Em termos de política energética, a resposta europeia à invasão da Ucrânia foi o estabelecimento do REPowerEU cujos objectivos incluem a poupança de energia, a diversificação do aprovisionamento energético e a implantação acelerada das energias renováveis, estando os planos nacionais de recuperação e resiliência (PRR) a comodar os principais investimentos e reformas para a sua concretização.
Portugal quer ser o campeão deste campeonato.
Vejamos, rapidamente, como se caracteriza o nosso mercado, a evolução das nossas metas na descarbonização, as mensagens actuais do Governo e algumas interrogações sobre a transição energética.
OS MERCADOS DA ENERGIA E ELECTRICIDADE EM PORTUGAL (PT)
Energia
• Em termos energéticos, Portugal consome anualmente cerca de 180 TWh repartidos, com pesos idênticos, por agricultura com pescas e indústria (35%), transportes (33%) e domésticos com serviços (32%). De notar ainda que a agricultura com as pescas representa 3%, a ferrovia 0,3% e que a rodovia 32%.
• Para disponibilizar aquela energia para consumo, Portugal gasta um total de 240 TWh de energia primária, repartidos por petróleo (40%), gás natural (24%), renováveis (32%) e outros (4%). Tem uma dependência energética de 67%.
Electricidade
• O consumo de 52TWh em electricidade é satisfeito em 61% por energia renovável, 22% por centrais térmicas e o restante por importação (somos sistematicamente importadores desde 2018).
• Em termos sectoriais e relativamente ao consumo de electricidade, o sector da indústria representa cerca de 40%, o doméstico 29% e o dos serviços com 28%, sendo a agricultura e pescas e os transportes residuais.
• O sector eléctrico tem actualmente uma capacidade instalada de 22,7 GW distribuída por 37% de hídrica, 26% de eólica, 12% de fotovoltaica, 4% de outras renováveis e 21% térmica.
ENERGIA E AMBIENTE. O PNEC.
• Em 2020, com 4 anos de avanço, Portugal alcançou a meta intercalar de 34% de contributo das fontes de energia renovável no consumo final bruto de energia. De acordo com o PNEC, esse valor em 2030 deverá ser de 49%.
• Para a electricidade, o contributo de fontes de energia renováveis é actuamente de 61%, estando previsto atingir a meta do PNEC para 2030 de 80% já em 2026.
• Com uma capacidade instalada de 35,5 GW em 2030, a incorporação renovável atingirá os 95%. De salientar que o Roteiro para a Neutralidade Carbónica fixa o objectivo de um sistema elétrico 100% renovável para o ano 2050.
O GOVERNO E A TRANSIÇÃO ENERGÉTICA.
Das declarações recentes do Governo, salienta-se:
• “O país está comprometido com a transição energética”.
• “A transição energética é fundamental para o crescimento económico, porque o aumento do investimento incentiva a criação de mais e melhores empregos”.
• A transição energética também tem que ser uma transição justa, que inclua as pessoas e a dimensão social”.
• Até 2030, o aumento de capacidade instalada de energias renováveis em Portugal, a cadeia de valor do hidrogénio verde e a rede de transporte de electricidade vão mobilizar investimentos de cerca de 60 mil milhões de €. Estas “estimativas pecam por defeito”.
AMBIÇÃO É NECESSÁRIA, MAS NÃO SUFICIENTE. A UE E PORTUGAL.
A UE quer liderar a transição energética. Como “bom aluno”, Portugal está bem alinhado.
Algumas interrogações e observações:
• A política energética da UE é axiomática e ungida pelo IPCC.
• A prioridade, custo, ritmo e trajectória do processo de descarbonização estão longe de merecer consenso.
• Prometido um planeamento “smart”, este tarda a chegar aos cidadãos.
• Se é quase certo que os investimentos verdes serão bons para os sectores directamente envolvidos, torna-se necessário assegurar os benefícios na economia em geral.
• Porque foi recentemente quebrado pelo Parlamento Europeu o princípio da neutralidade tecnológica com a proibição de venda de carros novos com motores de combustão interna a partir de 2035? Qual o impacto na indústria automóvel europeia?
• A que ritmo, custo e recursos, poderão os activos existentes ser substituídos? Sistemas de transportes, parque automóvel, habitação e serviços, indústria?
• Há, em Portugal, planos sectoriais para a descarbonização do sector dos transportes? A ferrovia terá, no futuro, alguma relevância?
• Uma muito elevada taxa de renováveis intermitentes no mix de produção, aumenta a instabilidade dos sistemas eléctricos, os custos das redes e a ineficiência dos custos de back-up. Qual o papel da energia nuclear nos futuros sistemas descarbonizados?
• Os custos de transição são suportáveis para os mais desfavorecidos? Como garantir a transição justa?
• A competitividade da energia está assegurada?
• Teremos capacidade e competências para maximizar as oportunidades da descarbonização?
O sonho comanda a vida, complexa e perigosa. A ambição, tal como na fábula, faz-nos ser o boi ou a rã?
Ex- Administrador da GDP e REN; ex-Secretário de Estado da Energia; Subscritor do Movimento Por Uma Democracia de Qualidade e Subscritor do Manifesto Cívico contra o Atraso Económico e Social.