Um cigarro para cada gosto

Um cigarro para cada gosto


O prazer de fumar sempre foi transversal a ilustres personagens da política, cultura e, imagine-se, até do desporto. Há muitas celebridades cuja imagem está grandemente associada ao cigarro.


por João Sena

O primeiro cigarro moderno foi o Camel, criado pela Reynolds em 1913. Mais tarde, muito por influência de Hollywood, o cigarro tornou-se um símbolo de classe e de afirmação social, ajudado por sugestivas mensagens publicitárias do tipo “definem uma personalidade” ou “completam o ambiente”. E não esqueçamos a frase de Albert Einstein, também ele fumador, que defendeu a teoria de que “fumar permite julgar de forma calma e objetiva todos os assuntos humanos”.

Tornou-se chique ostentar um cigarro entre os dedos, várias celebridades foram vistas a fumar em locais públicos e privados. Na memória coletiva portuguesa estão os acalorados debates políticos na televisão pública no período pós revolucionário. No memorável frente a frente entre Mário Soares e Álvaro Cunhal, em 1975, havia cinzeiros em todas as mesas e nuvens de fumo no estúdio (o direto iniciou-se com um dos moderadores com um cigarro aceso), naquele que foi o primeiro debate na televisão portuguesa e também o mais longo de sempre (3h40). No meio político dizia-se que fumar ajudava no combate político, que era duro e difícil, por isso acendiam-se cigarros uns nos outros. Passados quase 47 anos, se alguém ousasse acender um cigarro num espaço fechado lá vinha a famosa frase de Cunhal: “Olhe que não, olhe que não!”.

Fumar sempre foi um prazer contado por escritores e poetas. A poetisa Natália Correia foi uma figura carismática da cultura e política portuguesa, mas também uma fumadora militante. Uma antiga carvoaria, junto ao miradouro da Graça, em Lisboa, deu lugar ao Botequim, famoso bar por onde passaram governantes, embaixadores, escritores, poetas e artistas em poderosas tertúlias envoltas numa nuvem de fumo. Nesses agitados (e loucos) anos 70 e 80, não havia espaço para os não fumadores. “Não aceito nenhuma disciplina que me seja imposta, sem que me demonstrem a razão dela”, dizia Natália Correia. Já antes, nos anos 30 e 40, Marlene Dietrich, Bette Davis e Ava Gardner eram fumadoras empedernidas. Estimuladas, as mulheres começaram a fumar em público.

 

Fumo no cinema

Durante várias décadas o cigarro e o cinema estiveram interligados. As grandes companhias assinavam contratos milionários para que as estrelas aparecessem a fumar. Sylvester Stallone sempre disse que se sentia mais relaxado quando fumava. Porém, quanto interpretou o papel de Johnny Kovak no filme Fist descobriu o prazer de fumar charuto e, desde então, tornou-se um aficionado dos puros.

Na verdade, quem fumou um bom charuto dificilmente esquece a experiência pela combinação de sabores e aromas, há mesmo quem garanta que depois dessa experiência nunca mais acendeu um cigarro. Os charutos cubanos totalmente enrolados à mão são justamente considerados os melhores do mundo, não são um produto, mas sim obras de arte.

Há imagens que valem uma vida. A fotografia do carismático primeiro-ministro britânico Winston Churchill, apoiado numa bengala, a fazer o sinal da vitória com um charuto na boca é extremamente emblemática do momento e do seu amor pelos puros. Chegava a fumar 20 Romeo y Julieta Piramides e Epicure Grande por dia, uma degustação muitas vezes acompanhada por um bom conhaque. Na biografia escrita pelo historiador Andrew Roberts, ficámos a saber que Churchill, que viveu até aos 90 anos, fumou 190.000 charutos e bebeu muitíssimo. Foi relatado que o humidificador de sua casa tinha capacidade para 4.000 charutos! As marcas Romeo y Julieta e Davidoff lançaram um charuto com o seu nome em homenagem ao estadista inglês.

O ex-Presidente dos EUA, Bill Clinton, era assumidamente grande consumidor dos charutos produzidos na ilha de Fidel Castro. Fumador confesso, recebeu, na Casa Branca, grandes encomendas de puros durante o seu mandato, mas fumava de forma discreta devido à opinião pública e ao facto da mulher, Hillary, não tolerar o cheiro do tabaco. Alguém a pedido do Presidente fazia negócio com Cuba apesar de existir (ainda existe) embargo económico ao país dos “barbudos” imposto pelos EUA, já para os restantes americanos os charutos vêm da República Dominicana, Nicarágua e e Honduras. Já antes, John F. Kennedy também não dispensava um bom “habano”. Horas antes de assinar o bloqueio a Cuba – em fevereiro de 1962 – encarregou o seu secretário particular de comprar todos os Petit Corona Upmann à venda em Washington e conseguiu armazenar 1.200 unidades.

A estrela pop Madonna adora fumar um charuto Romeo y Julieta acompanhado pelo cocktail Cosmopolitain, uma bebida feita com vodka, licor de laranja, limão e mirtilos. Outras celebridades femininas deixaram-se seduzir pelos aromas cubanos, caso de Demi Moore, Beyoncé e Jennifer Lopez.

André Gonçalves Pereira, advogado e antigo ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo de Pinto Balsemão, foi uma figura incontornável na cena política e um fumador convicto dos melhores charutos do mundo. Dizia em jeito de brincadeira que o dinheiro que ganhava como ministro não dava para os charutos! E queixava-se de não ser possível fumar um puro no escritório.

 

“Puros” desportistas

Grandes nomes do desporto ficaram célebres por fumarem em público e até no relvado quando isso era permitido. O cigarro sempre fez parte da vida do genial Johan Cruyff, nos tempos de jogador fumava mais de 20 cigarros por dia. São várias as histórias envolvendo aquele que foi um dos melhores jogadores do mundo e o cigarro. Tinha o hábito fumar no intervalo e logo que os jogos terminavam tanto no Ajax, como no Barcelona. O único treinador que o impediu de fumar no balneário foi o alemão Hennes Weisweiler, que perdeu o emprego ao fim de uma época, com Cruyff a dizer: “Weisweiler não era o técnico da minha escolha”. Fica na história a foto de Cruyff a segurar a Taça dos Campeões Europeus ao mesmo tempo que segurava um cigarro. Um grave problema de saúde acabou por mudar a sua atitude: “Tive dois vícios na vida: jogar futebol e fumar. O futebol deu-me tudo, o tabaco quase que me tirou tudo”, afirmou Crutff, que passou a ser o rosto de campanhas contra o tabaco e, em vez do cigarro, passou a desfrutar de um chupa-chupa.

É uma espécie de tradição acender um charuto para comemorar uma conquista, seja desportiva ou pessoal. Na NBA não foi diferente. Ficou famosa a capa da revista Sports Illustrated onde Michael Jordan aparece com um charuto na mão a festejar o título da NBA em 1992. Mais recentemente, Stephen Curry acendeu um charuto depois dos Golden State Warriors conquistarem o título em 2017. Era proibido fumar no recinto dos Warriors, mas ninguém reclamou pela atitude de Curry.

Ronaldo, o Fenómeno, fumava e não escondia o ato. O vício chegou a incomodar alguns colegas da seleção brasileira no Mundial de 2006.

Diego Maradona, considerado por muitos como o melhor jogador de todos os tempos, tornou-se viciado em charutos cubanos e fumava sempre que lhe apetecia, mesmo em locais proibidos. Foi visto algumas vezes a fumar nos estádios durante jogos de campeonatos do mundo da Rússia.