Já passou mais de uma década desde que Portugal foi sujeito à intervenção da Troika.
As consequências perduram, provando que este tipo de intervenção comporta erros. Centremo-nos num deles.
Num cumprimento muito português do memorando – em que "só" a linha da reestruturação dos municípios ficou por cumprir- para o atingir do emagrecimento da Despesa Pública optou-se por extinguir e fundir dezenas de entidades públicas e da chamada "periferia do Estado” sacrificando-se a direito no lote exigido a Inspeção Geral da Administração Local (IGAL) tendo as suas competências e recursos sido absorvidas pela Inspeção Geral de Finanças (IGF).
Uma década passada é possível avaliar o impacto das decisões, e desta decisão em particular, e perceber se o saldo das medidas é positivo ou negativo.
Com a IGAL tinha o Estado um corpo especializado de peritos de excelência e a certeza de que, em cada mandato, um município era alvo de uma visita inspetiva de carater técnico, jurídico, económico e financeiro o que, além de afastar qualquer intenção persecutória, se traduzia numa inestimável e insubstituível auditoria de processos que contribuía para a real capacitação dos Autarcas nas decisões cada vez mais exigentes e complexas da gestão das Autarquias Municipais e de Freguesia. Essa visita era, para além de um sinal de ponderação, um momento pedagógico, uma altura ideal para incorporar melhores práticas, a ocasião até de assinalar avanços e de antecipar caminhos melhores para futuras decisões.
Com a cegueira da alteração troikiana e a integração da IGAL na IGF, não obstante a manutenção de alguma área de especialização, o que é certo é que as visitas inspetivas da IGF, focadas na Despesa Pública, alargaram a sua cadência perdendo-se a componente preventiva e de capacitação dos Autarcas o que, perante a crescente complexidade e exigência das várias matérias em têm de decidir, permitiu o avolumar de processos nos Tribunais Administrativos e Fiscais, notícias a esmo sobre erros de decisão e decisões erradas, alarme social e anúncio de perigosa judicialização da politica autárquica.
A sucessão de casos envolvendo autarquias está a contribuir, mais do que seria de pensar, para o aumento das perceções de corrupção e para a efetiva degradação das políticas públicas junto das populações.
É necessário arrepiar caminho e encontrar uma nova fórmula que até poderá começar por ser uma nova auditoria com vista a capacitar e contribuir para a autorregulação do Poder dos Autarcas, mormente focando-se nas áreas da contratação pública e no urbanismo, ainda para mais em tempos de maior Autonomia e Descentralização de poderes, como as que ocorrem.
Essas são, continuam a ser, duas áreas fulcrais a abordar de forma preventiva nestas matérias, também da parte dos municípios.
Saber qual o formato exato, perceber de que forma as ferramentas como a auditoria interna – essa grande desconhecida, mas já existente em vários Municípios – cujos relatórios anuais deviam ser remetidos para apreciação das Assembleias Municipais, é uma tarefa indeclinável no caminho para a melhoria e aprimoramento da qualidade da intervenção pública. Este é um tema mais complexo e exigente que poderá não prescindir das melhores experiências institucionais que tão bons resultados têm permitido atingir nas maiores instituições públicas, privadas e sociais, nomeadamente das Universidades.
Aqui quisemos somente apelar para o não desbaratar do conhecimento que a IGAL acumulou e que muitos dos seus dirigentes e o seu corpo inspetivo espalhado noutras instituições, ainda deterão.
Coordenador do Centro de Valorização dos Eleitos Municipais da Associação Nacional das Assembleias Municipais