Não é novidade que, ao longo dos anos, Portugal tem sido o local escolhido por milhares de estrangeiros quer para desfrutar de férias, para passar a reforma, para trabalhar ou estudar. O clima favorável, o “ensino inclusivo”, os “preços baixos” comparativamente a outros países da Europa ou mesmo a língua, fazem com que muitos escolham o nosso país para “segunda casa”. Uns, vêm e vão, considerando Portugal “uma porta aberta para a Europa”. Outros, vêm e ficam, depois de se apaixonarem pela cultura portuguesa, chegando até a criar aqui os seus próprios negócios e a incentivar os filhos a fazer o mesmo. Há ainda quem, apesar de ter emigrado – considerando-se quase estrangeiro -, depois de ter conhecido outras realidades, decida voltar ao seu país natal para estudar.
Os dados mais recentes que foram apresentados na conferência “Será o nosso Ensino Superior inclusivo?”, que decorreu na Universidade do Minho (UM), em Braga, numa iniciativa conjunta de promoção internacional das 16 instituições de ensino superior membros do CRUP (Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas), em novembro do ano passado, revelaram que, nessa altura, eram 69.965 os estudantes estrangeiros que frequentavam o ensino superior em Portugal. Os alunos oriundos do Brasil ocupavam o primeiro lugar da lista, seguidos pelos da Guiné-Bissau, Cabo Verde, Angola e Espanha. França, Itália, Alemanha, Moçambique e China também estavam entre os países que mais “enviam” jovens para as universidades do nosso país. Há 10 anos (ano letivo de 2012-2013) havia pouco mais de 31 mil estudantes estrangeiros a frequentar o ensino superior em Portugal. Um número que foi aumentando ano após ano, com exceção de 2020-2021, reflexo da pandemia de covid-19. Mas, afinal, o que faz com que jovens estudantes estrangeiros escolham Portugal para se formarem?
Uma porta aberta para a Europa
Larissa Britto tem 20 anos e é brasileira. Estudante de Jornalismo e Comunicação, está no terceiro ano de licenciatura na Universidade de Coimbra (UC). “Cheguei a Portugal há precisamente dois anos”, conta ao i. A jovem sempre teve vontade de estudar fora. “Tanto que desde de pequena eu já queria fazer o ensino médio (secundário) fora do Brasil, mas não foi uma opção. Lembro que quando estava no segundo ano do ensino médio (equivale ao 11° aqui), houve uma palestra de uma ex-aluna da Universidade de Coimbra e esse foi o primeiro contacto que tive com o ensino português”, lembra.
Foi no ano seguinte, em 2020, quando já estava no último ano, que vir para Portugal “virou uma opção”: “Estava no meio da pandemia da covid-19 com muito tempo livre e comecei a pesquisar que universidades fora do Brasil aceitavam o ENEM (exame nacional do ensino médio) como nota de entrada. Acabou por se focar em Portugal, por se falar a mesma língua e “pelos costumes parecidos”. “Achei que seria mais fácil a adaptação e menos burocrático”, admite. O que a cativou foi “essa facilidade de ingresso na universidade” e “a beleza da cidade de Coimbra”.
Agora e depois de dois anos a estudar, conta que o que mais gosta no ensino português é “a possibilidade que temos de escolher que disciplinas fazer, pelos menos na UC”. “Nós mesmos fazemos nossos horários. Além disso, podemos fazer disciplinas avulsas de outros cursos, bem como um menor. Isso me beneficiou muito porque tenho vários interesses em diferentes áreas. Acabei por fazer um menor em Estudos Artísticos, em específico, na área de cinema e fotografia”, continuou Larissa.
Relativamente aos contras de estudar em Portugal, a jovem queixa-se dos níveis altos das propinas “para estudantes internacionais”. “Em Coimbra pagamos 10 vezes mais do que aquilo que um nacional paga. Os estudantes que recebem bolsa sempre têm problema com ela, isso quando eles realmente recebem os benefícios”, denuncia. Além disso, Larissa defende que “alguns professores sentem prazer em tornar as cadeiras impossíveis, o que não ajuda em nada no aprendizado dos estudantes”. “Nós basicamente estudamos para passar pelo professor, por medo de repetir a cadeira”, frisa. “Em cima disso tudo, o ensino em Portugal é muito teórico, especialmente em Coimbra. Eles se dizem ‘tradicionais’ e não querem mudar a tradição, mas uma pessoa só aprende praticando”, acredita, acrescentando que os estudantes “não fazem trabalho de investigação, o que só ajudaria no aprendizado”. Por fim, aquilo que mais a incomoda são “os casos de xenofobia”: “Eles não são noticiados e muitas vezes não é feito nada. É muito cansativo ouvir, semanalmente, algum comentário desagradável vindo de algum professor ou funcionário da faculdade. Isso quando não é refletido nas notas dos estudantes brasileiros… Mais que uma vez, vi colegas sendo prejudicados por usarem palavras do português do Brasil, quando existe uma norma dentro da universidade que protege estudantes falantes de língua portuguesa que foram alfabetizados fora de Portugal”, alerta. Apesar desses problemas, Larissa admite ser feliz por terras lusas e não está arrependida da sua decisão. “Depois da licenciatura, quero fazer um mestrado, mas devo ir para outro país da Europa. Esse era meu plano desde o início, fazer a licenciatura aqui para ser uma ‘porta de entrada’ para Europa”, admite.
