O discurso público sobre a transição energética tem estado centrado nos recursos – na substituição dos recursos energéticos fósseis por renováveis – e tem ignorado a infraestrutura – a rede elétrica, cuja renovação é essencial à descarbonização. O foco do discurso não está bem centrado e envia uma mensagem enviesada aos jovens candidatos a engenheiros. Os desafios tecnológicos do futuro, mais do que energéticos, são elétricos.
É na infraestrutura elétrica que o desafio das próximas décadas se vai centrar e não nos recursos energéticos. É a rede elétrica que vai impor as restrições sistémicas mais exigentes à descarbonização. O discurso tem de mudar porque vai bater de frente contra a realidade.
A realidade é que a rede elétrica que temos está envelhecida e não é capaz de entregar a potência solicitada pela eletrificação dos novos consumos e mobilidade elétrica, nem de receber a potência injetada pela nova produção renovável. Na Europa e nos Estados Unidos da América, milhares de projetos para produção solar e eólica esperam e desesperam por autorizações de ligação à rede elétrica. A rede não foi planeada para satisfazer os novos consumos, nem para receber a nova produção renovável distribuída. Isto tem de acontecer – depressa e bem – e representa um enorme desafio sob vários pontos de vista.
Em 2030, metade da rede elétrica europeia vai ter mais de 40 anos. Para se atingirem as metas de descarbonização estabelecidas, o ritmo de investimento na rede tem que triplicar. Os avanços nos sistemas de controlo inteligente associados à flexibilidade dos recursos permitem melhorar a operação da rede, aumentar a segurança de abastecimento e, como tal, adiar investimentos pontuais no reforço de algumas ligações. Não resolvem o problema estrutural da falta de capacidade da rede elétrica e da sua eficiência futura. Não vale a pena fingir que não se sabe. Não há milagres tecnológicos ao virar da esquina. A inteligência e os mercados não resolvem tudo. O problema da capacidade de transporte e distribuição vai-se impor: eletrificar requer mais rede, não apenas melhor rede.
Nada disto seria muito preocupante se a rede elétrica não tivesse que ser planeada com muita antecedência e se Portugal não estivesse já muito atrasado. Quando decidirmos que é necessário investir na rede, vamos ter de investir mais depressa e, por isso, em piores condições do que os nossos parceiros europeus, com custos muito mais elevados e delongas devido a roturas nas cadeias de abastecimento.
Mas ainda mais preocupante, porque requer ainda maior antecedência, é a necessidade de formação de recursos humanos, em particular a necessidade de formar engenheiros eletrotécnicos qualificados para lidar com as redes do futuro. Esses engenheiros vão também que ter de ser mais, e melhores, para resolverem os complexos problemas do planeamento e operação inteligente de redes.
Portugal tem grandes escolas como o Instituto Superior Técnico e tradição de formar especialistas de grande nível em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores. A questão é que não estamos a formar esses engenheiros em quantidade suficiente e a procura por especialistas com estas competências é já muito elevada – e é internacional. A procura vai crescer muito e Portugal não vai ter capacidade para reter no país um número suficiente destes especialistas, a não ser que comecemos já a formar mais engenheiros nestas áreas.
O momento atual só tem paralelo na história da energia com os primórdios da eletrificação do início do Séc. XX, momento largamente desperdiçado por Portugal por várias razões, incluindo a falta de recursos humanos qualificados. Hoje, não há razões para desperdiçar a oportunidade da transição energética.
É preciso atrair talento para a engenharia e explicar aos jovens interessados na descarbonização da sociedade que é como Eletrotécnicos – na conceção das redes e dos sistemas de interface com os recursos renováveis, assim como no desenho dos sistemas inteligentes de controlo e operação da rede – que melhor podem contribuir para o sucesso da transição energética.
Professor Catedrático do Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores do Instituto Superior Técnico