O velho turco


Muito do futuro da União Europeia, do relacionamento com a Federação Russa e da reconfiguração dos conflitos no Médio Oriente depende da Turquia.


E o futuro da Turquia decide-se no domingo, em eleições presidenciais e parlamentares que poderão traduzir-se na derrota eleitoral do incumbente, Primeiro-Ministro desde 2003, Presidente desde 2014. Erdogan re-islamizou um Estado cuja versão republicana e moderna nasceu em 1923, laica e secular, também como forma de esquecer a desaparição do império otomonano, velho, religioso e vencido. Fê-lo por convicção, revanchismo e habilidade política no manter um eleitorado fiel com uma presença forte na ruralidade da Anatólia mas também no lumpen urbano de Istambul, a cuja autarquia presidiu entre 1994 e 1998. A mesma flexibilidade política foi aplicada à relação com os curdos, atraídos, nas primeiras campanhas eleitorais, com promessas de tolerância e convertidos, alguns anos depois, em inimigos do Estado. A concentração de poderes, restrição e supressão generalizada de direitos fundamentais e o autoritarismo puro e duro tiveram como principal alvo o alto funcionalismo público, a elite da República: altos cargos militares, acusados de promover em 2016 um golpe de Estado que muitos consideram ter sido encenado e aproveitado por Erdogan para governar em estado de emergência; magistrados judiciais e do Ministério Público, demitidos e presos às centenas; professores, com destaque para os universitários, saneados aos milhares, presos liberalmente. A comunicação social foi ferreamente controlada, silenciada, perseguida administrativamente ou condenada por tribunais agora complacentes para com os desmandos presidenciais.

A repressão deu origem a uma aliança inédita dos seis maiores partidos da oposição apoiando um candidato único, Kemal Kiliçdaroglu. Se eleito terá como vice-Presidentes os líderes de cada um dos principais partidos, com destaque para Davutoglu, ex-conselheiro de política externa de Erdogan, seu Ministro dos Negócios Estrangeiros e seu Primeiro Ministro, o promotor do neo-otomanismo na política externa de Ancara. Hoje desistiu da corrida presidencial Muharrem Ince e cujos eleitores, de acordo com as sondagens, votariam em Kiliçdaroglu numa segunda volta. A possibilidade de vitória da oposição, à primeira volta, é real.

A derrota de Erdogan, a acontecer, será também fruto da crise económica, com uma inflação que chegou aos 85,5% no final de 2022 e que poderá ficar pela metade durante este ano. A desvalorização da lira turca, decidida pessoalmente por Erdogan e destinada a promover a competitividade das exportações e a dificultar as importações, castigou os mais desfavorecidos e pode ter quebrado a fidelidade de muitos eleitores. A diáspora turca na Europa, com destaque para a Alemanha reside 1 milhão e meio de turcos, mantém-se fiel Erdogan.

Admitindo uma transição pacífica do poder espera-se um regresso ao respeito pelos direitos fundamentais e uma desmontagem, por via legislativa, dos poderes presidenciais exorbitantes.

No plano externo a luta pelo estatuto de potência regional prosseguirá, concorrendo a Turquia com Síria, Irão, Egipto e Arábia Saudita. Ancara tentará manter um equilíbrio dinâmico entre a pertença à NATO (marcando o terreno no conflito com a Grécia) e uma partilha de interesses com a Rússia, continuando a fornecer bens e serviços embargados pelo Ocidente, a comprar equipamentos militares e energia e a procurar o papel de mediador no conflito com a Ucrânia. Para a União Europeia abrir-se-á uma possibilidade real de aprofundamento das relações, deixando para trás a chantagem permanente com as vagas de emigrantes ilegais e não se deixando arrastar para os conflitos de delimitação de fronteiras marítimas no Mediterrâneo Oriental, onde se faz sentir um forte cheiro a gás natural.

O velho turco


Muito do futuro da União Europeia, do relacionamento com a Federação Russa e da reconfiguração dos conflitos no Médio Oriente depende da Turquia.


E o futuro da Turquia decide-se no domingo, em eleições presidenciais e parlamentares que poderão traduzir-se na derrota eleitoral do incumbente, Primeiro-Ministro desde 2003, Presidente desde 2014. Erdogan re-islamizou um Estado cuja versão republicana e moderna nasceu em 1923, laica e secular, também como forma de esquecer a desaparição do império otomonano, velho, religioso e vencido. Fê-lo por convicção, revanchismo e habilidade política no manter um eleitorado fiel com uma presença forte na ruralidade da Anatólia mas também no lumpen urbano de Istambul, a cuja autarquia presidiu entre 1994 e 1998. A mesma flexibilidade política foi aplicada à relação com os curdos, atraídos, nas primeiras campanhas eleitorais, com promessas de tolerância e convertidos, alguns anos depois, em inimigos do Estado. A concentração de poderes, restrição e supressão generalizada de direitos fundamentais e o autoritarismo puro e duro tiveram como principal alvo o alto funcionalismo público, a elite da República: altos cargos militares, acusados de promover em 2016 um golpe de Estado que muitos consideram ter sido encenado e aproveitado por Erdogan para governar em estado de emergência; magistrados judiciais e do Ministério Público, demitidos e presos às centenas; professores, com destaque para os universitários, saneados aos milhares, presos liberalmente. A comunicação social foi ferreamente controlada, silenciada, perseguida administrativamente ou condenada por tribunais agora complacentes para com os desmandos presidenciais.

A repressão deu origem a uma aliança inédita dos seis maiores partidos da oposição apoiando um candidato único, Kemal Kiliçdaroglu. Se eleito terá como vice-Presidentes os líderes de cada um dos principais partidos, com destaque para Davutoglu, ex-conselheiro de política externa de Erdogan, seu Ministro dos Negócios Estrangeiros e seu Primeiro Ministro, o promotor do neo-otomanismo na política externa de Ancara. Hoje desistiu da corrida presidencial Muharrem Ince e cujos eleitores, de acordo com as sondagens, votariam em Kiliçdaroglu numa segunda volta. A possibilidade de vitória da oposição, à primeira volta, é real.

A derrota de Erdogan, a acontecer, será também fruto da crise económica, com uma inflação que chegou aos 85,5% no final de 2022 e que poderá ficar pela metade durante este ano. A desvalorização da lira turca, decidida pessoalmente por Erdogan e destinada a promover a competitividade das exportações e a dificultar as importações, castigou os mais desfavorecidos e pode ter quebrado a fidelidade de muitos eleitores. A diáspora turca na Europa, com destaque para a Alemanha reside 1 milhão e meio de turcos, mantém-se fiel Erdogan.

Admitindo uma transição pacífica do poder espera-se um regresso ao respeito pelos direitos fundamentais e uma desmontagem, por via legislativa, dos poderes presidenciais exorbitantes.

No plano externo a luta pelo estatuto de potência regional prosseguirá, concorrendo a Turquia com Síria, Irão, Egipto e Arábia Saudita. Ancara tentará manter um equilíbrio dinâmico entre a pertença à NATO (marcando o terreno no conflito com a Grécia) e uma partilha de interesses com a Rússia, continuando a fornecer bens e serviços embargados pelo Ocidente, a comprar equipamentos militares e energia e a procurar o papel de mediador no conflito com a Ucrânia. Para a União Europeia abrir-se-á uma possibilidade real de aprofundamento das relações, deixando para trás a chantagem permanente com as vagas de emigrantes ilegais e não se deixando arrastar para os conflitos de delimitação de fronteiras marítimas no Mediterrâneo Oriental, onde se faz sentir um forte cheiro a gás natural.