Os recursos hídricos subterrâneos: agir local, pensar global


Para travar o aquecimento global é urgente reduzir rapidamente as emissões de dióxido de carbono e efetivar uma nova matriz energética mais limpa e sustentada em fontes de energia renováveis.


Por Leonardo Azevedo, Professor do Instituto Superior Técnico

Não me lembro de um verão tão quente e seco, nem de um inverno tão frio e com tanta chuva. Esta temperatura não é normal para esta época do ano. São expressões que fazem parte da minha juventude e que sempre achei manifestamente exageradas, resultado de partidas provocadas pela falta de memória. Até que chegamos a julho 2023. Este ano, mas particularmente este mês, a temperatura média da Terra e da superfície dos oceanos ultrapassou consistentemente todos os registos existentes até à data. As principais cidades do sul da Europa, localizadas na bacia do mar Mediterrâneo, verificaram um anormal número de ondas de calor, muito acima do valor médio nos últimos anos. Sabemos pelos cientistas que estudam o clima e as alterações climáticas que estes fenómenos extremos estão hoje, no nosso presente, a acontecer cada vez com maior frequência colocando em risco a biodiversidade e a nossa própria existência. 

Para travar o aquecimento global é urgente reduzir rapidamente as emissões de dióxido de carbono e efetivar uma nova matriz energética mais limpa e sustentada em fontes de energia renováveis. Cumprir estes objetivos requer o empenho e ações concertadas de governos a nível global e a ação local de cada um de nós. A ciência e a tecnologia podem contribuir para atingirmos estas metas através do desenvolvimento de ferramentas para que os cidadãos, e comunidades locais, possam agir localmente, enquanto contribuem globalmente para os desafios do desenvolvimento sustentável. 

Na região do Mediterrâneo, que engloba os países do Norte de África e do Sul da Europa, Portugal incluído, a gestão de recursos naturais, e em particular dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos exige um esforço coletivo para que o fornecimento e a qualidade de água para as populações e atividades agrícolas e indústrias não seja posto em perigo. É com este propósito que a Comissão Europeia cofinancia o programa ‘Partnership for Research and Innovation in the Mediterranean Area1, uma parceria entre várias instituições e Estados do Sul da Europa e Norte de África pertencentes à bacia do Mediterrâneo, que financia projetos de investigação e desenvolvimento de ferramentas inovadoras que permitam as populações locais conhecerem e gerirem melhor os seus recursos naturais. Foi através desta plataforma que nos últimos três anos e meio o projeto InTheMED2 (Innovative And Sustainable Groundwater Management In The Mediterranean) contribuiu para o fazer cumprir estes objetivos através do desenvolvimento de ferramentas inovadoras para o gestão e caracterização dos recursos hídricos subterrâneos para cinco casos de estudo localizados em países desta região: Portugal, Espanha, Tunísia, Grécia e Turquia. O produto final é uma aplicação informática de suporte à decisão, que inclui a simulação de sistemas naturais complexos com recurso a métodos de aprendizagem estatística, e ficará brevemente disponível à comunidade. Esta aplicação apresenta de forma fácil e acessível aos interessados (como por exemplo cooperativas agrícolas e entidades públicas) o impacto da decisão relativa à estratégia de exploração dos recursos hídricos subterrâneos considerando diferentes modelos climáticos globais, isto é, diferentes projeções de aquecimento global. O resultado deste projeto, e que se materializa nesta aplicação informática, é o produto de uma série de eventos de cocriação com as autoridades locais de cada caso de estudo. O envolvimento das comunidades e autoridades locais, com a realização de vários workshops e eventos de partilha, foi crítico no desenho da tipologia da tecnologia desenvolvida e da aceitação desta por parte dos utilizadores relevantes.

O contributo científico deste projeto não termina aqui. Foi ainda criado e curado um conjunto de dados único, transnacional, com informação sobre a evolução dos níveis de água nos sistemas naturais de armazenamento de água subterrânea desde 1960 para a maioria dos países da região Sul da Europa. Esta longas séries de dados espácio-temporais permitem a interpretação das tendências regionais dos recursos hídricos subterrâneos, e a consequente identificação de áreas críticas, treinar os modelos de aprendizagem estatística utilizados na ferramenta de suporte à decisão, e são uma nova fonte de informação que ficará disponível de forma aberta a toda a comunidade.
O futuro dos recursos naturais terá de passar pela descentralização responsável da sua gestão. São as comunidades, que agindo localmente e tendo acesso a dados confiáveis e ferramentas que os permitam trabalhar, que podem liderar as alterações globais necessárias.

