Nota prévia: Por vezes “é preciso cortar os ramos mortos que atingem a árvore toda”, afirmou o Presidente Marcelo no 10 de junho. O destinatário da mensagem era António Costa. Foi mais uma pressão para Costa sanear Galamba e, potencialmente, remodelar o Governo, a fim de recomeçar a contagem. Mister Chance, a inesquecível personagem levada ao cinema por Peter Sellers, não diria melhor. Com a diferença que Marcelo nada tem do jardineiro simplório que chega ao poder, usando metáforas. Eis um pretexto para rever o fabuloso filme, porque já não há paciência para as nossas fitas nacionais.
1. Apesar de vivermos dias de exaltação patriótica, de festas populares, de pontes e pausas no trabalho e no quotidiano de muitos, os portugueses não são um povo feliz. A alegria exuberante da época é sobretudo uma fuga aos problemas de uma realidade cada vez mais problemática. Quem canta seus males espanta, diz o nosso sábio povo. Criámos uma sociedade difícil, complexa, injusta, pouco distributiva, cheia de embustes, de truques, onde pouco ou nada é linear. Valha-nos o clima em regra aprazível. Não é necessário citar uma recente sondagem do Expresso ou enunciar, exaustivamente, tudo o que não funciona, apesar de pagarmos muitos impostos, “taxas” e “taxinhas”, para chegarmos à conclusão de que não temos razões para sermos felizes e otimistas. Chegámos ao ponto de sermos dos europeus que têm mais encargos com o Estado, a que juntamos custos com complementos como seguros de saúde, a fim de superar as falhas do SNS. Não há retorno do que todos pagamos. Construímos um emaranhado no meio do qual ninguém se entende. Temos defeitos de caráter coletivos e individuais que são graves, como a maledicência, a inveja e uma atávica falta de organização. Os grandes projetos falham, arrastam-se ou verifica-se, a dado passo, que foram mal equacionados e não servem os seus propósitos. Muito do que se constrói é mal feito, não tem manutenção e deteriora-se. É curioso ver que edifícios dos anos 50 estão impecáveis e outros do tempo democrático se desfazem. Qualquer coisa que meta burocracia vira um inferno. Até a informática em Portugal parece existir para complicar. Criou novas barreiras ao cidadão comum e falha nos momentos cruciais, como se viu ainda agora em exames escolares. Apesar de estar sempre a crescer, a gigantesca máquina de servidores do Estado é ineficaz em quase todas as áreas. Irremediavelmente, somos atirados para a cauda da Europa unida. Todos nos ultrapassam. Até candidatos à adesão já nos mordem os calcanhares. Os políticos enchem a boca com reformas, mas são incapazes de as fazer ou sequer de gerir o que está. Como não sabem, compram estudos e projetos fora. Quem governa, quem decide, quem ajusta, quem organiza parte e reparte são gabinetes de consultores de tudo e mais alguma coisa. O “outsourcing” é rei. Mal preparados, inexperientes e cheios de manha, os dirigentes da época entendem-se com quem apresenta os estudos. Não percebem que reformar é simplificar e facilitar a vida a cada um. Atuam sobretudo para salvaguardar futuras responsabilidades e ganharem longevidade política por não terem profissão. Vai longe o tempo em que um ministro das Infraestruturas se demitiu por ter caído uma ponte que tinha dezenas de anos. E ainda mais longe o ano em que um ministro foi demitido por ter contado uma anedota infeliz. É remoto o tempo em que fazer política era ter ideais. Dos portugueses de hoje poucos se lembrarão desses homens e mulheres. Temos um sistema de parlapatões e de ineficiência. Somos um país em que os mais fracos são esmagados e do qual fogem milhares de jovens qualificados à procura de trabalho. A continuar assim, seremos em breve um povo de diáspora, com mais gente fora do que cá. Os que aguentam estão amargurados, muitas vezes porque vem filhos e netos partirem. Em boa parte, tudo isto é o resultado de sistemáticas mudanças de rumo, até em governos com o mesmo