por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto
A Arábia Saudita tem vindo a dar cartas no mundo do futebol ao fazer contratações milionárias, um país em que a economia continua e continuará a ser impulsionada, em grande parte, pela produção e exportação do petróleo, como reconhecem os analistas contactados pelo i.
O economista sénior do Banco Carregosa, Paulo Rosa, lembra que do G20 – composto pelas maiores economias do mundo – a economia saudita foi a que registou o crescimento mais rápido em 2022, crescendo 8,7%, alcançando os 1,1 biliões de dólares, representando cerca de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) global, “em grande parte impulsionada pelos elevados preços do barril do petróleo no ano passado”.
De acordo com o responsável, este crescimento geral de 8,7%, reflete “tanto a forte produção de petróleo como um crescimento do PIB não petrolífero de 4,8%, impulsionado pelo robusto consumo privado e pelo investimento privado não petrolífero, sobretudo de megaprojetos”. E remete para os dados do Fundo Monetário Internacional, em que o comércio por grosso, o retalho, a construção e os transportes foram os principais impulsionadores do crescimento não petrolífero, estimando a autoridade monetária internacional que o PIB não petrolífero cresça acima de 5% no primeiro semestre de 2023.
Também Mário Martins, analista da ActivTrades, destaca que a economia da Arábia Saudita ocupa o 18.º lugar na lista das maiores economias do mundo, valendo “sobretudo pela sua importância estratégica no setor do petróleo”.
Peso do petróleo
Paulo Rosa chama a atenção para o facto de a Arábia Saudita ser um dos três principais produtores de petróleo do mundo, a par da Rússia e dos EUA, respondendo por mais de 10% da produção diária global de petróleo, sendo o maior exportador mundial de petróleo. “O setor petrolífero responde a aproximadamente 87% das receitas orçamentais e quase 40% do PIB e 90% das receitas de exportação”.
Já Henrique Tomé, analista da XTB, reconhece que, “embora a sua principal fonte de receita continue a ser o petróleo, o país tem estado a trabalhar em outros setores económicos com o objetivo de reduzir a dependência do petróleo”, destacando o turismo, o entretenimento e a tecnologia que “têm ganho cada vez mais importância”.
Ainda assim, admite que o país continua a ter uma “importância geopolítica importantíssima”, já que a Arábia Saudita possui um das maiores reservas de petróleo do mundo, representando cerca de 15% do total mundial e é um dos principais exportadores mundiais do ouro negro. “A sua influência no cartel da OPEP [Organização dos Países Exportadores de Petróleo] é significativa e a juntar a tudo isto, a localização estratégica do país também lhe confere influência nos assuntos regionais e permite-lhe desempenhar um papel também estratégico no Médio Oriente”, afirma.
E apesar de começar a existir uma aposta no setor financeiro, este continua a ter um peso ténue, uma vez que os bancos e seguradoras representam quase 10% do PIB da economia. No entanto, “os depósitos e os empréstimos junto dos bancos sauditas têm aumentado substancialmente nos últimos anos, tendo mais do que duplicado nos últimos 10 anos, estimando-se um maior peso no futuro, alicerçados num crescimento anual de 10%”, refere Paulo Rosa.
Uma opinião partilhada por Mário Martins ao lembrar que o setor do petróleo vale 87% das receitas do Estado e, por isso, afirma que “o setor financeiro é ainda muito pequeno comparativamente”, no entanto, salienta que “está bem implantado e supervisionado no país”.
Também Henrique Tomé destaca o facto de o sistema financeiro ter vindo a ganhar cada vez mais preponderância na economia, estimando que “seja um dos setores com maior potencial de crescimento, uma vez que uma das metas do país é a aposta noutros setores que visem gerar retornos a longo prazo”.
Aliás, o Governo saudita lançou o “Programa de Desenvolvimento do Setor Financeiro”, que tem como principal objetivo permitir que as instituições financeiras apoiem o crescimento do setor privado, desenvolvam um mercado de capitais avançado e melhorem o planeamento financeiro.
Outras apostas
Os últimos dados do Banco Mundial mostram que a agricultura representa 2,3% do PIB do país e emprega perto de 2% da população ativa. Mas devido às restrições geográficas e climáticas do seu território -– como é o caso das secas – a Arábia Saudita recorre à importação para cobrir suas necessidades de produtos agrícolas e agroalimentares.
A escassez de água é um problema regional grave que o país poderá enfrentar nos próximos anos, uma vez que a crescente produção de trigo ameaça esgotar as reservas de água. A Arábia Saudita é o maior mercado de agricultura da região Conselho de Cooperação do Golfo (GCC), só que a produtividade continua limitada quando comparada com o investimento público que financia o setor.