1 https://prima-med.org
2 https://inthemedprima.com

Professor do Instituto 
Superior Técnico

Os recursos hídricos subterrâneos: agir local, pensar global


Para travar o aquecimento global é urgente reduzir rapidamente as emissões de dióxido de carbono e efetivar uma nova matriz energética mais limpa e sustentada em fontes de energia renováveis.


Por Leonardo Azevedo, Professor do Instituto Superior Técnico

Não me lembro de um verão tão quente e seco, nem de um inverno tão frio e com tanta chuva. Esta temperatura não é normal para esta época do ano. São expressões que fazem parte da minha juventude e que sempre achei manifestamente exageradas, resultado de partidas provocadas pela falta de memória. Até que chegamos a julho 2023. Este ano, mas particularmente este mês, a temperatura média da Terra e da superfície dos oceanos ultrapassou consistentemente todos os registos existentes até à data. As principais cidades do sul da Europa, localizadas na bacia do mar Mediterrâneo, verificaram um anormal número de ondas de calor, muito acima do valor médio nos últimos anos. Sabemos pelos cientistas que estudam o clima e as alterações climáticas que estes fenómenos extremos estão hoje, no nosso presente, a acontecer cada vez com maior frequência colocando em risco a biodiversidade e a nossa própria existência. 

Para travar o aquecimento global é urgente reduzir rapidamente as emissões de dióxido de carbono e efetivar uma nova matriz energética mais limpa e sustentada em fontes de energia renováveis. Cumprir estes objetivos requer o empenho e ações concertadas de governos a nível global e a ação local de cada um de nós. A ciência e a tecnologia podem contribuir para atingirmos estas metas através do desenvolvimento de ferramentas para que os cidadãos, e comunidades locais, possam agir localmente, enquanto contribuem globalmente para os desafios do desenvolvimento sustentável. 

Na região do Mediterrâneo, que engloba os países do Norte de África e do Sul da Europa, Portugal incluído, a gestão de recursos naturais, e em particular dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos exige um esforço coletivo para que o fornecimento e a qualidade de água para as populações e atividades agrícolas e indústrias não seja posto em perigo. É com este propósito que a Comissão Europeia cofinancia o programa ‘Partnership for Research and Innovation in the Mediterranean Area1, uma parceria entre várias instituições e Estados do Sul da Europa e Norte de África pertencentes à bacia do Mediterrâneo, que financia projetos de investigação e desenvolvimento de ferramentas inovadoras que permitam as populações locais conhecerem e gerirem melhor os seus recursos naturais. Foi através desta plataforma que nos últimos três anos e meio o projeto InTheMED2 (Innovative And Sustainable Groundwater Management In The Mediterranean) contribuiu para o fazer cumprir estes objetivos através do desenvolvimento de ferramentas inovadoras para o gestão e caracterização dos recursos hídricos subterrâneos para cinco casos de estudo localizados em países desta região: Portugal, Espanha, Tunísia, Grécia e Turquia. O produto final é uma aplicação informática de suporte à decisão, que inclui a simulação de sistemas naturais complexos com recurso a métodos de aprendizagem estatística, e ficará brevemente disponível à comunidade. Esta aplicação apresenta de forma fácil e acessível aos interessados (como por exemplo cooperativas agrícolas e entidades públicas) o impacto da decisão relativa à estratégia de exploração dos recursos hídricos subterrâneos considerando diferentes modelos climáticos globais, isto é, diferentes projeções de aquecimento global. O resultado deste projeto, e que se materializa nesta aplicação informática, é o produto de uma série de eventos de cocriação com as autoridades locais de cada caso de estudo. O envolvimento das comunidades e autoridades locais, com a realização de vários workshops e eventos de partilha, foi crítico no desenho da tipologia da tecnologia desenvolvida e da aceitação desta por parte dos utilizadores relevantes.

O contributo científico deste projeto não termina aqui. Foi ainda criado e curado um conjunto de dados único, transnacional, com informação sobre a evolução dos níveis de água nos sistemas naturais de armazenamento de água subterrânea desde 1960 para a maioria dos países da região Sul da Europa. Esta longas séries de dados espácio-temporais permitem a interpretação das tendências regionais dos recursos hídricos subterrâneos, e a consequente identificação de áreas críticas, treinar os modelos de aprendizagem estatística utilizados na ferramenta de suporte à decisão, e são uma nova fonte de informação que ficará disponível de forma aberta a toda a comunidade.
O futuro dos recursos naturais terá de passar pela descentralização responsável da sua gestão. São as comunidades, que agindo localmente e tendo acesso a dados confiáveis e ferramentas que os permitam trabalhar, que podem liderar as alterações globais necessárias.

1 https://prima-med.org
2 https://inthemedprima.com

Professor do Instituto 
Superior Técnico