primeiro-ministro. Os partidos centrais e moderados não são capazes de concordar no lançamento de grandes projetos, o que é desolador. O exemplo mais flagrante é o nosso total e inconcebível isolamento ferroviário. Em poucos anos, a Espanha tornou-se o país europeu com mais linhas de TGV. Aqui, nós, estamos isolados e a levar dez horas com duas mudanças para chegar a Madrid de comboio. Não admira que surjam movimentos e partidos de protesto. Não são fruto de ideologias radicais, mas de legítimo desespero. Os média optam pela cobertura exaustiva da espuma dos dias e não entram a fundo nas questões substanciais. Reconheça-se, porém, que sem eles a situação seria ainda pior, mais hermética, mais obscura, para não dizer mais tenebrosa. Há uma imaturidade associada a vários tipos de incompetências que travam um progresso significativo. Hoje, já é patente que vamos voltar a desperdiçar uma gigantesca oportunidade como o PRR, a última grande ajuda comunitária. Doravante tudo irá para o Leste e sobretudo para a Ucrânia, se a guerra acabar e os russos retirarem do todo ou de parte. Enquanto milhares abandonam, chegam imigrantes que são necessários para tarefas mal pagas. Lentamente, modificam os nossos hábitos, a nossa cultura e as nossas tradições, trazendo as deles. Portugal altera-se em profundidade e perde identidade. A integração não se faz. Desenvolvemos um regime de “apartheid” social. Tal como em alguns países, a França designadamente, caminhamos para uma sociedade segmentada religiosa e etnicamente, o que é uma descaracterização. E haverá um momento em que a tensão social vai chegar às ruas. O citado estudo do Expresso é um retrato interessante. Mostra que curiosamente que os políticos em que mais confiamos são o presidente da junta de freguesia e o Presidente da República. Há uma certa semelhança. Um é o que está mais perto do cidadão no terreno. O outro é aquele que mais vezes aparece a confortar e a falar pelas televisões. Ambos são nossos vizinhos.
2. A Parpública é um monstro descontrolado. Os governantes desresponsabilizam-se sempre que podem. Asseguram que compete ao gigantesco grupo a administração e supervisão de tudo e mais alguma coisa no universo das empresas do Estado como a TAP. Ora, quando são confrontados com os seus atos, os dirigentes do grupo não explicam nada. Verifica-se que não passam, em regra, de boys. A Parpública precisava de ir a exame a uma CPI. O problema é que se podem descobrir situações suscetíveis de destruir o regime, que não a democracia.
3. A ideia de levar Galamba à Justiça por ter mentido na CPI é inútil. Quantos já lá foram mentir também? A esta e a outras? Quem acredita que tantos ex-ministros e gestores não falsearam a verdade, dizendo por exemplo que não sabiam, que ninguém os informou ou que não era com eles? Mandar o assunto para o Ministério Público é juntar mais um milhão de folhas num processo inútil, com grave dano… ecológico. Haja decoro e menos demagogia. O galambagate tem estritamente lugar no campo da política.
4. Carlos Coelho regressa ao Parlamento Europeu para substituir Álvaro Amaro, que sai a 6 de julho. Já foi eurodeputado durante 22 anos e volta à sua cadeira de sonho, uma vez que era o nome que se seguia ao de Amaro na lista de candidatos. Havia quem entendesse que, com a vida feita e com as funções de “reitor” da universidade de verão do PSD, Carlos Coelho deveria ceder a vez a Ana Miguel dos Santos, uma jovem social-democrata especialista em segurança e defesa, mostrando uma renovação. Carlos Coelho, mais um ex-líder da JSD, entra em funções remuneradas no período de férias. Permanecerá, pelo menos, até às próximas eleições europeias a realizar dentro de um ano. A formação da próxima lista é já tema em aberto. O núcleo passista pressiona para fazer uma limpeza e ocupar posições, sem que isso implique que queiram Passos para cabeça de lista, uma vez que isso seria em primeiro lugar do interesse de Montenegro.