A coroação de Carlos III vista à lupa

A coroação de Carlos III vista à lupa


O filho de Isabel II vai ser coroado rei no próximo dia 6 de maio. Do roteiro aos coches do cortejo, às joias carregadas de simbolismo, já são vários os detalhes que se conhecem do evento que ficará para a História do Reino Unido e que durante três dias promete reunir monarcas, líderes políticos, ícones…


Há toda uma geração no Reino Unido que nunca assistiu a uma coroação. A última foi há praticamente 70 anos. A 2 de junho de 1953, Isabel II foi coroada numa cerimónia que, pela primeira vez, foi transmitida na televisão, pela BBC, a estação de serviço público britânica. Talvez por essa razão a coroação do filho Carlos, que foi proclamado rei em setembro do ano passado, seja aguardada com grande expectativa.

A apenas dez dias de os novos reis serem coroados na Abadia de Westminster, em Londres, já se conhecem alguns detalhes de um fim de semana cujos preparativos arrancaram há vários meses. O evento que ficará para a História é apenas uma formalidade do papel de um monarca, enquanto líder da Igreja de Inglaterra, e marca oficialmente a transferência de todos os títulos e poderes de um soberano, ainda que na prática nada mude em relação à proclamação. Aliás, a coroação não é uma condição necessária para reinar. Eduardo VIII, o tio de Isabel II que abdicou, é exemplo disso mesmo: reinou sem nunca ter sido coroado.

Ao contrário da proclamação, a coroação geralmente ocorre vários meses após a morte do monarca anterior, uma vez que a ocasião é de festa e seria inapropriada num período de luto. Assim, Carlos e Camilla serão coroados no próximo dia 6 de maio, oito meses após a morte da Rainha Isabel II.

Antes da cerimónia religiosa agendada para as 11h desse sábado, durante a manhã, o rei e a rainha consorte deverão seguir em procissão desde o Palácio de Buckingham até à Abadia de Westminster, no coche do Jubileu de Diamante, criado precisamente para celebrar os 60 anos de reinado de Isabel II, em 2012. A rota estende-se por mais de dois quilómetros, passando por The Mall, Whitehall e a praça do Parlamento. O cortejo será escoltado por um regimento da Cavalaria Doméstica.

Já na Abadia de Westminster – que está fechada desde dia 25 de abril para os preparativos da cerimónia -, Carlos deverá sentar-se num trono, que tem mais de 700 anos e que sofreu nos últimos meses trabalhos de restauro, diante do arcebispo da Cantuária, Justin Welby, e de outros clérigos e membros da nobreza. 

A abadia testemunhou a coroação de todos os monarcas desde Eduardo I em 1274 – à exceção de Eduardo V e Eduardo VIII, que nunca foram coroados -, 16 casamentos reais, bem como vários funerais reais, incluindo o da rainha Isabel II.

Mantendo-se praticamente inalterados os rituais durante o último milénio, Carlos fará o juramento, onde prometerá defender a lei e a Igreja. Depois, será ungido pelo arcebispo com óleo nas mãos, no peito e na cabeça e será investido com vários símbolos reais, incluindo o orbe, que representa a autoridade religiosa, e dois cetros, um com uma cruz e outro com uma pomba branca. Por fim, o arcebispo colocará a coroa de Santo Eduardo na cabeça do rei. Em ouro e cravejada de pedras preciosas tais como rubis, ametistas e safiras, esta coroa será usada apenas no momento da coroação. 

Por seu lado, Camilla vai usar a coroa da rainha Maria, a consorte do rei Jorge V, evitando usar a coroa da rainha-mãe, Isabel, a avó de Carlos III, onde está o tão disputado diamante Koh-i-Noor de 105 quilates, que a Índia tem pedido ao Reino Unido para devolver. A coroa que será colocada na cabeça da rainha consorte também sofreu algumas alterações. Segundo o palácio, foram colocados três novos diamantes numa homenagem a Isabel II.

