E o Benfica ganhou. Ficou em primeiro, foi o melhor, jogou um futebol empolgante em boa parte de um campeonato atípico, interrompido por um Campeonato do Mundo forjado na corrupção e na excentricidade das estruturas internacionais do futebol, com altos e alguns baixos, com as tradicionais pressões e a recorrente vigência do modus operandi de quem vive na impunidade de uma bolha à margem do Estado de Direito e de um sistema judicial incapaz de investigar e julgar em tempo útil, sem recorrer à insustentável fritura da suspeita na praça pública ou dos conluios seletivos com os media.
Foi bonita a festa, a alma e a alegria de um povo que não precisa de ir ao estádio insultar adversários que não estão presentes em jogo, ainda que o estivessem; que não precisa de ter um banco aos saltos à espera de indultos aos sustentados desvios comportamentais face às regras do jogo em vigor; e que acolhe nos seus territórios a diversidade, sem risco para a integridade física, de quem fez outras opções clubísticas.
Foi muito bonita a festa, ao longo do ano, no renovado estádio, palco de novas oportunidades para a valorização do espetáculo desportivo como uma atividade com novas estéticas, em família e com sentido positivo, mas também um pouco por todo o lado onde o Benfica foi, dentro e fora do território nacional, com competência, eficácia e uma atitude recuperada, em linha com a mística de uma história de conquistas e de referências, sem paralelo em Portugal.
Foi um resultado construído pela liderança de Rui Costa, pela nova equipa técnica liderada por Roger Schmidt e por um renovado sentido de compromisso dos mesmos jogadores do ano passado e dos acrescentos de valor, ora da formação, ora da contratação, em qualquer um dos casos, com assertividade. Deu gosto voltar a ver futebol, mesmo que a paixão e o amor clubístico nos puxem sempre para adesão ao que nos é apresentado, ainda que sofrível. Essa chama e força imensa, incondicional, sempre presente, seja onde for.
Correu tudo bem? Claro que não. Depois de tanto encantamento e vantagem em campo, sem truques ou mãos alegadamente invisíveis, por vezes, tão à mostra que envergonhariam o mais empedernido gato escondido com rabo de fora, podíamos ter ganho mais cedo, não tivéssemos lesões cruciais, baixas de forma e ainda alguns nervosismos que se apoderaram da equipa perante os rivais diretos, as arbitragens habilidosas e outras contrariedades.
Agora que ganhámos, é tempo de pôr os pontos nos iis:
– Não é compatível querer valorizar o futebol como fenómeno desportivo para todos, com relevantes impactos para a economia nacional e a projeção do país permitindo que continuem a ocorrer atos de promoção do ódio; reiteradas indisciplinas em campo e nas imediações; estratégias de condicionamento dos agentes e dos media; condicionamentos aos adeptos e uma preocupante promiscuidade entre gente que se mistura com os adeptos estando na órbita da criminalidade e da ilegalidade;
– Não é possível persistir em manter um conjunto de disrupções, dualidades de critérios e opacidades da organização, da disciplina e da arbitragem que contrariam, em cada jornada, as proclamações gerais de intenção na valorização do futebol como fenómeno de massas virtuoso e indutor de dinâmicas positivas na sociedade;
– Não é possível a sustentação de um crossfire permanente de destilagem de ódio, de suspeitas e de condicionamento das partes intervenientes em campo, sem que se clarifique se estes modelos de comunicação são errados e inaceitáveis, havendo punição em concordância com a insistência, ou se podemos gerar um ambiente geral diferente, claro e transparente, focado no melhor que o futebol tem, sem ter proto-agentes a abocanhar a atividade do outro. É que entre o ser anjinho sem compreender as dinâmicas existentes com resultados práticos e o modelo de guerrilha permanente, tem de haver um ponto de equilíbrio promovido e protegido pelas instâncias do futebol, que não se podem colocar no conforto de anuir aos desvios, sob pena de os promoverem como referência útil.
– É tempo de maior escrutínio e transparência, em tudo o que mexe com as opções que podem ter impacto na dimensão positiva do futebol como desporto de massas, da organização às arbitragens, das opções dos clubes à disciplina, do VAR ao sentido da justiça desportiva. O que acontece tem de ser explicado, a partir de pressupostos e regras que têm de ser claras, com penalizações que se vejam para quem falha, distorce ou cede aos demónios que gravitam em torno da bola. A começar pela maior clarificação entre o que é da responsabilidade da Federação Portuguesa de Futebol e o que é da Liga Portugal, tantas vezes envoltos em convenientes confusões.
– É ainda tempo de respeitar o adepto, o que faz esforço financeiro para se deslocar, para ir ao estádio, para pagar o canal de desporto, para se organizar em função das dinâmicas previsíveis e positivas, que não quer ter nada a ver com os desvios, mas que sabe que eles existem e têm de ser punidos sem contemplações, com justiça, rigor e no tempo adequado.
O Benfica ter ganho não transforma nenhuma realidade negativa em positiva, só pode gerar melhores condições para fortalecer o projeto, afastando tentações de ida ao pote da instituição e da SAD; reforçar a competitividade e sustentabilidade do plantel nas diversas posições; manter um sentido de equilíbrio na gestão e continuar a gerar ainda melhores condições para a valorização de todas as modalidades, de quem as pratica e de quem assiste às prestações do Glorioso.
O Benfica ganhou, isso nos envaidece, mas não descansa, é preciso continuar a construir o processo de liderança e de vitória, exigindo regras claras e respeito pela instituição.
O Benfica é campeão paritário no futebol, ganhou em masculinos e femininos. É a vitória da medida de todas as coisas, um sentimento positivo de equilíbrio, com uma mística, um querer e de uma paixão clubística que é a maior de Portugal e uma referência global.
Recarrega Benfica, que o 38 já cá canta!
NOTAS FINAIS
PARABÉNS JOÃO ALMEIDA. Um enorme resultado do ciclista João Almeida no Giro de Itália. O terceiro lugar é histórico e mais um prenúncio de um talento raro do atleta de A-Dos-Francos, nas Caldas da Rainha.
O ENGANO DO BLOCO DE ESQUERDA. Ao contrário do que diz a nova líder do Bloco de Esquerda, a implantação e crescimento dos populismos e do extremismo de direita deu-se na sequência do exercício político das anteriores legislaturas, da completa e da interrompida, ambas com assinatura BE. Foram as agendas de nichos eleitorais; os temas marginais ao interesse geral; as divergências validadas entre a narrativa política e a realidade dos investimentos concretos; e a indiferença em relação a importantes setores da sociedade portuguesa (mundo rural; deslaço social, segurança, defesa e proteção civil) que geraram um ambiente de consolidação das existências extremistas. A atualidade “só” as pode ampliar.