As eleições noutros países podem ser seguidas por clubismo (quais são os “nossos” por lá) ou por curiosidade interessada (tentar ler na alteridade a antecipação do que acontecerá em Portugal). Aproveitando a simpática prerrogativa constitucional que permite ao Presidente do Governo dissolver o Parlamento e marcar as eleições legislativas (as monarquias não electivas têm destas conveniências), Pedro Sánchez antecipou para 23 de Julho umas eleições que teriam de se realizar até ao final do ano.
A causa próxima não é tanto o menos bom resultado do PSOE nas eleições autárquicas e autonómicas do passado domingo quanto a tentativa de federar a esquerda a pretexto de dar combate à extrema direita do Vox pela grita de No pasarán! Neste particular, e feitos os devidos descontos (o Vox está muito mais enraizado na sociedade espanhola, nos fantasmas da guerra civil e da ditadura franquista do que o que acontece em Portugal com o ATL de indignados animado por André Ventura) Sánchez repete a táctica de António Costa em Janeiro de 2022, com a não pequena diferença de o PSOE não poder alcançar sozinho uma maioria absoluta e de o PP já ter anunciado albergar o Vox num futuro Governo. Para que a esquerda seja maioritária no Congresso dos Deputados é preciso federar a esquerda à esquerda do PSOE. Como essa esquerda junta as sobras do Partido Comunista Espanhol (Izquierda Unida), um partido de protesto em perda (Podemos) e a promessa de um novo partido federador (o Sumar de Yolanda Díaz) os esponsais não são tarefa fácil. Acresce uma outra dificuldade: toda esta gente teve oportunidade de conviver desde 2 de Junho de 2018, no Governo e no Parlamento, tendo vindo a multiplicar-se os episódios de descoordenação e de confronto (António Costa perde na comparação na medida em que a balcanização do Governo ocorre com a benesse de uma maioria absoluta de um só partido). Praticante de basquete durante a juventude, Sánchez conhece a importância do tempo de salto: anunciada a data das eleições os partidos têm 10 dias para registar as coligações. O Sumar aparecerá como coligação mas no melhor registo Shotgun Wedding.
Uma analogia mais fácil encontra-se no óbito dos Ciudadanos, que chegou quase aos 16% dos votos nas primeiras eleições parlamentares de 2019, e que, face à miséria dos resultados nas eleições dominicais, anunciou esta semana não se apresentar às eleições de Julho. Serviu, como o PRD em Portugal, de transferidor de votos para o centro direita.
Segundo as primeiras sondagens PP e Vox terão uma maioria absoluta. Mas estas são as primeiras sondagens e não devemos esquecer o papel dos pequenos partidos dos vários nacionalismos que somam mais de 10% dos votos e que, mediante compensações a pagar via Orçamento de Estado, sempre estiveram disponíveis para apoiar o Governo de turno. É mais fácil a esta constelação de pequenos partidos apoiar – como tem feito com um Governo de Sánchez sem maioria – um Governo PSOE-Sumar do que um Governo PP (e menos ainda na versão PP-Vox).
Eleições em Julho poderão deixar, em caso de derrota, Sánchez livre para uma carreira internacional, desde logo como Secretário Geral da NATO, com vacatura do cargo a partir de 1 de Outubro de 2023, tendo garantido, ao contrário de outros muitos candidatos, que o recém reeleito Erdogan o não vetará. Um “ibérico” a sentar-se numa das “chaises musicales” europeias limita, em nome da biodiversidade, as ambições de outros portugueses para os lugares que vagarão na União Europeia em 2024.