Já coroado, o rei sentar-se-á no trono, onde os convidados lhe deverão fazer uma vénia, ao som do hino encomendado ao premiado compositor Andrew Lloyd Webb, responsável pela banda sonora de musicais tão conhecidos como Cats ou O fantasma da ópera. 

Esta será uma das doze peças musicais que o novo rei solicitou para a ocasião. De acordo com a imprensa britânica, também será tocada música ortodoxa grega, em homenagem ao pai do rei, Filipe, Duque de Edimburgo, que nasceu em Corfu, na Grécia.

No final da cerimónia religiosa, quando deixar a Abadia de Westminster, Carlos III já estará a usar a Coroa Imperial do Estado, a mais famosa das joias reais. Por essa altura, iniciar-se-á a procissão de regresso ao Palácio de Buckingham que será muito mais imponente apesar de traçar a mesma rota, mas em sentido contrário. Mais de seis mil homens e mulheres das forças armadas do Reino Unido, entre outros militares de pelo menos 35 países da Commonwealth, vão acompanhar o Coche de Ouro, utilizado desde 1830 em todas as coroações. No ar, mais de 60 aviões voarão por cima do centro de Londres, incluindo alguns dos que participaram em operações de ajuda à Ucrânia, de policiamento do espaço aéreo da NATO, ajuda em operações de salvamento em catástrofes, controlo do tráfico de droga ou de combate ao terrorismo no Médio Oriente e África.

Na chegada ao Palácio de Buckingham, serão recebidos por uma multidão, para o esperado aceno da família real desde a varanda, onde Carlos e Camilla aparecerão com as coroas. Sabe-se ainda que será assegurado a antigos militares e trabalhadores do Serviço Nacional de Saúde britânico (NHS) um lugar especial, como forma de reconhecimento do serviço público que prestaram. Será montada em frente ao palácio uma bancada com 3800 lugares com vista privilegiada.

Além disso, a coroação será vista por centenas de milhares de pessoas nas ruas de Londres e não só, uma vez que serão instalados ecrãs gigantes em cerca de 60 locais diferentes no Reino Unido. Também a transmissão televisiva contará seguramente com uma audiência de milhões de pessoas no mundo, já que esta será apenas a segunda coroação no Reino Unido a ser transmitida pela televisão.

Ícones da música em Windsor

Haverá ainda outras oportunidades de as pessoas celebrarem este momento histórico. Uma delas será no domingo, dia 7 de maio, com um concerto que vai decorrer no Castelo de Windsor e que também será transmitido em direto pela BBC, tanto na televisão como na rádio. Depois de meses de especulação, o Palácio de Buckingham deu recentemente a conhecer o alinhamento. Ao fim de vários artistas britânicos terem rejeitado o convite, como Adele, Ed Sheeran, Harry Styles e Elton John, chegaram até a correr rumores de um regresso das Spice Girls para a celebração. Contudo, o monarca teve de recorrer sobretudo a artistas norte-americanos. Os escolhidos foram Katy Perry e Lionel Richie. O único cabeça de cartaz britânico será o grupo Take That, que reúne Gary Barlow, Howard Donald e Mark Owen, e que serão acompanhados por uma orquestra e um coro, diante de uma plateia de 20 mil pessoas.

O concerto contará ainda com atuações de ópera do italiano Andrea Bocelli e do galês Bryn Terfel. O alinhamento inclui ainda outra artista britânica Freya Ridings.O espetáculo será também complementado com o momento “Lighting up the Nation”, com uma performance em localizações emblemáticas do Reino Unido com projeções, lasers, drones e outras iluminações.

Está também previsto um grande almoço de rua, no domingo, enquanto que na segunda-feira, dia 8, que deverá ser declarado feriado nacional, é feito um apelo aos britânicos para que se envolvam em iniciativas de voluntariado e beneficência, durante o “Big Help Out”.

