Depois de muita incerteza, o Banco Central Europeu (BCE) sempre subiu as taxas de juro, apesar do cenário de recessão à vista. Trata-se do décimo aumento consecutivo nas três taxas de referência e estão agora em níveis históricos. Christine Lagarde, presidente do BCE, justificou a decisão: «Isto é essencial para evitar o aumento das pressões inflacionistas a médio prazo, que, de outro modo, exigiriam uma reação ainda mais forte da política monetária», disse.
Paulo Rosa, economista do Banco Carregosa, lembra que «a gradual deterioração das economias da Zona Euro, sobretudo a provável contração na Alemanha em 2023, dificultam a continuação e justificação de uma política monetária restritiva por parte do BCE», lembrando, no entanto, que o seu mandato é único e exclusivo dedicado à estabilidade de preços, apesar de se notar «uma postura menos agressiva no discurso de Lagarde».
Na opinião de Paulo Rosa, «a posição do BCE foi algo paradoxal, porque foi marcada por mais uma subida das taxas de juro, mas dominada por uma postura e um discurso dovish». E diz ser provável que o BCE «tenha terminado as subidas das suas taxas de juro de acordo com o mercado monetário, antecipando os investidores um primeiro corte das taxas de juro no início do verão de 2024».
Já Vítor Madeira, analista da XTB, atira: «Consideramos que as taxas de juro atingiram níveis que, mantidos durante um período suficientemente longo, contribuirão de forma substancial para a sua manutenção», detalhando que o aumento da taxa de juro anunciado esta quinta-feira «reflete a avaliação do BCE sobre as perspetivas de inflação à luz dos dados económicos e financeiros recebidos, a dinâmica da inflação subjacente e a força da política monetária».
Economia a arrefecer
Este anúncio surge numa altura em que o BCE reviu em alta as projeções da inflação na Zona Euro para este ano e para 2024, e em baixa as do crescimento económico. Assim, vê agora a inflação atingir os 3,2% em 2024, face aos 3% nas projeções de junho. Para este ano, a projeção é de 5,6%, face à anterior de 5,3%. Em 2025 a inflação deverá atingir os 2,1%, uma revisão em ligeira baixa face aos 2,2% de junho, e já muito perto da meta de 2%.
Também a Comissão Europeia reviu em baixa as perspetivas para este ano, em grande parte devido ao arrefecimento da economia alemã. O Nascer do SOL tentou perceber quais os riscos não só para economia alemã como para as restantes. Paulo Rosa recorda que a Alemanha responde por cerca de 30% da riqueza produzida na Zona Euro, «logo o peso da economia alemã nas exportações e importações das restantes economias é elevado, influenciando significativamente os seus desempenhos», acrescentando que a inflação homóloga na Alemanha «manteve-se acima dos 6% em agosto, reavivando os fantasmas de uma estagflação neste segundo semestre».
Sobre este assunto, Henrique Tomé, analista da XTB diz que o abrandamento económico já era esperado, principalmente depois de o BCE «seguir uma política monetária mais restritiva com os aumentos constantes da taxa de juro». E acrescenta que «quando olhamos para os dados macro das principais economias da zona euro como Espanha, Itália, França e Alemanha», é possível constatar que no caso alemão, «o crescimento económico tem estado estagnado, Alemanha registou já 3 trimestres seguidos sem conseguir ter um valor acima de 0». A inflação continua alta, nos 6,1% e o desemprego está estável.
O analista avança que, em França, o crescimento económico foi conseguido nos últimos trimestres, embora os números variem entre os 0,1% e 0,5%. No que toca à inflação, sofreu uma subida no último mês fixando-se nos 4.8% e no que toca à taxa de desemprego a mesma atingiu os 7.2%. No caso italiano, a produção caiu para os -0,4%, a inflação encontra-se nos 5,53% e o desemprego subiu para os 7.6%.
E, em Espanha, «a produção nacional continua a crescer e já é o quarto trimestre consecutivo que vemos um crescimento trimestral acima de 0,35%, tendo ficado nos 0,4% nestes últimos dados». Já no que diz respeito à inflação, «os números também mostram uma desaceleração forte dos preços, tendo subido no último mês para os 2,6% (mas muito abaixo comparado com os outros países)». O desemprego também continua a diminuir atingindo valores de 2008.
