Quer ser administrador? Pense duas vezes…


O senso comum e a filmografia de Hollywood instilam a ideia da irresponsabilidade pela prática de delitos em geografias distantes.


Longe da pátria ficariam por punir condutas que, se acontecidas em Portugal, dariam direito a um inquérito criminal, provável acusação e talvez uma condenação em pena efectiva. Se as condutas desenvolvidas em terras distantes fossem endossáveis a pessoas colectivas (sociedades comerciais, associações, fundações,…) não haveria que temer sequer a investigação. Esta visão simplificadora assenta em três pressupostos errados. Primo: o Direito Penal enquanto Direito do Estado seria um direito territorial: se o Estado onde a conduta censurável ocorreu não a pune (por falta de vontade, por ausência de meios, porque as autoridades locais foram corrompidas,…) a conduta permaneceria impune. Secundo: a responsabilidade das pessoas colectivas não se traduz em consequências significativas – as multas penais seriam leves – e não afecta os titulares dos órgãos da pessoa colectiva. Tertio: resultante da conjugação dos anteriores, o Direito Penal dos Estados teria pouca ou nenhuma apetência pela conduta dos seus nacionais ocorridas fora de portas e menos ainda pela conduta das pessoas colectivas. O corolário destes pressupostos faria delegar no direito supranacional e futuro o tratamento penal da conduta das pessoas colectivas fora do território nacional. A harmonização seria possível dentro do território dos Estados membros da União Europeia e, numa escala mais ampla e até universal, por via de regimes convencionais ao abrigo do Direito Internacional Público.

As tentativas de jurisdição universal praticadas por alguns Estados teriam demonstrado a inoperacionalidade jurídica e a indesejabilidade política de atrair para a jurisdição penal internacional as condutas de estrangeiros que atentam, fora do território do Estado que exerce o poder penal, contra determinados bens jurídicos (com excepção dos “crimes internacionais” para os Estados que se vincularam ao Estatuto do Tribunal Penal Internacional ou às Convenções de Genebra em matéria de direito humanitário, sem abrir a discussão sobre os contornos da natureza consuetudinária de alguns tipos penais internacionais).

O Código Penal português sofreu, como aconteceu com a legislação penal noutros Estados, por via de sucessivas revisões, uma vasta densificação quer da responsabilidade penal das pessoas colectivas, quer da relevância penal dos factos praticados fora do território português. A extra-territorialidade da lei penal portuguesa sempre incluiu os crimes praticados contra o Estado (traição à pátria e quejandos); passou a incluir alguns crimes a integridade física, a liberdade pessoal e a liberdade e autodeterminação sexual; mas também abarca uma componente ambiental que abrange os tipos penais de danos contra a natureza, a violação de regras urbanísticas, poluição, actividades perigosas para o ambiente e poluição com perigo comum; a componente da extra-territorialidade da boa governança inclui os tipos penais do tráfico de influências, o recebimento ou oferta indevidos de vantagem, a corrupção, activa e passiva. Fora do Código Penal está a criminalização das violações do direito internacional humanitário, feita pela Lei 31/2004, de 22 de Julho, e cujo artigo 5º dispões “As disposições da presente lei são também aplicáveis a factos praticados fora do território nacional, desde que o agente seja encontrado em Portugal e não possa ser extraditado ou seja decidida a sua não entrega ao Tribunal Penal Internacional.”

Na terça-feira começou em Estocolmo o julgamento de dois cidadãos suecos acusados de cumplicidade na prática de crimes de guerra no Sudão, por terem recorrido, em benefício da respectiva empresa petrolífera (Lundin Oil), aos serviços de segurança proporcionados pelo Presidente Omar al-Bashir.

Já em Lisboa…

Quer ser administrador? Pense duas vezes…


O senso comum e a filmografia de Hollywood instilam a ideia da irresponsabilidade pela prática de delitos em geografias distantes.


Longe da pátria ficariam por punir condutas que, se acontecidas em Portugal, dariam direito a um inquérito criminal, provável acusação e talvez uma condenação em pena efectiva. Se as condutas desenvolvidas em terras distantes fossem endossáveis a pessoas colectivas (sociedades comerciais, associações, fundações,…) não haveria que temer sequer a investigação. Esta visão simplificadora assenta em três pressupostos errados. Primo: o Direito Penal enquanto Direito do Estado seria um direito territorial: se o Estado onde a conduta censurável ocorreu não a pune (por falta de vontade, por ausência de meios, porque as autoridades locais foram corrompidas,…) a conduta permaneceria impune. Secundo: a responsabilidade das pessoas colectivas não se traduz em consequências significativas – as multas penais seriam leves – e não afecta os titulares dos órgãos da pessoa colectiva. Tertio: resultante da conjugação dos anteriores, o Direito Penal dos Estados teria pouca ou nenhuma apetência pela conduta dos seus nacionais ocorridas fora de portas e menos ainda pela conduta das pessoas colectivas. O corolário destes pressupostos faria delegar no direito supranacional e futuro o tratamento penal da conduta das pessoas colectivas fora do território nacional. A harmonização seria possível dentro do território dos Estados membros da União Europeia e, numa escala mais ampla e até universal, por via de regimes convencionais ao abrigo do Direito Internacional Público.

As tentativas de jurisdição universal praticadas por alguns Estados teriam demonstrado a inoperacionalidade jurídica e a indesejabilidade política de atrair para a jurisdição penal internacional as condutas de estrangeiros que atentam, fora do território do Estado que exerce o poder penal, contra determinados bens jurídicos (com excepção dos “crimes internacionais” para os Estados que se vincularam ao Estatuto do Tribunal Penal Internacional ou às Convenções de Genebra em matéria de direito humanitário, sem abrir a discussão sobre os contornos da natureza consuetudinária de alguns tipos penais internacionais).

O Código Penal português sofreu, como aconteceu com a legislação penal noutros Estados, por via de sucessivas revisões, uma vasta densificação quer da responsabilidade penal das pessoas colectivas, quer da relevância penal dos factos praticados fora do território português. A extra-territorialidade da lei penal portuguesa sempre incluiu os crimes praticados contra o Estado (traição à pátria e quejandos); passou a incluir alguns crimes a integridade física, a liberdade pessoal e a liberdade e autodeterminação sexual; mas também abarca uma componente ambiental que abrange os tipos penais de danos contra a natureza, a violação de regras urbanísticas, poluição, actividades perigosas para o ambiente e poluição com perigo comum; a componente da extra-territorialidade da boa governança inclui os tipos penais do tráfico de influências, o recebimento ou oferta indevidos de vantagem, a corrupção, activa e passiva. Fora do Código Penal está a criminalização das violações do direito internacional humanitário, feita pela Lei 31/2004, de 22 de Julho, e cujo artigo 5º dispões “As disposições da presente lei são também aplicáveis a factos praticados fora do território nacional, desde que o agente seja encontrado em Portugal e não possa ser extraditado ou seja decidida a sua não entrega ao Tribunal Penal Internacional.”

Na terça-feira começou em Estocolmo o julgamento de dois cidadãos suecos acusados de cumplicidade na prática de crimes de guerra no Sudão, por terem recorrido, em benefício da respectiva empresa petrolífera (Lundin Oil), aos serviços de segurança proporcionados pelo Presidente Omar al-Bashir.

Já em Lisboa…