É a selva que estão a construir


Sem mínimos de regras e previsibilidade, vale tudo. Não parece que isso seja desejável, ao fim de quase 50 anos de Democracia.


Uma sociedade e um Mundo sem regras ou com regras que mudam em função das circunstâncias e dos interesses do momento são a antecâmara de uma selva, do vale tudo e do cada um por si. Infelizmente a degradação ética e moral do exercício político, a prevalência do económico sobre os valores e a falta de senso fazem o seu caminho em Portugal e no Mundo, havendo mesmo quem se entretenha a gerar tensões estéreis e inconsequentes entre instituições democráticas que deveriam estar focadas em concretizar soluções para a generalidade da população, pondo os serviços essenciais a funcionar acima do sofrível e respondendo a problemas e bloqueios estruturais.

Ao invés, meio atávicos, assiste-se a uma ação política sem coerência, sem equilíbrio em demasiadas opções e sem uma visão para o país, além das circunstâncias, das pequenas mitigações e da distribuição de apoios excecionais a toque de afago aos nichos eleitorais, conquistados e a atrair. E tudo isto acontece com uma narrativa e um discurso político desfasado da realidade, sustentado em realidades parciais ou deliberadamente à margem da vida concreta, ora enunciando princípios contrariados, ora fazendo fé em argumentos modelados em função dos protagonistas políticos em causa ou das suas ações.

Como é possível permitir a persistência de protagonistas políticos que transportam a chancela partidária e as responsabilidades do exercício de funções públicas quando estão, como estiveram no passado, enleados em atos de gestão e comportamentos individuais reprováveis? E o argumento para justificar as distorções é o de nunca ter recorrido aos concursos públicos porque é um processo “mais pesado e mais demorado”. Como é possível permitir tudo isso, enquanto se removeu membros do governo por questões menores ou de forma leviana demitiram na praça pública gestores da TAP numa espiral de inconsistência que custará bom dinheiro ao Estado, antes ou depois da privatização da empresa.

Como é possível persistir num tergiversar entre a máxima regulação e a desregulação em função das matérias, numa espiral geradora de incerteza e de desconfiança em relação às regras que norteiam o funcionamento do Estado, da sociedade e das obrigações individuais, enquanto persistem tensões e bloqueios na saúde, na justiça, na educação e no funcionamento dos serviços públicos?

Há discursos para todos os gostos e ações que acompanham a salganhada, em função dos interesses em presença, da necessidade de justificar o injustificável e da geração de uma espécie de cortina de afagos à diversidade que compõe o albergue de convicções, dos mais radicais à esquerda aos moderados do centro, como se a equação, sem valores, princípios e sentido fosse possível. Daí, os registos de “polícia bom” dos apelos aos equilíbrios, às convergências e às paciências que contrastam com a arrogância do exercício político do “polícia mau”, nas ações e nas omissões, nas palavras e nos silêncios.

O drama é que a geometria variável, que vai além da selva, onde existem regras e dinâmicas próprias, tende a generalizar-se e vislumbra-se na Europa e no Mundo, com diversas expressões em que o valor do dinheiro e dos interesses particulares, por vezes, da sobrevivência política, se sobrepõe a tudo o resto.

Na União Europeia, por exemplo, sem capacidade para gerar soluções próprias em tempo útil e competitivas para as pessoas e os territórios, enquanto se impõem orientações gerais para determinar a remoção das empresas chinesas das infraestruturas de telecomunicações e de gestão de dados, permite-se que a Arábia Saudita adquira uma posição acionista de referência na Telefónica, que é a maior operadora de telecomunicações de Espanha, como se as regras e os riscos fossem de geometria variável e não em função de padrões democráticos de escrutínio. 

O Mundo, esse está pejado de exemplo, mais próximos ou mais afastados em que os interesses particulares e a necessidade de produzir encaixes financeiros para dinamizar os países se sobrepõem a tudo o resto, não deixando pedra sobre pedra nos patamares mínimos de civilidade que existiam.

Com a anuência de muitos ou um elevado grau de indiferença cívica e institucional, quase tudo é possível, mas é bom que se tenha noção de que aquilo que se está a construir é pior do que a selva. É que sem mínimos de regras e previsibilidade, vale tudo. Não parece que isso seja desejável, ao fim de quase 50 anos de Democracia.

 

NOTAS FINAIS

MISERÁVEL CONCEITO DE ESTADO. O que se passou com o Conselho de Estado desdobrado em dois episódios é indigno da República, mas é o que temos, quando se tem um dono de uma televisão e um comentador desse canal com pretensões a outros assentos maiores. É tão indigno, como as desvalorizações das fugas pelo Presidente da República. 

 

DE GARGALHADA, AS INVETIVAS À OPOSIÇÃO.  Não deixa de ser hilariante que alguns protagonistas do poder critiquem ao PSD e a Luís Montenegro um estilo de exercício político na oposição que queriam que António José Seguro tivesse como secretário-geral de um Partido Socialista na oposição, depois da chamada da troika.

 

CAMARADAS COM PUTIN.  Diz o Povo que “Tantas vezes vai o cântaro à fonte, que algum dia lá deixa a asa”. É o que acontece com o PCP em relação à bárbara invasão da Ucrânia pela Rússia. Agora teve um Camarada do PCP, deputado municipal eleito em Coimbra, a ser observador e validador da farsa eleitoral que o invasor organizou no território invadido de Donetsk. “Vimos liberdade”, disse o espécime. Olhe que não!

 

O RISCO É NOSSA SITUAÇÃO.  Não será ainda o trágico sobressalto sísmico em Marrocos, a suscitar uma mudança de paradigma para a proatividade sustentada na incorporação do risco nas nossas vidas e na habilitação para agir em função das ameaças e das ocorrências.