«Assim sendo, o facto de a economia alemã estar a abrandar poderá contagiar o resto da economia da zona euro, até porque não devemos esquecer que as políticas do BCE são comuns», diz Henrique Tomé.
No que diz respeito a Portugal, o economista do Banco Carregosa atira que «a gradual fragilidade da economia alemã indicia crescentes dificuldades no futuro e é uma ameaça ao crescimento económico português no segundo semestre». Ainda assim, Paulo Rosa avança que a Alemanha representa cerca de 10% do destino das exportações portuguesas, «muito aquém dos quase 30% que representa a vizinha Espanha, garantindo uma relativa salvaguarda à evolução da economia alemã, mas, no entanto, as economias da Zona são muito interdependentes». Além disso, diz, «o aumento das taxas de juro e a gradual subida dos preços dos combustíveis no último mês podem penalizar o crescimento económico português, alicerçado sobretudo no turismo».
Já Henrique Tomé lembra que Portugal «teve um desempenho notável no ano passado, depois de ter conseguido crescer mais de 6%, mas é importante notar que o forte crescimento da economia portuguesa teve por base a comparação com o mesmo período do ano anterior, onde a economia ainda se encontrava a ‘meio gás’ por via dos efeitos da pandemia». Mas deixa o alerta de que este ano o cenário pode ser bem diferente. «Ao olharmos para as projeções do BCE e do FMI, conseguimos ver que a economia portuguesa poderá voltar a registar crescimentos modestos, neste e nos próximos anos», ainda que as do Banco de Portugal sejam mais animadoras.
O que esperar da inflação?
Certo é que a inflação não chegará aos níveis esperados tão cedo. Assim o esperam as entidades nacionais e internacionais. Paulo Rosa explica ao nosso jornal que a desaceleração da inflação no primeiro semestre «deveu-se em parte ao abrandamento económico e à constância dos preços do petróleo». Todavia, acrescenta, «uma eventual alta da cotação do barril do petróleo, após manutenção dos cortes de produção pela Arábia Saudita e Rússia, poderão ditar uma segunda vaga de inflação».
Por sua vez, o analista da XTB destaca que a evolução da inflação «continua a ser incerta», lembrando que desde junho que os preços do petróleo têm vindo a subir «e setembro poderá marcar o 4º mês consecutivo de subidas». As subidas nos preços da energia, diz Henrique Tomé, «em particular no petróleo, estão a fazer com que a taxa de inflação geral volte a subir. Se as pressões sobre os preços persistirem, podemos voltar a ver outros setores da economia a voltarem a sentir o impacto destas subidas na energia».
Mas o especialista avança também que, tendo em conta que a atividade económica continua a diminuir, «os preços da energia deverão ser impactados negativamente por esta diminuição da atividade». «É importante notar que os preços do petróleo têm estado a subir devido aos cortes na produção no lado da Arábia Saudita e de outros membros da OPEC como a Rússia. Ainda assim, não se pode excluir uma nova intervenção dos EUA ao libertarem novamente as reservas estratégicas com o objetivo de inundar os mercados de barris para travar as subidas dos preços», adianta.
Quanto à inflação a curto prazo, «deveremos ver a taxa de inflação geral a subir, mas ao mesmo tempo a taxa de inflação subjacente, aquela que exclui as categorias voláteis, poderá continuar a cair, fruto do abrandamento da atividade económica», avança Henrique Tomé.
E as casas?
A Comissão Europeia antecipou também uma «descida ligeira» nos preços das casas. Mas será suficiente para resolver os problemas de habitação? «As atuais circunstâncias de taxas de juro elevadas, fazem com que o mercado imobiliário seja penalizado, uma vez que o aumento dos juros afasta muitas famílias de optarem por comprar casas», avança Henrique Tomé, destacando que o mercado imobiliário tem sido «em conjunto com os serviços, um dos setores mais resistentes. Contudo, já se começam a sentir os efeitos dos juros elevados e do abrandamento da atividade económica».
E deixa exemplos: «Nos EUA as licenças de construção têm caído consideravelmente, bem como o início de novas habitações». Já na Europa, «espera-se que ao longo dos próximos meses o setor imobiliário também comece a dar mais sinais de abrandamento».
No que diz respeito à habitação em Portugal, «estes abrandamentos ainda são muito pequenos, o que ainda não tem impacto na crise de habitação que vivemos».