Em Budapeste, sob a égide de tomado de ponta?


A escala em Budapeste não foi sensata e a intimidade com o Presidente húngaro contraria a narrativa política própria e a aditivada junto dos seus apoiantes.


A bola é uma reconhecida tentação dos políticos, com diferentes latitudes de tolerância da lei, dos media e da opinião pública, quer nas interações sustentadas, quer nas ocasionais como acontece com uma incursão junto de protagonistas do universo do futebol a propósito de algum acontecimento.

No excêntrico Mundial do Catar, desfilaram nos jogos da seleção nacional de futebol, os responsáveis máximos dos três principais órgãos de soberania com responsabilidades políticas, sem que ocorresse nenhum levantamento popular, apesar das “piscinas” realizadas pelos aviões de Estado, do perfil do regime da geografia escolhida e do processo de atribuição da organização do evento e das condições de humanas e de trabalho na construção das infraestruturas. O circo sobrepôs-se ao pão dos valores.

O esboço de polémica em torno da ida do primeiro-ministro à final da Liga Europa, em Budapeste, tem, na substância e na circunstância contornos diferentes, que resultam de uma certa perceção e posicionamento no funcionamento do sistema político. Reconduz-se, no limite, a uma falta de mudança de chip do exercício político face ao momento presente e uma total incoerência com os valores e o passado.

Por viagens à bola, a convite de empresas, já houve membros do governo que se demitiram, alguns infelizmente já falecidos, quando tinham contributos positivos para dar ao país.

Por viagens à bola, já houve no passado agendas oficiais ajustadas e fundamentadas para a utilização do avião do Estado para assistir a jogos da seleção, algures nos Balcãs.

Já houve de tudo e o seu contrário, mas o tempo era outro. Entre o pragmatismo e o oportunismo existem razoáveis diferenças, sobretudo sob o ponto de vista do Estado, mas também no plano pessoal. O problema é mesmo o do chip do exercício das funções políticas, o de ter senso ou achar que pode valer tudo em função de uma vontade própria sobreposta a tudo o resto. O vale tudo a que nos temos referido diversas vezes como pressuposto de posicionamento ou de sobrevivência política.

Estar na política significa, ou deve significar, ter um conjunto de valores e princípios que formatam o pensamento, o posicionamento e a ação em função das realidades e da ambição que se pretende materializar no desempenho. O sentido de responsabilidade e de compromisso pode determinar ajustes de realismo aos valores em função de interesses de representação, como acontece na relação com Estados e políticos que não partilham o mesmo acervo de princípios que nós. É pragmatismo conviver com a diferença política em busca de bens maiores ou na defesa dos interesses gerais. É oportunismo fazê-lo depois de se diabolizar o protagonista só porque há um interesse particular qualquer. A desculpa não pode ser José Mourinho porque Bernardo Silva e Rúben Dias estavam numa final maior e não foram visitados por ninguém, para já não falar noutras modalidades com protagonistas desportivos nacionais também vencedores.

O país mediático e popular gosta de novelas políticas, mas os protagonistas põem-se demasiado a jeito para ajudar a vender notícias, contribuir para focar no que é acessório e degradar o sistema democrático, dando lastro aos populistas e aos extremistas.

Não mudar o chip do exercício político, em tempo de maior escrutínio, de predisposição para a evidenciação dos casos e de volatilidade do debate político, é colocar-se a jeito para que, perante as dificuldades concretas da vida de milhares de portugueses, se quebrem laços mínimos de confiança com a democracia e a política.

Não esclarecer com zelo as situações emergentes, com transparência, é permitir que medrem as distorções e outros oportunismos lesivos do ambiente democrático, como se o exercício político não estivesse sujeito ao dever de informação, à explicação do sentido das opções e ao escrutínio.

Com os dados disponíveis e o atabalhoado acervo de explicações, entre a escala técnica da defesa presidencial (também ele com deslocações inacreditáveis, sem arrazoado) e o abraço ao treinador português, a escala em Budapeste não foi sensata e a intimidade com o presidente húngaro contraria a narrativa política própria e a aditivada junto dos seus apoiantes, com fartas expressões mediáticas e nas redes sociais. 

