O problema do menos que quer parecer mais


O caso da lei do tabaco é a consagração máxima da desresponsabilização no processo educativo e de formação cívica dos cidadãos.


Vivemos um tempo estranho, em que o país e os seus cidadãos não têm o mínimo em aspetos fundamentais das suas vidas, mas as narrativas projetam-nos para patamares de desenvolvimento e de evolução civilizacional encantadores, embora do domínio do impossível com o modelo de organização e de respostas do Estado e da sociedade. Não temos o básico, mas acenam-nos com o ótimo. Ou então, reconfiguram ou tentam reconfigurar as nossas expectativas individuais e comunitárias para que o menos seja mais, porque foram afastados os cenários mais negativos ou as disrupções que existiam.

O problema do menos que quer parecer mais, é que não tem adesão com a realidade e pressupõe uma visão dos cidadãos a gravitarem no domínio da reserva natural dos lorpas. Dificilmente menos significará mais facilidade no acesso a bens e serviços, mais qualidade de vida e melhor Democracia, mas é a narrativa que nos querem impingir há anos, no Estado e fora dele.

O Estado e a sociedade estiveram anos a dormir na forma perante a curva demográfica, a geral e a do pessoal médico do SNS, somaram uma redução do horário de trabalho, sem o adequado reforço de recursos humanos de profissionais de saúde e uma pandemia, e, apesar das narrativas de endeusamento, a saúde pública apresenta disrupções e bloqueios no acesso por todo o lado. A evidência da falta de recursos para manter abertas as urgências é combatida com uma reorganização de aberturas programadas, como se o menos fosse mais. Não é.

É como a nova lei do tabaco, a toque de boas intenções. Mais uma deriva proibicionista de um Estado que se demite de fazer o seu trabalho pedagógico para mudar os comportamentos, entrando à bruta pelas esferas da liberdade individual. Como nunca fui fumador, estou à vontade para zurzir a atual deriva proibicionista, com duvidosos ganhos de sensibilização da população jovem e de vantagens na saúde, mas com seguros impactos negativos na economia, no emprego e na fiscalidade. É o menos, o menor esforço na educação das pessoas, a querer parecer mais, uma solução inovadora e saudável. Como se fosse possível ter ambições de promoção de estilos de vida saudável nas novas gerações, por via de imposições proibicionistas, quando se permite que a Federação Portuguesa de Futebol tenha entre os seus patrocinadores maiores uma cervejeira e a maior sala de espetáculos do Porto também transporte consigo o nome de uma cervejeira concorrente, para não falar dos festivais de música, das bebidas energéticas com relevantes impactos hepáticos e de outras existências ativas. Educar dá trabalho, proíba-se. A lei é complicada, ajuste-se aos interesses. E andamos nisto, com o menos a querer ser mais. Mais avançado que os outros da União Europeia e mais ambiciosos que os mais avançados do Mundo, mas todos esses garantem o essencial no acesso a bens e serviços para a vida concreta das pessoas, o funcionamento da economia ou as dinâmicas comunitárias. Não seria melhor focar no básico? Bem sei, que o resultado da soma entre o arbítrio que os encaixes fiscais permitem e a euforia da atividade turística, pode dar para muita coisa e permitir a ousadia de persistir numa espécie de reconfiguração generalizada das expectativas, para que o menos pareça mais e o pouco que se tem seja uma bênção (à boleia do ambiente de Fátima e das Jornadas Mundiais da Juventude), mas é um exercício rasteiro e facilmente detetável por um escrutínio cívico dos serviços mínimos e dos mínimos dos serviços. O caso da lei do tabaco é a consagração máxima da desresponsabilização no processo educativo e de formação cívica dos cidadãos. Depois da família chutar para a Escola e da Escola chutar para o Estado, em especial neste ano de tumulto na comunidade educativa, o Estado recorre à lei para impor uma deriva proibicionista, entrando pela esfera de liberdade adentro, a pensar num conjunto de cidadãos que, quando têm margem de opção, já só ouvem e veem os conteúdos que lhe suscitam interesse à partida. Portanto, à geração mais qualificada de Portugal que tem os seus filtros para configurar as suas escolhas, o Estado quer impor-lhes uma conduta, à bruta. Tem tudo para correr mal, com a agravante de que a perda de receita fiscal, pela emergência de expressões da economia paralela e da criatividade lusa, pode gerar novas tentações do Estado de arrebanho fiscal noutras latitudes.