Uma segunda casa
A experiência de Luciana Marques, também brasileira de 53 anos, foi diferente. Morava em Fortaleza, no Ceará. Depois, em Salvador na Bahia e daí, em 2012, voou para fazer um intercâmbio em Dublin, na Irlanda. Em 2015, enquanto fazia uma tour para se “despedir da Europa”, deparou-se com Lisboa. “Conversando com um colega, também brasileiro, falei que havia amado Lisboa e ele falou-me sobre o tratado de Porto Seguro. Eu, já de malas prontas para voltar para Salvador, fiz o pedido de candidatura e logo fui aceite. Resolvi tudo em três meses e vim estudar Psicologia. Consegui dar entrada no Mestrado na Universidade Lisboa e, ao mesmo tempo, comecei a trabalhar. “Já como residente, abri uma empresa de acomodações temporárias para estudantes brasileiros em Lisboa e arredores, pois essa foi a maior dificuldade que encontrei logo que cheguei à cidade”, revela. Por isso, em 2018, nasceu o Luz do Sol Residence.
Sobre os seus estudos, a sua única dificuldade foi a adaptação à língua, que, “mesmo sendo português, tem muita coisa diferente do que estamos acostumados no Brasil”. Luciana Marques acredita que em Portugal existe uma maior facilidade de acessos às universidades. “Outra grande vantagem é empreender e conseguir crescer com apoio das câmaras municipais”, acrescenta.
Nos anos em que estudou, o país presenteou-a com um grande amor. “Casámos em 2016 e hoje estamos juntos em uma bela parceria”, revela. Além disso, pela experiência e o carinho que ganhou ao país que agora considera “a sua segunda casa”, trouxe o seu filho para Lisboa. “Estudou Gastronomia e hoje tem dois restaurantes no centro da cidade. Hoje já tenho dupla nacionalidade e ele está no último estágio para conseguir a dele”, afirma.
Os seus planos passam por constituir um Instituto para “trabalhar o desenvolvimento de crianças com limitações psicomotoras e acompanhamento terapêutico para pais e familiares”. “Hoje, sou psicóloga Social, psicopedagoga, Neurocientista e terapeuta comportamental. Tenho Portugal como minha segunda pátria, adorada, como meu Brasil”, conclui.
Regressar à base
Mas se há quem se apaixone pelo país e decida vir para cá estudar, há também quem cá tenha nascido, tenha ido para fora e decidido, anos mais tarde, regressar para concluir os estudos. É o caso de Maria Pepe Silva, de 23 anos. A jovem viveu no Alentejo até aos 11 anos, altura em que emigrou com a sua família para a Suíça devido à crise e às condições financeiras”. “A vida lá é muito diferente, sobretudo a educação”, afirma ao i. “Posso dizer-te com certezas que nada falha: não falta um professor, não falta um material, os livros e materiais escolares são oferecidos e outros emprestados (recuperados de ano para ano, os alunos devem cuidar bem deles)”, explica, acrescentando que o material em sala de aula é de excelência. “Temos monitores, computadores Apple para todos os alunos”, exemplifica.
Além disso, segundo a jovem, “a pontualidade é uma exigência. “Ninguém chega atrasado (chegas a não puder entrar na sala se passares a tolerância, ou seja, se vais atrasado mais vale nem ires)”, revela, comparando com Portugal, onde “faltam professores, os livros são caros e, muitas vezes, os computadores ou estão avariados ou são insuficientes. “Toda a gente pode chegar atrasado que a maioria dos professores não vai querer saber”, acredita. “Ainda sobre a pontualidade e justificação de faltas, no primeiro ano que emigramos, viemos de férias para Portugal mais cedo (dava mais jeito aos meus pais), então achámos que não haveria problema em faltar, já que eu e a minha irmã éramos crianças… Quando voltámos, a minha mãe foi convocada para uma reunião e avisada de que se voltasse a acontecer (porque não há justificação médica) teríamos de pagar uma multa”, revela. Na Suíça, continua a jovem, “as notas também são muito controladas, sendo que temos de respeitar um total de pontos para passar de ano e também não podemos chumbar mais de 3 vezes”.
Sobre vir para Portugal, Maria admite que sempre foi uma vontade sua, “porque queria ter a experiência cá”. “Tinha saudades do convívio e da meteorologia”, afirma. “Posso dizer que o primeiro ano de faculdade quase que pareceram férias. Chocou-me por vezes não termos aulas, nem professores, estando na Universidade. Mas eu sabia que o ensino cá era mais leve”, conta. No entanto, “não trocava um ensino pelo outro”.
Em maio, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), fazendo parte do conjunto de concursos especiais e regimes alternativos de ingresso no setor, anunciou que, ao abrigo do estatuto do estudante internacional, quase 7000 estudantes estrangeiros vão poder estudar em Portugal neste ano letivo. De acordo com o MCTES, serão fixadas 6861 vagas para estudantes internacionais, 85% das quais em instituições de ensino superior públicas. Nas universidades e politécnicos privados há 1021 lugares para estes alunos, que fazem todo o seu curso superior em território nacional.
O último balanço, de 2021, mostra que as propinas dos estudantes internacionais – o preço varia entre os 1500 euros, propina cobrada pela maioria dos institutos politécnicos, e os mais de 7000 euros anuais – representam cerca de 20 milhões de euros anuais para as instituições de ensino superior públicas – cerca de 5% das suas receitas próprias anuais.
Recorde-se que o Estatuto do Estudante Internacional foi introduzido em 2014 como forma de “facilitar a captação de alunos estrangeiros por parte das instituições de ensino superior”. No ano passado, matricularam-se 4568 estudantes no ensino público ao abrigo deste regime.