O maior de todos é o setor industrial que representa mais de 45,5% do PIB , emprega 25% da força de trabalho e é dominado por atividades não manufatureiras (perfuração de petróleo). E tirando a área petrolífera, este está em fase de crescimento devido aos investimentos do Estado para a diversificação da economia (apesar da manufatura representar, atualmente, apenas 13,1% do PIB).
“De acordo com o Banco Mundial, as exportações de bens e serviços da Arábia Saudita aumentaram 48,9% em 2022, para 442 mil milhões de dólares. As importações de bens e serviços foram de 257 mil milhões de dólares no ano passado, culminando num considerável excedente comercial de quase 200 mil milhões de dólares, aproximadamente 20% do PIB do país, corroborando um peso razoável no comércio internacional”, acrescenta Paulo Tomé.
É preciso lembrar também o setor dos serviços que representam mais de 52,2% do PIB e empregam 73% da população. Este setor é dominado principalmente pelo turismo que gera receitas na ordem dos quatro milhões de turistas por ano, principalmente devido ao Hajj, a peregrinação a Meca – que ocorre no último mês do ano islâmico.
O país em números
A política de grandes obras públicas levadas a cabo pelo Governo, aliada ao investimento direto estrangeiro e à solidez do sistema bancário e financeiro ajudaram o país a tornar-se a primeira economia regional e uma das principais no mundo. As previsões do Ministério das Finanças, da OCDE e do FMI apontam para uma taxa de crescimento de 7,6% em 2023, antes de voltar a 3,7% em 2024.
É certo que a alta receita do petróleo pesou sobre o saldo em conta corrente da Arábia Saudita, como consequência da pandemia global, com um superávit estimado em 161,52 mil milhões de dólares em 2022, mas deverá cair para 122,69 mil milhões de dólares este ano e para 103,94 bilhões em 2024, segundo as previsões do FMI.
Na altura da covid-19, a medida tomada para conter o impacto no setor privado implicou um aumento da dívida pública, que permaneceu em 30% em 2021 mas caiu para 24,8% em 2022. A relação dívida/PIB deverá estabilizar a 25,1% em 2023 e 24,6% em 2024, prevê o FMI.
Já a inflação subiu para 3,1% em 2021, em parte como consequência do aumento da taxa de IVA de 5% para 15%, seguindo para 2,7% em 2022, e deve estabilizar em torno de 2% nos próximos anos (2,2% em 2023 e 2% em 2024).
Quando ao estilo de vida, é considerado um dos mais altos do Médio Oriente, com um PIB/per capita de mais de 27 941 dólares.
Segundo os últimos dados disponibilizados pela Autoridade Geral da Arábia Saudita para Estatísticas, a taxa de desemprego do total da população ativa (sauditas e não-sauditas, de 15 anos para cima) aumentou 9,9% no terceiro trimestre de 2022, um aumento de 0,2% em relação ao trimestre anterior; enquanto a taxa de desemprego total dos sauditas (homens e mulheres acima de 15 anos) permaneceu em 5,8%. Entretanto, a taxa de desemprego é muito maior para a população feminina do que a masculina (22,3% contra 6,1%).
E o futebol?
É pelo petróleo que a Arábia Saudita é mais conhecida mas ultimamente o interesse e a aposta no futebol têm colocado o país nas bocas do mundo (ver páginas anteriores). Em 2016 a Arábia Saudita lançou um plano estratégico a que chamou Visão 2030, que tem como objetivo precisamente diversificar a economia. Por trás desse projeto estava Mohammed Bin Salman, príncipe reinante, desde 2017 líder do país. O investimento no desporto faz parte dessa estratégia.
Sabe-se agora que a Liga Saudita quebrou o seu próprio recorde de gastos numa única temporada, tendo investido em jogadores mundialmente conhecido e gasto, até ao momento, 188,16 milhões de euros.
Paulo Rosa diz que “atualmente, o futebol é uma importante indústria a nível global, tendo todo um merchandising e receitas televisivas à volta que permitem capitalizar este negócio. Um win-win, para quem contrata e promove esse jogo e os jogadores que participam”.
Já Henrique Tomé diz que este recente interesse não o espanta. “Se observamos o que tem acontecido nos últimos anos com a participação de várias empresas do Médio Oriente em grandes clubes europeus, diria que até seria algo que poderia vir a acontecer a longo prazo”, defende.
Por sua vez, Mário Martins é da opinião de que “é uma forma de promover a imagem do país, portanto um investimento não estratégico, mas dentro de uma estratégia”.
Questionado sobre como estes clubes e os seus “ordenados milionários” estão a ser financiados, o economista do Banco Carregosa esclarece que é “um esforço coordenado financiado pelo Fundo de Investimento Público do reino da Arábia Saudita”, enquanto o analista da XTB defende que é “maioritariamente por fundos privados” ao passo que o analista da ActivTrades diz ser pelo Public Investment Fund.