O Governo apresentou à Assembleia da República a Proposta de Lei 97/XV, pela qual se “estabelece perdão de penas e amnistia de infracções praticadas por jovens”. A descriminação positiva abrange os que, até às 00.00 do dia 19 de Junho de 2023, tenham entre 16 a 30 anos no momento da prática dos factos. O legislador procura dar provas de exactidão cronométrica e estabelece a data crítica com o rigor dos minutos, não se fosse dar o caso de o dia 18 se prolongar abusivamente para lá da meia-noite. A juventude proposta pelo XXIII Governo Constitucional começa com a maioridade penal mas só acaba aos 30 anos, batendo por mais 12 meses o cartão jovem na versão European Youth Card. Os jovens assim temporalmente circunscritos são qualificados pela novilíngua empregue na exposição de motivos como “pessoas em conflito com a lei penal”. Critique-se a desgraduação que priva os jovens da fruição de um léxico riquíssimo, muito útil nas discussões de trânsito e no comentário ludopédico. Amesquinhamos o jovem surripiador de carteiras no eléctrico 28 ao dizer-lhe: “- É uma pessoa em conflito com a lei penal!”
Sem discutir as dificuldades dogmáticas entre o perdão de penas e a amnistia de infracções penais e contra-ordenacionais há que tentar perceber se o poder legislativo – no caso a Assembleia da República – está limitado na liberdade do desenho da futura lei da amnistia. Gente invejosa considerou a limitação do universo dos beneficiários aos menores de 30 como violadora do princípio da igualdade e do segmento da adequação do princípio da proporcionalidade, dois pilares da Constituição. A benesse discriminaria negativa e injustificadamente contra outros membros menos jovens do grupo das “pessoas em conflito com a lei penal”.
O fundamento da iniciativa legislativa é de natureza celebratória da Jornada Mundial da Juventude que, de acordo com a exposição de motivos, sempre pedagógica, “congrega católicos de todo o mundo”. Almas descrentes criticam o legislador por atentar contra a natureza não confessional do Estado português.
As amnistias podem ter natureza celebratória (Lei 16/86 que assinalou o início do primeiro mandato do Presidente Mário Soares), de busca de paz social e de correcção do Direito (Lei 9/96, amnistia às infracções de motivação política cometidas entre 27 de Julho de 1976 e 21 de Junho de 1991), de gestão das limitações dos recursos humanos e físicos do sistema prisional (Lei 9/2020, regime excepcional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça, no âmbito da pandemia da doença COVID-19) ou como mecanismo, não assumido mas recorrente, de descongestionamento dos tribunais (Leis 23/91 – esta por ocasião da visita de João Paulo II mas não referindo a circunstância, 15/94 e 29/99).
Do ponto de vista dos critérios empregues, no âmbito do Estado de direito, para apurar da qualidade da lei (racionalidade, generalidade, abstracção, não retroactividade) a amnistia oferece grandes dificuldades, só superadas pelo colocar em crise das diversas dimensões dos fins das penas (prevenção geral, prevenção especial, retribuição). O Tribunal Constitucional, confrontado com um pedido de fiscalização sucessiva da Lei 9/96, feito por 47 Deputados do PSD, decidiu, por unanimidade, não se verificar a violação nem do princípio da igualdade nem da generalidade da lei. O TC, ainda que desgraduando as amnistias celebratórias – citando Figueiredo Dias – reconheceu ao legislador uma larguíssima margem de apreciação, limitada apenas pela proibição do arbítrio: “[N]uma concepção mais ampla de política criminal, que não se limita à consecução dos fins das penas a partir de uma prévia definição dos factos puníveis, já a definição dos factos puníveis e a ponderação dos meios concorrentes de realizar os vários fins do Estado pertence ao cerne da própria política criminal, como parte integrante da política geral do Estado. Nesta ampla perspectiva, já a amnistia não se opõe ao sistema do direito penal que vem eventualmente corrigir, mas é um meio incluível na política criminal que modifica temporariamente a definição dos factos puníveis e das penas em função dos fins concorrentes do Estado, os quais já determinaram a própria definição temporalmente ilimitada das leis que prevêem os crimes amnistiados. Só que neste sentido todos os fins possíveis de um Estado de direito podem relevar, e não apenas os que supõem uma prévia definição dos factos puníveis, que são os fins das penas.” (Acórdão 510/98, § 15, relator José de Sousa e Brito).