Há uma contradição insanável entre a narrativa e a realidade, quando o pragmatismo determinava a incontornável necessidade de interações com outro Estado membro da União e a escolha política democrática do respetivo Povo.

Há demasiada opacidade no sentido das funções e opções políticas, que não são resolvidas com silêncios, bloqueios ao esclarecimento ou proclamações de “não assunto”.

Há uma generalizada degradação do ambiente político, público e mediático que deveria preocupar todos os democratas, impelindo-os a erradicar motivos de alimentação das novelas quando os problemas reais alternam entre a persistência estrutural e a emergência de novas dificuldades e desafios. A última coisa de que precisamos é de uma espécie de teoria geral dos tomados de ponta, em que ao compasso de um qualquer escrutínio, fundamentado ou não, se procura abafar as realidades, manter a opacidade ou efabular. A democracia também é escrutínio. Algo inexistente ou modelado noutras latitudes, em que são os cidadãos divergentes que são tomados de ponta.

NOTAS FINAIS

INQUÉRITO Q.B. A longa-metragem do inquérito à TAP chegou quase ao fim com duas fantásticas particularidades: a não audição do escritório de advogados que configurou a solução jurídica para a indemnização que esteve na base decisão de gestão e a evidência da inconsistência do relatório da IGF, que ignora a audição de visados e o serviço jurídico da TAP, para fundamentar uma justa causa.

COMISSÃO DE PROTEÇÃO DE QUÊ. O disfuncionamento das instituições, a toque de falta de pessoal ou de conveniências, é um problema do Estado de Direito. A Comissão Nacional de Proteção de Dados tem em mãos há quase 2 anos um processo de evidente violação do RGPD por distribuição mediática de dados e documentos. Aparentemente, a proteção ao protagonista da violação, agora com mais poder, é superior à missão.

Em Budapeste, sob a égide de tomado de ponta?


A escala em Budapeste não foi sensata e a intimidade com o Presidente húngaro contraria a narrativa política própria e a aditivada junto dos seus apoiantes.


A bola é uma reconhecida tentação dos políticos, com diferentes latitudes de tolerância da lei, dos media e da opinião pública, quer nas interações sustentadas, quer nas ocasionais como acontece com uma incursão junto de protagonistas do universo do futebol a propósito de algum acontecimento.

No excêntrico Mundial do Catar, desfilaram nos jogos da seleção nacional de futebol, os responsáveis máximos dos três principais órgãos de soberania com responsabilidades políticas, sem que ocorresse nenhum levantamento popular, apesar das “piscinas” realizadas pelos aviões de Estado, do perfil do regime da geografia escolhida e do processo de atribuição da organização do evento e das condições de humanas e de trabalho na construção das infraestruturas. O circo sobrepôs-se ao pão dos valores.

O esboço de polémica em torno da ida do primeiro-ministro à final da Liga Europa, em Budapeste, tem, na substância e na circunstância contornos diferentes, que resultam de uma certa perceção e posicionamento no funcionamento do sistema político. Reconduz-se, no limite, a uma falta de mudança de chip do exercício político face ao momento presente e uma total incoerência com os valores e o passado.

Por viagens à bola, a convite de empresas, já houve membros do governo que se demitiram, alguns infelizmente já falecidos, quando tinham contributos positivos para dar ao país.

Por viagens à bola, já houve no passado agendas oficiais ajustadas e fundamentadas para a utilização do avião do Estado para assistir a jogos da seleção, algures nos Balcãs.

Já houve de tudo e o seu contrário, mas o tempo era outro. Entre o pragmatismo e o oportunismo existem razoáveis diferenças, sobretudo sob o ponto de vista do Estado, mas também no plano pessoal. O problema é mesmo o do chip do exercício das funções políticas, o de ter senso ou achar que pode valer tudo em função de uma vontade própria sobreposta a tudo o resto. O vale tudo a que nos temos referido diversas vezes como pressuposto de posicionamento ou de sobrevivência política.

