto cívico do país e da valorização dos exemplos cimeiros de serviço público», lembrando os seus «excecionais dotes analíticos e independência de espírito, permanentemente interessada e atenta à produção de conhecimento», sendo uma «colega frontal, leal e construtiva» que «assumiu a responsabilidade de lançar uma nova instituição, o Conselho das Finanças Públicas, num ambiente de ceticismo e num enquadramento orçamental desafiante», disse numa nota publicada no LinkedIn.

O banco central, agora liderado por Mário Centeno, também mostrou o seu pesar em relação ao falecimento da primeira mulher administradora do BdP, após uma longa carreira como economista da instituição, classificando o momento de «de perda e consternação» e realçando «o brilhante percurso de uma economista que esteve ligada à instituição ao longo das últimas cinco décadas». Mas enquanto ministro das Finanças, Centeno chegou a ser bastante crítico em relação às suas análises.

Frontal e direta, Teodora Cardoso não poupava o trabalho dos ministros das Finanças, vincando, mais uma vez, o seu perfil de independência. «Temos tido bons ministros das Finanças. (…) O problema é que estão envolvidos num enquadramento que os concentra em resultados imediatos. Todos eles. Os resultados imediatos são bons, e enquanto são bons estão felicíssimos. Quando ficam maus, o Governo cai e o que vem a seguir põe as culpas no anterior e fica tudo satisfeito», revelou numa entrevista ao Negócios.

Já o atual ministro das Finanças, Fernando Medina, destacou-a como «um exemplo e uma economista incontornável na história da democracia portuguesa», garantindo que «representou e continuará a representar um referencial de seriedade, rigor e exigência não só para economistas, como para todos os envolvidos no desenho e implementação de políticas públicas».

Também o antigo Presidente da República, Cavaco Silva, lembrou que, enquanto diretor do departamento de estatística e estudos económicos do Banco de Portugal, beneficiou da sua colaboração e da competência. «Foi uma das pessoas mais qualificadas neste domínio que conheci. Como Presidente do Conselho das Finanças Públicas, Teodora Cardoso demonstrou competência e uma notável independência, não se curvando perante os ataques e tentativas de interferência do poder político. Contribuiu decisivamente, dessa forma, para a consolidação e credibilidade do Conselho das Finanças Públicas».

O Conselho das Finanças Públicas lamentou igualmente a morte da economista e a sua primeira presidente, referindo que esteve na «génese do CFP ao integrar, em 2011, o grupo de trabalho criado para elaborar os estatutos desta instituição» que nasceu na sequência do programa de ajustamento financeiro de Portugal (2011-2014 e que «muito marcou e contribuiu para afirmar a independência desta instituição».

Teodora Cardoso nasceu em Estremoz mas veio cedo para Lisboa, ainda com três anos. Filha única, estudou no Liceu Filipa de Lencastre e foi na capital que fez toda a vida de estudante e profissional. Antes de entrar para o Banco de Portugal passou pela Fundação Calouste Gulbenkian, onde durante cinco anos se dedicou à investigação na área económica.

A economista recebeu o Grau de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique em 2005 e em 2019, mas foi na ‘vigilância’ das contas públicas que marcou a diferença, missão essa que levou até ao fim. Na mesma entrevista admitiu que estava preocupada com a evolução da economia portuguesa, alertando para para a necessidade de reformar a política orçamental do país. «O meu problema nunca foi o défice anual. O meu problema é o enquadramento orçamental. É uma guerra em que ando há 30 anos e que não serve de nada porque sou derrotada. Mas sou persistente. O nosso enquadramento orçamental é assim. A política orçamental de cada ano… para já é estritamente anual e em base de caixa, o que não se gastar não interessa. Avaliam-se as despesas ou a dotação, nunca se avaliam as despesas pelo resultado que se quer alcançar e muito menos se avaliam depois se eles foram alcançados ou não».

No seu último artigo de opinião publicado em abril deste ano no Negócios salientava: «A subida dos níveis de tributação e uma gestão da despesa pública que desprezam o papel do investimento, público e privado, e ignoram a demografia, são os expedientes que temporariamente permitem a aparente generosidade de políticas com impactos políticos imediatos, mas que aumentam continuadamente não só a dependência dos que pretendem proteger, mas também a do país no seu todo com respeito aos apoios europeu». l