Novo Patriarca: Surpresa armada

Novo Patriarca: Surpresa armada


Há duas semanas que se sabia que era o novo patriarca, mas, com a imprevisibilidade do Papa, o nome de Rui Valério foi preservado de ‘maus olhados’. O Governo preferia D. Américo Aguiar, mas os anticorpos no clero lisboeta determinaram a ascensão do bispo das Forças Armadas e Segurança.


Não se abriram garrafas de champanhe, até porque não estamos a falar de monges seguidores de D. Pérignon, mas o anúncio oficial da nomeação de D. Rui Valério para patriarca de Lisboa fez com que o clero lisboeta reservasse o dia «para ação de graças», como forma de agradecimento pela sua nomeação, pois temia que a escolha recaísse noutro clérigo, segundo contaram ao Nascer do SOL vários sacerdotes.

Mas vamos ao filme dos acontecimentos. Quando a 15 de julho António Marujo, do 7Margens, escrevia que o novo patriarca de Lisboa ia ser conhecido a 10 de agosto, o nome de Rui Valério já estava validado pelo Papa, apesar de D. Américo Aguiar aparecer em vários órgãos de comunicação social como tendo sido o eleito. «Na altura, o nome mais apontado era o de D. Nuno Brás, bispo do Funchal, mas depressa se percebeu que o eleito seria o bispo das Forças Armadas. Houve uma espécie de pacto para que não se soubesse nada, até por receio de alguma contestação por parte do bispo auxiliar de Lisboa, bem como da parte do Governo, que preferia, obviamente, o organizador da Jornada Mundial da Juventude», diz ao Nascer do SOL a mesma fonte que adiantara, há duas semanas, o nome de Rui Valério, pedindo, no entanto, reserva absoluta quanto à informação, que, por razões óbvias, foi respeitada.

 

Os nomes de Nuno Brás e Rui Valério

Ainda no início desta semana, vários eclesiásticos contactados pelo nosso jornal diziam que se falava em Rui Valério e Nuno Brás, sendo, por isso, ainda mais estranho que D. Américo Aguiar tenha feito a seguinte declaração, no domingo, à Rádio Renascença: «Se for eu, peço desculpa por ser eu, mas farei o melhor possível. Se não for eu, rezarei pelo meu pastor para que possa corresponder ao desafio que a Igreja lhe propõe». Até há pouco tempo, para D. Manuel Clemente, o cardeal patriarca que agora se vai retirar, «era Deus no céu e D. Américo Aguiar na terra. Esteve com ele no Porto e trouxe-o com ele para Lisboa. Mas nos últimos meses a relação terá azedado e basta ver as imagens da Jornada Mundial da Juventude para se perceber a distância entre os dois. Há quem diga que D. Manuel Clemente já sabia há seis meses quem seria o novo patriarca e que D. Américo não gostou de não ser o nomeado. Não se sabe ao certo, mas leiam o que disse o ainda cardeal patriarca numa entrevista ao Expresso para se perceber a divisão», conta outra fonte eclesiástica.

De facto, D. Manuel Clemente, na entrevista, traça o perfil ‘ideal’ do futuro patriarca, notando-se que as características necessárias não ‘casam’ bem com o homem mais amado pelos políticos portugueses, mas muito desprezado pelo clero da capital: «Lisboa terá em breve um novo patriarca escolhido pelo Papa Francisco. Confio inteiramente na escolha e no critério. É certamente alguém que coincida de coração e de prática com o próprio Papa, sendo homem de oração e muita entrega pastoral, simples e próximo das pessoas e das comunidades», disse D. Manuel Clemente.

D. Américo Aguiar, para o clero lisboeta, só preenche um desses requisitos, é ser amigo do Papa, pois quanto à oração são muitos os que não lhe reconhecem esse dom, além de que nunca foi um homem próximo das comunidades, pois o seu percurso foi mais de bastidores, sendo apontado como um fazedor, onde se destacou a obra da recuperação da Torre dos Clérigos e agora a Jornada Mundial da Juventude.

«Essas críticas não passam de invejas mesquinhas. Gostam de dizer que foi autarca do PS, mas não dizem que também foi do PSD. Também não referem que um homem que podia seguir a carreira política optou pela Igreja e que teve excelentes notas. E como é que se pode dizer que não é dado à oração? Mas estão com ele a toda a hora? E se assim fosse o Papa teria o nomeado cardeal? Isso não faz sentido, D. Américo Aguiar é um fazedor, é eficiente e resolve problemas que surgem e isso não deve agradar a muita gente». É desta forma contundente que um clérigo defende o bispo auxiliar de Lisboa.

 

A trena esclarecedora

Para se perceber os ‘jogos’ de bastidores é melhor explicar como se nomeia alguém bispo de uma diocese. O núncio apostólico, que funciona como embaixador do Vaticano, ouve os homens do clero, além dos leigos e algumas ilustres personalidades da sociedade, sejam políticos, artistas ou empresários católicos. Cabe ao núncio, no caso português é o arcebispo italiano D. Ivo Scapolo, reunir os três nomes mais consensuais e enviar para Roma, onde uma comissão se pronunciará sobre esses mesmos nomes, cabendo sempre ao Papa a decisão final. Francisco até podia ter ignorado a lista enviada pelo núncio que teve uma passagem polémica pelo Chile e onde não constava o nome de Américo Aguiar, mas, como sempre, o Papa surpreendeu o mundo eclesiástico português com a nomeação do responsável da Jornada Mundial da Juventude para cardeal.

Aqui, os mais desatentos apressaram-se a concluir que D. Américo Aguiar seria o próximo patriarca de Lisboa, mas a decisão já estava tomada. Só que a imprevisibilidade do atual Papa não garantia a ninguém que ele não pudesse voltar atrás com a decisão, até por o núncio apostólico saber que o poder político português via com bons olhos a nomeação de Américo Aguiar, algo que terá sido transmitido a D. Ivo Scapolo. «Para o Governo, a melhor decisão era o Papa nomear D. Américo Aguiar patriarca. É um homem que se dá bem com o PS e tem excelentes relações com o Presidente da República, além de se mexer muito bem nos meandros do futebol. Até Marques Mendes o elogia… O Governo temia que fosse nomeado algum bispo da ala conservadora, mas o desconhecimento de Rui Valério não os tranquiliza até porque não há qualquer contacto do novo patriarca com o poder político», diz outra fonte eclesiástica.

Assim sendo, qual será o futuro de D. Américo Aguiar, pois não é expectável que seja o bispo auxiliar de D. Rui Valério com quem terá tido alguns desaguisados na JMJ, a propósito da vinda de voluntários militares oriundos de países europeus? O que muitos dizem é que D. Américo Aguiar deverá seguir para Roma, para substituir o cardeal Kevin Farrell, prefeito do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida e responsável pela… Jornada Mundial da Juventude! A outra hipótese é ir para bispo de Setúbal, que está sem titular há bastante tempo, mas um cardeal ir para uma cidade intermédia talvez não faça muito sentido. Ou talvez sim.