Por Sónia Cunha* e Paulo Ferrão**
As grandes cidades desempenham um papel crucial na sociedade atual e não se prevê que tal mude de futuro. As grandes metrópoles são catalisadoras de desenvolvimento económico, são polos de inovação e conhecimento, concentram uma grande variedade de indústrias e serviços, e potenciam economias de escala associadas a sistemas mais eficientes, como é o caso dos transportes públicos, ou das infraestruturas de saneamento e recolha de resíduos. Por outro são também centros de geração de poluição, estimando-se que contribuam com cerca de 75[SC1] % das emissões globais de dióxido de carbono (CO2), ainda que a percentagem de população mundial que vive em cidades seja de 56[SC2] %. Assim, compreender a forma como as cidades processam materiais, os transformam em valor económico e geram poluição, ou seja, compreender o seu metabolismo – o metabolismo urbano – é essencial para a promoção de um desenvolvimento sustentável.
O metabolismo urbano aborda em cada setor económico os fluxos de água, energia e de outros materiais que lhes estão associados, e é um conceito que olha para a cidade como um sistema vivo, com fluxos de recursos naturais que entram no sistema, circulam entre os vários órgãos (setores económicos), até serem expelidos como resíduos ou produtos para outros sistemas. Esta visão holística das cidades permite ter um melhor entendimento sobre a interação entre os diferentes sistemas que as compõem e a natureza.
Lisboa é uma destas cidades, com um papel muito relevante para a economia nacional, a qual tem uma grande interação com o resto do território e tem uma contribuição significativa para a geração de resíduos e emissões. Ainda que a área metropolitana de Lisboa (doravante simplesmente Lisboa) represente apenas 3% da área nacional, em 2017 era casa para 27% da população e gerou 36% do produto interno bruto. Descreve-se aqui a aplicação da visão holística do metabolismo urbano à área metropolitana de Lisboa para o ano de 2017 com a qual se quantifica a contribuição da cidade para o metabolismo nacional, mas também a sua dependência das outras regiões nacionais, e os principais mecanismos que suportam a economia.
O setor dos serviços é o ator principal do metabolismo urbano da área metropolitana de Lisboa, não só tendo a maior contribuição para o valor acrescentado (87%), postos de trabalho (86%) e consumo de energia (72%), como estas contribuições são superiores em Lisboa quando comparadas com os valores nacionais (75%, 68%, 44%, respetivamente). Em 2017, o setor dos serviços foi responsável por 36% do consumo de materiais a nível nacional, sendo a distribuição do tipo de materiais consumidos diferente, com a percentagem de minerais não metálicos superior em Lisboa, o que sugere que o setor dos serviços em Lisboa estava em crescimento e a acrescentar infraestruturas ao seu capital fixo. A produtividade dos recursos (valor acrescentado gerado por cada unidade de material que entra no setor) dos serviços em Lisboa para 2017 foi 3,49€/kg. Não só é este valor significativamente superior ao dos outros setores como o da manufatura (0,32€/kg) ou da agricultura, pesca e floresta (0.07€/kg) como é superior à produtividade dos recursos do setor dos serviços em média para o país (3,01€/kg).
A análise do metabolismo urbano de Lisboa permite o estudo dos fluxos trocados entre setores e regiões. Para 2017, estes fluxos mostram que 33% dos inputs do setor dos serviços tiveram origem no setor da construção e 52% tiveram origem noutras regiões nacionais. Adicionalmente, 52% das entradas do setor da construção provêm também de outras regiões. A contribuição de outras regiões para a alimentação da população Lisboa é também evidente olhando para a agricultura, pesca e floresta (60%), ou para o setor alimentar (64%).
Estes resultados mostraram que a área metropolitana de Lisboa tem um papel fundamental para a economia nacional, em particular pela contribuição do setor dos serviços, que é responsável por 31% do valor acrescentado nacional. Contudo, os fluxos de materiais revelam que este setor está dependente de outras regiões nacionais, tendo estas um papel basilar para a economia.
Conclui-se assim que as grandes metrópoles são órgãos vitais para o desenvolvimento económico e tecnológico de um país, por serem centros de atividade económica e de conhecimento. Por outro lado, estas regiões estimulam o consumo de recursos das restantes regiões nacionais, tanto em termos de alimentos como de materiais de construção, por exemplo, o que permite construir infraestruturas para transportes públicos, universidades e outros serviços. A análise do metabolismo urbano apresenta assim grande potencial, permitindo a identificação de cadeias de valor ou dos maiores impactos ambientais. Olhar para o território nacional como um organismo com “vários órgãos” interconectados e interdependentes permite quantificar o efeito de estratégias de desenvolvimento e do seu impacto na sustentabilidade do país, com relevância para a qualidade de vida dos cidadãos.
*Investigadora do Instituto Superior Técnico e IN+
** Professor do Instituto Superior Técnico, Investigador do IN+
[SC1]
[SC2]https://www.worldbank.org/en/topic/urbandevelopment/overview#:~:text=Today%2C%20some%2056%25%20of%20the,billion%20inhabitants%20%E2%80%93%20live%20in%20cities.