Durante os três dias, é igualmente de esperar que se veja um número vertiginoso de membros da realeza presentes. A princesa Ana e o vice-almirante Timothy Laurence, bem como o duque e a duquesa de Edimburgo e os seus filhos, ou ainda a princesa Eugenie e a princesa Beatrice e os seus respetivos cônjuges, serão alguns dos rostos da família real que se deverão juntar às celebrações.

 O príncipe e a princesa de Gales, William e Kate, estarão entre os mais antigos membros da realeza presentes, juntamente com os seus três filhos, o príncipe George, a princesa Charlotte e o príncipe Louis. Haverá também um grande número de primos: do príncipe Michael de Kent a Lady Sarah Chatto e suas famílias, é provável que os muitos ramos da família sejam representados, como aconteceu no funeral da rainha.

A grande incógnita até agora prendia-se, contudo, com os duques de Sussex. Mas o mistério foi desfeito quando o Palácio de Buckingham confirmou que Harry irá participar na coroação de Carlos. No entanto, não será acompanhado por Meghan, que ficará em Montecito, na Califórnia, onde o casal reside, com os filhos, os príncipe Archie e a princesa Lilibet. Esta será a primeira vez que Harry estará publicamente com a família desde o lançamento do controverso livro de memórias, Na Sombra, onde abordou os conflitos com o irmão, William, e o pai, Carlos.

Dois mil convidados e ausências

Já de fora da lista de convidados para a cerimónia da coroação ficou Sarah Ferguson, que mantém o título de duquesa de York. Nos últimos anos, a ex-mulher do príncipe André tem sido presença constante nos eventos da família real, geralmente, a acompanhar as duas filhas, as princesas Beatrice e Eugenie. Esteve nos casamentos de William e Kate, em 2011, e de Harry e Meghan, em 2018. Desta vez, não estará na Abadia de Westminster, mas isso não significa que não vá marcar presença numa festa particular reservada à família que irá decorrer no sábado.

Por seu lado, o ex-marido André, a quem foram retirados os títulos e deveres reais, na sequência da polémica relacionada com abusos sexuais, foi convidado e deverá estar presente na cerimónia de coroação.

Em destaque na cerimónia enquanto pajens de honra do rei, estarão o príncipe George, filho mais velho de William e Kate, e os netos da rainha consorte: Freddy Parker Bowles, os gémeos Gus e Louis Lopes e o sobrinho-neto Arthur Elliot.

O rei abriu ainda espaço na sua lista de convidados para representantes de casas reais de outros países. O príncipe Alberto e a princesa Charlene de Mónaco foram os primeiros membros da realeza estrangeira a confirmar a sua presença. Os reis de Espanha, Filipe e Letizia, o príncipe herdeiro Frederik e princesa herdeira Mary da Dinamarca, o príncipe Herdeiro Fumihito e princesa Herdeira Kiko do Japão e o rei Abdullah II e a rainha Rania da Jordânia também estarão presentes, bem como representantes de outras monarquias europeias, como a família real holandesa. 

Mais de dois mil convidados terão recebido o convite e, dado tratar-se de um evento de Estado, além da família real e membros da monarquia de outros países, são convidados o primeiro-ministro e os deputados do Parlamento, bem como os chefes de Estado.

Entre os líderes mundiais estarão o presidente francês Emmanuel Macron, o primeiro-ministro australiano Anthony Albanese, o presidente alemão Frank-Walter Steinmeier, o presidente polaco Andrzej Duda, o presidente brasileiro Lula da Silva, o presidente filipino Ferdinand Marcos Jr, o presidente italiano Sergio Mattarella e ainda Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia e Charles Michel, presidente do Conselho Europeu. Assim como o primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, e a mulher, Akshata Murty, juntamente com membros do Governo britânico.

