Somos do fado, do destino feito fatalismo e da exclusiva saudade. A cada regresso aos palcos das raízes familiares, rurais e no Interior, de um país que não é notícia, de um território cada vez mais esvaído de pessoas, de recursos e de atenções dos decisores políticos, entregues quase a si próprios, à força de uma sabedoria sem preço, nem fonte onde se beba esse conhecimento, além do contacto direto de viva-voz, é uma dor de alma. Um despertar quase inconsequente entre a dor de alma, a revolta e a plena consciência de que não devia de ser assim. Milhões amontoados nas zonas urbanas, com vidas marcadas a compassos de uma sobrevivência de sinal contrário, por contraste com os milhares que habitam o universo da moderna rotulagem de uma falsa baixa densidade que bafeja os territórios rurais. E no entanto há quem resista, ao pulso de autarcas que procuram contrariar o alegado fatalismo do esvaziamento consentido, das pessoas que não desistem das suas terras entre a vontade genuína e a resignação e de resistentes que insistem em procurar acrescentar o valor possível de potencial produtivo, económico e cultural que persiste como memória e quotidiano de uma comunidade, outrora devotada a um aproveitamento integrado do campo e da floresta, agora desprovida de braços para superar os problemas estruturais da proliferação das pequenas propriedades, da falta de vontade para responder a territórios sem votos e sem voz na ligeireza do espaço mediático e das atenções da opinião pública nacional.
Aqui há tanta casa sem gente como nos grandes centros urbanos, mas quase não há gente sem casa.
Aqui o tempo que se gasta nas deslocações para ir à vila ou à cidade não resultam das filas de trânsito à cadência da insuficiência do transporte público, mas da falta de transporte público sujeito a cadências mínimas de uma carreira pela manhã e uma ao fim do dia.
Aqui as greves são coisas difusas, lá longe, porque os mínimos de bens e serviços que deveriam de estar salvaguardados estão longe de ser preenchidos.
É por isso que choca, cada vez que se aponta um grande objetivo ou de meta de modernidade ou de observância de bom aluno em relação a Bruxelas, quando não se cumprem os mínimos com gente e com partes do território nacional que não têm voz, não têm peso político junto dos decisores e ficam entregues à fatalidade da desertificação e do abandono.
Este país não é para muita coisa, entre elas de cuidar de si próprio com sentido de justiça, coesão e humanismo.
É claro que ficamos tocados pelo abandono das terras e dos espaços com coberto vegetal entregues à fatalidade do risco de incêndio porque as imposições da lei tornam insustentável as intervenções sem qualquer tipo de retorno económico e financeiro como compreende bem o Estado ao não fazer o que quer impor aos outros nas suas matas e florestas.
É claro que, entre a admiração em relação aos resilientes e a emergência de impulsos de fixação, somos vergastados pela pegada das nossas responsabilidades familiares e profissionais lá longe, nas cidades, sem grande possibilidade de modelação que não signifique uma rutura sem qualquer tipo de apoio ou valorização pelo Estado de uma eventual missão de reforço da coesão territorial e valorização do potencial produtivo existente. Mesmo o problema da água, que tanto nos preocupa como pressuposto da vida num quadro de alterações climáticas, não tem nenhuma abordagem de aforro para o futuro, mais preocupados que estamos com certificados de outros aforros, mais ao alcance de cada vez menos famílias, sugadas nos recursos pela voragem dos custos dos quotidianos e das despesas da sobrevivência mensal. Por estes dias, correm viçosos os riachos e ribeiros, entre espaços com um inusitado verdejante e uma tranquilidade quebrada pelo som dos pássaros, mas é água que se perde, que não é retida em nenhum lado, porque pouco importa e não têm retorno financeiro.
Imersos nestas realidades feitas quase destino, olha-se para a televisão, para o Presidente da República, o Governo, o Parlamento e o espaço mediático e questionamo-nos: como é possível tanto jogo floral, tanta tensão estéril e tanta irresponsabilidade dos decisores políticos, quando há tanto para fazer, no país como um todo, procurando contrariar o fatalismo e os gigantescos desequilíbrios que existem. Com noção das disponibilidades e compromisso para que as grandes orientações estratégicas não mudem com os governos era nisso que deveriam estar todos focados. Há um país que não tem voz, mas precisa de ouvir. Não tem peso eleitoral, mas precisa que se invertam tendências e dinâmicas negativas. Não é pedir demais, é perceber que há pessoas e territórios que foram, são e terão de ser sempre parte de nós. Antes das grandes proclamações e metas de futuro, ou de algumas megalomanias inconsequentes que não acrescentam mais valor do que aquele que têm esta gente que resiste no Interior rural, desertificado, a esvair-se. Mais atenção política, pública e mediática, mais foco e ação consequente contra este fatalismo, qual fado ou destino.
NOTAS FINAIS
QUANDO O INSULTO É A CABULA DOS PROFESSORES. Ensinar é hoje um desafio central e extenuante. A escola acolhe o resultado humano de muitas demissões familiares e sociais em relação às crianças e jovens. Há injustiças, perda de valor social e incompreensões da organização da escola pública, mas nada justifica o insulto gratuito há muito presente nas contestações, não apenas nos cartazes do Dia de Portugal, nem a longa negociação entre governo e sindicatos, que se arrasta há demasiado tempo, com impactos relevantes nos impactos nos processos de aprendizagem.
A TEIMOSIA DA NÃO REMODELAÇÃO, TEMPO DE AGRADO A BRUXELAS. A podridão do ambiente político, mais ou menos empolado mediaticamente, existe e mina a confiança dos cidadãos, descalça os pilares da Democracia e é campo fértil para os radicalismos populistas. Não é de democrata, por mais que se queira agradar a Bruxelas para uma qualquer candidatura, ignorar os sinais.