Por João Luís Mota de Campos, Advogado, ex-secretário de estado da Justiça, subscritor do Manifesto por uma Democracia de Qualidade
Confesso que não me fui mantendo ao corrente da atualidade nestes dias de férias que tive a sorte de poder desfrutar.
Entre as Jornadas Mundiais da Juventude que fui seguindo na medida em que a praia o permitia e a deceção que tem sido a contra-ofensiva ucraniana, de pouco mais me informei, salvo que, contra toda a experiência sensorial pessoal, fiquei a saber que o mês de Julho foi o mais quente de sempre, mas afinal não, em Portugal não, graças ao anticiclone dos Açores. Se os Açores fossem espanhóis, provavelmente a Espanha estaria fresquinha e nós por cá a arder…
O restante das questões continua no banho maria, ou em águas de bacalhau, como sempre esteve por décadas e décadas: o suposto ou alegado novo aeroporto de Lisboa, se tivesse sido construído quando foi decidido, hoje teria meio século e já não era novo; o Serviço Nacional de Saúde continua a não ser nacional – existe onde existe – nem serviço, nem de grande saúde: diria até que está mais moribundo que outra coisa, ao lado de um serviço de saúde privada cada vez mais pujante e capaz; a “nossa escola pública” continua com os problemas de sempre – os professores – a que parece resumir-se a discussão acerca da educação em Portugal, enquanto as instituições de ensino privadas continuam a ser as melhores e as que melhor futuro garantem aos seus educandos; a “nossa” Justiça, bom, é isso, uma miséria a todos os títulos, sejam os meios, os edifícios, os profissionais que lá trabalham e se queixam de tudo (provavelmente com muita razão) e sobretudo o output, uma Justiça de uma lentidão execrável, que despreza dos cidadãos, auto-centrada, e frequentemente errada nas suas decisões.
No meio de tudo isto surgiu uma discussão de alecrim e manjerona, sobre os méritos e deméritos da bitola ibérica e da europeia para a “nossa” ferrovia. Uma discussão risível, sem propósito aparente ou sentido de estado ou de futuro: a bitola dita ibérica e, cada vez mais, só portuguesa difere em cerca de 20 centímetros da bitola europeia; para que as linhas de caminho de ferro sejam interoperáveis é necessário que a bitola seja a mesma nas grandes linhas internacionais e um país como Portugal, no extremo ocidental da Europa, necessita como de pão para a boca de poder dispor de linhas ferroviárias que o ponham em contacto com a Europa. Parece óbvio, mas não é para quem decide.
De acordo com a Comissão Europeia, até 2030 todas as linhas “core” (da rede principal europeia) devem ser operadas em bitola europeia e a Comissão só aceita financiar as novas linhas que respeitem esta bitola. Perante este quadro, o que é que o Governo desta república quer fazer? Pois construir, por razões misteriosas e não inteligíveis, as novas linhas principais de ligação à Europa, em bitola lusa para depois, em 2030 (ano em que provavelmente ainda não estariam concluídas), as reconverter em bitola europeia. Entendeu? Não? Pois…
Assim vai a nossa doce Pátria, com bloqueios por todos os lados, uma constituição que se opõe a tudo o que seja mudança (a não ser que seja para pior), incapacidade de decisão sobre o nosso próprio futuro.
Incapaz de decidir sobre qualquer um dos temas que condicionam o nosso futuro, o Governo tem um único objectivo quantificado (objectivos gerais, tipo amor e paz no mundo, temos todos): disciplinar as contas públicas e baixar a divida pública para menos de 100% do PIB (130, neste momento).
Permitam-me um comentário: quando era ministro das Finanças, era esse também o objetivo – aliás conseguido brilhantemente – do … sim, sim, do Dr. Salazar. Nos anos trinta. Do século passado.
Não que a coisa tenha perdido o seu interesse: nenhum país vive bem a longo prazo com uma divida que nunca vai conseguir pagar a menos que sejam os Estados Unidos da América, que paga a sua dívida com o “papel” que imprime e a que chama dólares.
Mas, para lá do interesse evidente de manter a divida pública sob controlo, convém ter presente que as finanças públicas servem um objetivo: o de financiar adequadamente e de forma sustentada as políticas do Governo, de curto, médio e, longo prazo. Em Portugal, estas últimas não existem: só há políticas de curto prazo – para as sondagens seguintes – e de médio prazo – para as eleições seguintes.
Não há qualquer visão de longo prazo nem para a natalidade, nem para a educação, nem para a saúde, nem para nada. Às vezes acontece um ministro ter força política e conseguir impor uma visão mais duradoira. Normalmente acabam mal, remodelados por incómodos.
Mesmo um Governo que já dura há quase nove anos é gerido semana a semana, em regime de navegação à vista, cabotagem, feita de anúncios para o pagode, sem qualquer sequência (desmentindo o aforismo de que as palavras sem acções são um perigo para a democracia) mas dando a impressão de que, sim, isto está a andar. Só que não está.
Tenho perto de minha casa um exemplo excelente: em 2015 ou 16, o então ministro da Educação, um taliban marxista que odiava a escola privada, decidiu mudar a sede do Ministério da 5 de Outubro para a 24 de Julho (avenidas, claro). O (des)propósito da mudança não foi esclarecido. Deve ter ficado carota mas sem explicação.
Em todo o caso, o dito ministro anunciou em grandes parangonas que em 2022 abria ali – na 5 de Outubro – uma residência universitária para não sei quantas centenas de estudantes. Para 2022, estava escrito no anúncio nas vidraças do prédio.
Este ano, puseram novo anúncio, para 2026…