Estar na política significa, ou deve significar, ter um conjunto de valores e princípios que formatam o pensamento, o posicionamento e a ação em função das realidades e da ambição que se pretende materializar no desempenho. O sentido de responsabilidade e de compromisso pode determinar ajustes de realismo aos valores em função de interesses de representação, como acontece na relação com Estados e políticos que não partilham o mesmo acervo de princípios que nós. É pragmatismo conviver com a diferença política em busca de bens maiores ou na defesa dos interesses gerais. É oportunismo fazê-lo depois de se diabolizar o protagonista só porque há um interesse particular qualquer. A desculpa não pode ser José Mourinho porque Bernardo Silva e Rúben Dias estavam numa final maior e não foram visitados por ninguém, para já não falar noutras modalidades com protagonistas desportivos nacionais também vencedores.

O país mediático e popular gosta de novelas políticas, mas os protagonistas põem-se demasiado a jeito para ajudar a vender notícias, contribuir para focar no que é acessório e degradar o sistema democrático, dando lastro aos populistas e aos extremistas.

Não mudar o chip do exercício político, em tempo de maior escrutínio, de predisposição para a evidenciação dos casos e de volatilidade do debate político, é colocar-se a jeito para que, perante as dificuldades concretas da vida de milhares de portugueses, se quebrem laços mínimos de confiança com a democracia e a política.

Não esclarecer com zelo as situações emergentes, com transparência, é permitir que medrem as distorções e outros oportunismos lesivos do ambiente democrático, como se o exercício político não estivesse sujeito ao dever de informação, à explicação do sentido das opções e ao escrutínio.

Com os dados disponíveis e o atabalhoado acervo de explicações, entre a escala técnica da defesa presidencial (também ele com deslocações inacreditáveis, sem arrazoado) e o abraço ao treinador português, a escala em Budapeste não foi sensata e a intimidade com o presidente húngaro contraria a narrativa política própria e a aditivada junto dos seus apoiantes, com fartas expressões mediáticas e nas redes sociais. 

Há uma contradição insanável entre a narrativa e a realidade, quando o pragmatismo determinava a incontornável necessidade de interações com outro Estado membro da União e a escolha política democrática do respetivo Povo.

Há demasiada opacidade no sentido das funções e opções políticas, que não são resolvidas com silêncios, bloqueios ao esclarecimento ou proclamações de “não assunto”.

Há uma generalizada degradação do ambiente político, público e mediático que deveria preocupar todos os democratas, impelindo-os a erradicar motivos de alimentação das novelas quando os problemas reais alternam entre a persistência estrutural e a emergência de novas dificuldades e desafios. A última coisa de que precisamos é de uma espécie de teoria geral dos tomados de ponta, em que ao compasso de um qualquer escrutínio, fundamentado ou não, se procura abafar as realidades, manter a opacidade ou efabular. A democracia também é escrutínio. Algo inexistente ou modelado noutras latitudes, em que são os cidadãos divergentes que são tomados de ponta.

NOTAS FINAIS

INQUÉRITO Q.B. A longa-metragem do inquérito à TAP chegou quase ao fim com duas fantásticas particularidades: a não audição do escritório de advogados que configurou a solução jurídica para a indemnização que esteve na base decisão de gestão e a evidência da inconsistência do relatório da IGF, que ignora a audição de visados e o serviço jurídico da TAP, para fundamentar uma justa causa.

COMISSÃO DE PROTEÇÃO DE QUÊ. O disfuncionamento das instituições, a toque de falta de pessoal ou de conveniências, é um problema do Estado de Direito. A Comissão Nacional de Proteção de Dados tem em mãos há quase 2 anos um processo de evidente violação do RGPD por distribuição mediática de dados e documentos. Aparentemente, a proteção ao protagonista da violação, agora com mais poder, é superior à missão.