No dia 5 de Junho, foi afixado o resultado do mais recente match que opôs a Comissão Europeia à Polónia (C-204/21). A Comissão ganhou quase todos os sets, que incluíram alguns clássicos: independência dos juízes, procedimento para a sua escolha, juiz natural e admissibilidade da intervenção de um Ministro da Justiça na nomeação de juízes para o exercício de funções jurisdicionais (aguarda-se um próximo jogo para validação de outro tipo de escolhas), exercício do poder disciplinar sobre juízes, responsabilidade penal dos mesmos e os contornos do direito fundamental de todo e qualquer tribunal de um Estado-membro da União Europeia para requerer o reenvio prejudicial de questões de interpretação dos Tratados ou sobre a validade e a interpretação dos actos de Direito derivado.
Tant bien que mal a Polónia tentou acantonar a União Europeia nos limites das competências por atribuição (artigo 5º do Tratado da União Europeia) e dopar a identidade nacional reflectida nas estruturas políticas e fundamentais de cada Estado-membro (artigo 4º TUE). Para os insones recomendo a aplicação dos critérios definidos pelo Tribunal de Justiça ao sistema jurídico de cada um dos Estados-membros, começando pela República Portuguesa. Imagino que descobrirão quão reduzida ficou a discricionariedade do legislador nacional na organização e funcionamento dos tribunais.
O acórdão C-204/21 também decidiu sobre protecção de dados na medida em que o legislador polaco, bebendo das nórdicas águas da transparência (não obstante a intervenção no processo de Dinamarca, Finlândia, Suécia, Bélgica e Holanda em apoio da Comissão Europeia), tinha decidido tornar obrigatória a publicação online da pertença de cada juiz a uma associação, fundação sem fins lucrativos ou a um partido político, bem como as funções neles exercidas. Em matéria partidária o cuidado do legislador fixava um limite temporal, o período anterior a 29 de Dezembro de 1989. Não vou exigir ao leitor devotado um conhecimento das minudências da história político-constitucional polaca, basta dar-lhe, grosso modo, um equivalente lusitano, que seria a obrigação de revelação online, em acesso público, da filiação partidária dos juízes portugueses no período anterior a 25 de Abril de 1974. A comparação é merecida porque, para os intervalos temporais relevantes, quer em Portugal, quer na Polónia, o universo dos partidos políticos passíveis de filiação admitida pelo Governo então em funções era assaz limitado.
O Tribunal de Justiça, instado pela Comissão Europeia, rapou do Regulamento Geral de Protecção de Dados e concluiu pela natureza sensível dos dados reativos à filiação política e, provavelmente, da possibilidade dessa mesma natureza em matéria de pertença a determinadas associações e fundações na medida em que poderia revelar determinadas opções políticas, filosóficas e religiosas, bem como a filiação sindical e, acrescento eu, dada a pudicícia dos juízes do Luxemburgo, de orientação sexual.
Aplicando o teste da proporcionalidade à restrição do direito dos juízes à reserva de vida privada, o Tribunal concluiu pela desnecessidade da restrição, desadequação da via publicitária universal e considerou a via tradicional da recusa de juiz ou da declaração de impedimento como mecanismos adequados à boa solução de conflitos de interesses que pudessem pôr em causa a imparcialidade dos juízes ou, dimensão sempre mais difícil de acautelar, a aparência de imparcialidade dos juízes junto dos utilizadores do sistema de justiça.