É a selva que estão a construir


Sem mínimos de regras e previsibilidade, vale tudo. Não parece que isso seja desejável, ao fim de quase 50 anos de Democracia.


Uma sociedade e um Mundo sem regras ou com regras que mudam em função das circunstâncias e dos interesses do momento são a antecâmara de uma selva, do vale tudo e do cada um por si. Infelizmente a degradação ética e moral do exercício político, a prevalência do económico sobre os valores e a falta de senso fazem o seu caminho em Portugal e no Mundo, havendo mesmo quem se entretenha a gerar tensões estéreis e inconsequentes entre instituições democráticas que deveriam estar focadas em concretizar soluções para a generalidade da população, pondo os serviços essenciais a funcionar acima do sofrível e respondendo a problemas e bloqueios estruturais.

Ao invés, meio atávicos, assiste-se a uma ação política sem coerência, sem equilíbrio em demasiadas opções e sem uma visão para o país, além das circunstâncias, das pequenas mitigações e da distribuição de apoios excecionais a toque de afago aos nichos eleitorais, conquistados e a atrair. E tudo isto acontece com uma narrativa e um discurso político desfasado da realidade, sustentado em realidades parciais ou deliberadamente à margem da vida concreta, ora enunciando princípios contrariados, ora fazendo fé em argumentos modelados em função dos protagonistas políticos em causa ou das suas ações.

Como é possível permitir a persistência de protagonistas políticos que transportam a chancela partidária e as responsabilidades do exercício de funções públicas quando estão, como estiveram no passado, enleados em atos de gestão e comportamentos individuais reprováveis? E o argumento para justificar as distorções é o de nunca ter recorrido aos concursos públicos porque é um processo “mais pesado e mais demorado”. Como é possível permitir tudo isso, enquanto se removeu membros do governo por questões menores ou de forma leviana demitiram na praça pública gestores da TAP numa espiral de inconsistência que custará bom dinheiro ao Estado, antes ou depois da privatização da empresa.

Como é possível persistir num tergiversar entre a máxima regulação e a desregulação em função das matérias, numa espiral geradora de incerteza e de desconfiança em relação às regras que norteiam o funcionamento do Estado, da sociedade e das obrigações individuais, enquanto persistem tensões e bloqueios na saúde, na justiça, na educação e no funcionamento dos serviços públicos?

Há discursos para todos os gostos e ações que acompanham a salganhada, em função dos interesses em presença, da necessidade de justificar o injustificável e da geração de uma espécie de cortina de afagos à diversidade que compõe o albergue de convicções, dos mais radicais à esquerda aos moderados do centro, como se a equação, sem valores, princípios e sentido fosse possível. Daí, os registos de “polícia bom” dos apelos aos equilíbrios, às convergências e às paciências que contrastam com a arrogância do exercício político do “polícia mau”, nas ações e nas omissões, nas palavras e nos silêncios.

O drama é que a geometria variável, que vai além da selva, onde existem regras e dinâmicas próprias, tende a generalizar-se e vislumbra-se na Europa e no Mundo, com diversas expressões em que o valor do dinheiro e dos interesses particulares, por vezes, da sobrevivência política, se sobrepõe a tudo o resto.

Na União Europeia, por exemplo, sem capacidade para gerar soluções próprias em tempo útil e competitivas para as pessoas e os territórios, enquanto se impõem orientações gerais para determinar a remoção das empresas chinesas das infraestruturas de telecomunicações e de gestão de dados, permite-se que a Arábia Saudita adquira uma posição acionista de referência na Telefónica, que é a maior operadora de telecomunicações de Espanha, como se as regras e os riscos fossem de geometria variável e não em função de padrões democráticos de escrutínio. 

O Mundo, esse está pejado de exemplo, mais próximos ou mais afastados em que os interesses particulares e a necessidade de produzir encaixes financeiros para dinamizar os países se sobrepõem a tudo o resto, não deixando pedra sobre pedra nos patamares mínimos de civilidade que existiam.

Com a anuência de muitos ou um elevado grau de indiferença cívica e institucional, quase tudo é possível, mas é bom que se tenha noção de que aquilo que se está a construir é pior do que a selva. É que sem mínimos de regras e previsibilidade, vale tudo. Não parece que isso seja desejável, ao fim de quase 50 anos de Democracia.

 

NOTAS FINAIS

MISERÁVEL CONCEITO DE ESTADO. O que se passou com o Conselho de Estado desdobrado em dois episódios é indigno da República, mas é o que temos, quando se tem um dono de uma televisão e um comentador desse canal com pretensões a outros assentos maiores. É tão indigno, como as desvalorizações das fugas pelo Presidente da República. 

 

DE GARGALHADA, AS INVETIVAS À OPOSIÇÃO.  Não deixa de ser hilariante que alguns protagonistas do poder critiquem ao PSD e a Luís Montenegro um estilo de exercício político na oposição que queriam que António José Seguro tivesse como secretário-geral de um Partido Socialista na oposição, depois da chamada da troika.

 

CAMARADAS COM PUTIN.  Diz o Povo que “Tantas vezes vai o cântaro à fonte, que algum dia lá deixa a asa”. É o que acontece com o PCP em relação à bárbara invasão da Ucrânia pela Rússia. Agora teve um Camarada do PCP, deputado municipal eleito em Coimbra, a ser observador e validador da farsa eleitoral que o invasor organizou no território invadido de Donetsk. “Vimos liberdade”, disse o espécime. Olhe que não!

 

O RISCO É NOSSA SITUAÇÃO.  Não será ainda o trágico sobressalto sísmico em Marrocos, a suscitar uma mudança de paradigma para a proatividade sustentada na incorporação do risco nas nossas vidas e na habilitação para agir em função das ameaças e das ocorrências.