Existe um amplo consenso de que a única forma de reduzir os impactes das mudanças climáticas é atacar a sua causa e reduzir drasticamente o nível de emissões. Em todo o mundo várias políticas públicas têm sido iniciadas com esse objetivo, tanto ao nível dos países como ao nível das organizações mundiais. Porém, o sucesso dessas iniciativas continua a ser demasiado modesto para o que a humanidade necessita.
O relatório IPCC (Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas) de 2018 concluía que as emissões precisavam ser reduzidas em 45% até 2030, para cumprir as metas acordadas em Paris, o que permitiria reduzir a subida do nível do mar, conter os eventos naturais, reduzir a perca de espécies naturais, reduzir impactes na saúde, etc.
O mercado de carbono e respetivas taxas tem a sua origem remota em 1992, na Convenção Quadro das Nações Unidas para as alterações Climáticas. Constitui o principal instrumento de mitigação e foi sempre objeto de alguma controvérsia. Em termos simples podemos definir o mercado de carbono como o local virtual onde se compram e vendem licenças para a emissão de gases de efeitos de estufa. À medida que os anos passam, o número de licenças vai diminuído para que se atinjam as metas ambientais. Neste momento a lei do clima (2021) estabelece como meta a neutralidade carbónica até 2050, e uma redução de 55% de emissões até 2030.
Muitos investigadores têm demonstrado que ao colocar a mitigação sob um instrumento puramente económico, o efeito imediato é favorecer quem tem mais poder de compra, que continuará a produzir emissões pois tem capacidade económica para adquirir créditos.
No início deste ano de 2023, investigadores da Universidade de Leeds voltaram a atualizar a ideia de que o racionamento é uma medida mais eficaz, suportando o seu argumento com a evidência de que nas grandes guerras mundiais foi o racionamento que resolveu grande parte do problema da escassez de recursos. Sem dúvida, mas quando nos comparamos com esses períodos percebemos que existe uma enorme diferença que reside na perceção pública da escassez. No passado era muito evidente, hoje a facilidade de acesso, o facto de que todos os mercados físicos e virtuais estão globalizados e acessíveis ao pulsar de um botão de telemóvel ou computador, faz parecer que os recursos são abundantes e inesgotáveis.
Na verdade, em todos os mercados economicamente dinamizados é a escassez que conduz a variação dos preços, com eventuais intervenções regulamentares, e também de especulação. Quando o estudo patrocinado pelo Club de Roma evidenciou que existe um limite para as emissões poluentes, estava implicitamente a afirmar que existe escassez. Hoje é também consensual que não podemos chegar ao limite. Temos de querer alterar o sentido de evolução deste problema, antes que aumentem os impactes catastróficos sobre a humanidade.
Coloca-se então a questão: devem as políticas públicas continuar a focar-se nos mecanismos de preço para induzir comportamentos ou é necessário repensar essa abordagem e perceber que outras alternativas podem funcionar melhor e mais rapidamente?
Temos evidência de que definir políticas públicas apenas com base em taxas e impostos não conduz aos objetivos desejáveis, pois gera iniquidade, nem produz efeitos à velocidade que precisamos. Quando revemos as principais correntes económicas neste domínio constatamos que muitos dos principais autores admitiram que o racionamento era um instrumento eficaz em certas circunstâncias, e facilmente percebido, ainda que impopular.
E porquê esta impopularidade que constrange o decisor político da sua adoção? Essencialmente porque a população não tem informação de qualidade que lhe permita perceber que estamos perante um problema de escassez, que necessita de ação urgente. Isto leva-nos ao argumento que várias vezes tenho desenvolvido de que é necessário investir no cidadão como motor de mudança, investir no “cidadão inteligente”, isto é, o cidadão corretamente informado em qualidade e quantidade, para que melhor possa entender e colaborar com as políticas públicas que têm de ser implementadas.
Esta investigação aqui citada vem demonstrar que a observação histórica nos permite encontrar soluções eficazes, e caminhos de implementação aceitáveis. Naturalmente que uma decisão disruptiva sem passos preparatórios, sobre medidas de racionamento para conter impactes da alteração climática, seria desastrosa.
Boa parte das ações de mitigação das alterações climáticas são no sentido de viabilizar a continuidade da nossa forma de vida, minimizando esses impactes. Tudo indica que chegámos ao ponto em que é urgente confrontar-nos com a eliminação da causa remota.
Por estranho que possa parecer a eficácia das políticas públicas está sempre dependente de processos colaborativos com o cidadão individual e coletivo. E a colaboração só pode ocorrer se o problema for amplamente entendido, e as soluções possíveis explicadas para que possam ser aceites. As políticas públicas não podem ser definidas em gabinete à porta fechada, precisam do cidadão para ter sucesso.
Professora e investigadora em transportes, Departamento de Engenharia Civil e Arquitetura do Instituto Superior Técnico