O problema deste nivelamento por baixo, deste menos que quer parecer mais, é que sendo uma tentativa de passagem de atestado de estupidez aos cidadãos, quais súbditos ou submissivos, sem direitos, liberdades e garantias, desqualifica o exercício político e a Democracia. O problema é que é mais um pasto fértil para o desencanto democrático, o deslaço social e a afirmação de populismos insanos. Num quadro democrático formal, dotado de estabilidade política e recursos financeiros para concretizar compromissos e soluções para as pessoas e os territórios, é mau demais. É mais que poucochinho.

NOTAS FINAIS

INQUÉRITO DE MENOS, JOGADAS A MAIS. É pena que o trabalho sério e rigoroso de Jorge Seguro Sanches na Presidência da Comissão de Inquérito da TAP tenha sido interrompido. É vergonhosa a tentativa de amputação temática da abrangência da Comissão como se a deliberação não fosse clara para qualquer um, ainda mais para um jurista e experiente político, quando define que o âmbito é “Avaliar o exercício da tutela política da gestão da TAP SGPS e da TAP, S. A., em particular no período entre 2020 e 2022, sob controlo público”. Avaliar em particular, não exclui o resto.

SENSO A MENOS. Moedas não viu problema em autorizar uma inaceitável manifestação do CHEGA no eixo da 5ª circular de Lisboa, com o mote de cerco à sede de um partido. Miserável.

FALTA DE SENSO A MAIS. Enquanto anunciavam derrapagens de 500 milhões nas obras do Metro, num dos países com a frota automóvel mais envelhecida e maior sinistralidade rodoviária, anuncia-se o fim dos apoios à aquisição de veículos automóveis elétricos. É para continuar a degradar a segurança rodoviária e a pegada ecológica?

O problema do menos que quer parecer mais


O caso da lei do tabaco é a consagração máxima da desresponsabilização no processo educativo e de formação cívica dos cidadãos.


Vivemos um tempo estranho, em que o país e os seus cidadãos não têm o mínimo em aspetos fundamentais das suas vidas, mas as narrativas projetam-nos para patamares de desenvolvimento e de evolução civilizacional encantadores, embora do domínio do impossível com o modelo de organização e de respostas do Estado e da sociedade. Não temos o básico, mas acenam-nos com o ótimo. Ou então, reconfiguram ou tentam reconfigurar as nossas expectativas individuais e comunitárias para que o menos seja mais, porque foram afastados os cenários mais negativos ou as disrupções que existiam.

O problema do menos que quer parecer mais, é que não tem adesão com a realidade e pressupõe uma visão dos cidadãos a gravitarem no domínio da reserva natural dos lorpas. Dificilmente menos significará mais facilidade no acesso a bens e serviços, mais qualidade de vida e melhor Democracia, mas é a narrativa que nos querem impingir há anos, no Estado e fora dele.

O Estado e a sociedade estiveram anos a dormir na forma perante a curva demográfica, a geral e a do pessoal médico do SNS, somaram uma redução do horário de trabalho, sem o adequado reforço de recursos humanos de profissionais de saúde e uma pandemia, e, apesar das narrativas de endeusamento, a saúde pública apresenta disrupções e bloqueios no acesso por todo o lado. A evidência da falta de recursos para manter abertas as urgências é combatida com uma reorganização de aberturas programadas, como se o menos fosse mais. Não é.