Um dos principais nomes ausentes será Joe Biden. O presidente dos Estados Unidos, que não esconde a sua linhagem irlandesa, será representado pela mulher, a primeira-dama Jill Biden. A decisão não é invulgar já que até hoje nenhum presidente norte-americano participou na coroação de um soberano britânico. Na última coroação – a de Isabel II -, o presidente Eisenhower enviou uma delegação em sua representação.

Desde que Carlos subiu ao trono, em setembro, Biden ainda não se reuniu com o monarca, mas segundo a imprensa internacional o presidente dos Estados Unidos já terá aceitado um convite do rei para uma visita de Estado futura ao Reino Unido.

Há ainda figuras importantes de países da Commonwealth que ainda não confirmaram a presença na cerimónia de coroação. É o caso de Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá, e Narendra Modi, atual primeiro-ministro da Índia.

Custos dividem britânicos

Mais modesto nos convites, pelo menos quando comparado com os oito mil que fizeram lotar a Abadia de Westminster para a coroação da sua mãe, Carlos tem estado sob fogo por causa dos custos da sua coroação para os cofres do Estado. A discussão chegou até ao Parlamento britânico, pela mão do Partido Trabalhista, quando foi conhecida uma sondagem sobre a posição dos britânicos em relação ao financiamento público do evento.

O estudo publicado pela YouGov, que contou com mais de 4200 inquiridos, dava conta que a maioria considerava que a coroação não devia ser financiada pelo Estado. De acordo com a sondagem, essa posição era transversal a praticamente todas as categorias de participantes, seja em idade, género, área geográfica ou classe socioeconómica.

A única exceção verificou-se quanto à orientação política: 46% dos participantes que se identificaram como eleitores do Partido Conservador consideraram que a coroação devia ser financiada com dinheiros públicos, contra 39% que se manifestaram contra.

Já nas restantes categorias políticas definidas pela YouGov, a maior parte dos inquiridos alinhou de forma contrária , com os eleitores do Partido Trabalhista (64%) e dos Liberais-Democratas (46%), assim como quem votou contra (55%) ou a favor (44%) da saída do Reino Unido da União Europeia, no referendo de 2016, a não concordar com o financiamento público do evento.

A contestação tem subido de tom nas últimas semanas devido ao aumento do custo de vida no Reino Unido, e, especialmente, depois de terem sido divulgadas informações na imprensa relativamente às avaliações da fortuna pessoal do rei.  Segundo cálculos do The Guardian, a fortuna pessoal de Carlos III estará avaliada em 1815 milhões de libras (mais de dois mil milhões de euros).O valor a que o diário britânico chegou inclui património imobiliário, carros, joias, investimentos financeiros, cavalos de corrida, coleções de selos raros e peças de arte.

Além disso, para já desconhece-se quanto é que o evento vai custar aos contribuintes britânicos, uma vez que essas contas, por norma, só são feitas mais tarde.

No entanto, as projeções que têm sido citadas pela imprensa britânica apontam para um custo entre os 50 e os 100 milhões de libras (entre 56,7 milhões de euros e 113,5 milhões de euros).

Essas publicações comparam ainda o custo das anteriores coroações e fazem a conversão para a cotação da libra nos dias de hoje, concluindo que a cerimónia de Carlos III deverá custar pelo menos o dobro das cerimónias da mãe e do avô. Por exemplo, a coroação de Isabel II, em 1953, custou 912 mil libras, o equivalente a 20,5 milhões de libras (23,2 milhões de euros) nos dias de hoje, e a coração de Jorge VI, em 1937, custou 454 mil libras, o equivalente a 24,8 milhões de libras (28 milhões de euros).

O descontentamento da população também deverá marcar o fim de semana de festejos, já que vários britânicos antimonarquia pretendem manifestar-se nesta data e dar a cara pela campanha “Not My King” (“Não é o meu Rei”), um movimento que quer substituir a monarquia britânica por uma república parlamentar com um presidente eleito universalmente.