É como a nova lei do tabaco, a toque de boas intenções. Mais uma deriva proibicionista de um Estado que se demite de fazer o seu trabalho pedagógico para mudar os comportamentos, entrando à bruta pelas esferas da liberdade individual. Como nunca fui fumador, estou à vontade para zurzir a atual deriva proibicionista, com duvidosos ganhos de sensibilização da população jovem e de vantagens na saúde, mas com seguros impactos negativos na economia, no emprego e na fiscalidade. É o menos, o menor esforço na educação das pessoas, a querer parecer mais, uma solução inovadora e saudável. Como se fosse possível ter ambições de promoção de estilos de vida saudável nas novas gerações, por via de imposições proibicionistas, quando se permite que a Federação Portuguesa de Futebol tenha entre os seus patrocinadores maiores uma cervejeira e a maior sala de espetáculos do Porto também transporte consigo o nome de uma cervejeira concorrente, para não falar dos festivais de música, das bebidas energéticas com relevantes impactos hepáticos e de outras existências ativas. Educar dá trabalho, proíba-se. A lei é complicada, ajuste-se aos interesses. E andamos nisto, com o menos a querer ser mais. Mais avançado que os outros da União Europeia e mais ambiciosos que os mais avançados do Mundo, mas todos esses garantem o essencial no acesso a bens e serviços para a vida concreta das pessoas, o funcionamento da economia ou as dinâmicas comunitárias. Não seria melhor focar no básico? Bem sei, que o resultado da soma entre o arbítrio que os encaixes fiscais permitem e a euforia da atividade turística, pode dar para muita coisa e permitir a ousadia de persistir numa espécie de reconfiguração generalizada das expectativas, para que o menos pareça mais e o pouco que se tem seja uma bênção (à boleia do ambiente de Fátima e das Jornadas Mundiais da Juventude), mas é um exercício rasteiro e facilmente detetável por um escrutínio cívico dos serviços mínimos e dos mínimos dos serviços. O caso da lei do tabaco é a consagração máxima da desresponsabilização no processo educativo e de formação cívica dos cidadãos. Depois da família chutar para a Escola e da Escola chutar para o Estado, em especial neste ano de tumulto na comunidade educativa, o Estado recorre à lei para impor uma deriva proibicionista, entrando pela esfera de liberdade adentro, a pensar num conjunto de cidadãos que, quando têm margem de opção, já só ouvem e veem os conteúdos que lhe suscitam interesse à partida. Portanto, à geração mais qualificada de Portugal que tem os seus filtros para configurar as suas escolhas, o Estado quer impor-lhes uma conduta, à bruta. Tem tudo para correr mal, com a agravante de que a perda de receita fiscal, pela emergência de expressões da economia paralela e da criatividade lusa, pode gerar novas tentações do Estado de arrebanho fiscal noutras latitudes.

O problema deste nivelamento por baixo, deste menos que quer parecer mais, é que sendo uma tentativa de passagem de atestado de estupidez aos cidadãos, quais súbditos ou submissivos, sem direitos, liberdades e garantias, desqualifica o exercício político e a Democracia. O problema é que é mais um pasto fértil para o desencanto democrático, o deslaço social e a afirmação de populismos insanos. Num quadro democrático formal, dotado de estabilidade política e recursos financeiros para concretizar compromissos e soluções para as pessoas e os territórios, é mau demais. É mais que poucochinho.

NOTAS FINAIS

INQUÉRITO DE MENOS, JOGADAS A MAIS. É pena que o trabalho sério e rigoroso de Jorge Seguro Sanches na Presidência da Comissão de Inquérito da TAP tenha sido interrompido. É vergonhosa a tentativa de amputação temática da abrangência da Comissão como se a deliberação não fosse clara para qualquer um, ainda mais para um jurista e experiente político, quando define que o âmbito é “Avaliar o exercício da tutela política da gestão da TAP SGPS e da TAP, S. A., em particular no período entre 2020 e 2022, sob controlo público”. Avaliar em particular, não exclui o resto.

SENSO A MENOS. Moedas não viu problema em autorizar uma inaceitável manifestação do CHEGA no eixo da 5ª circular de Lisboa, com o mote de cerco à sede de um partido. Miserável.

FALTA DE SENSO A MAIS. Enquanto anunciavam derrapagens de 500 milhões nas obras do Metro, num dos países com a frota automóvel mais envelhecida e maior sinistralidade rodoviária, anuncia-se o fim dos apoios à aquisição de veículos automóveis elétricos. É para continuar a degradar a segurança rodoviária e a pegada ecológica?