Os jovens esquecidos


Os progressos do sistema educativo nas últimas cinco décadas são espetaculares e inegáveis. Mas esses progressos não são acompanhados por todos. Ainda hoje, cerca de um quinto dos nossos jovens em idade escolar revelam insuficiências básicas que não nos devem descansar. Ao desafio da democratização do ensino sucede-se o desafio da qualidade


Em 1970, a percentagem de jovens matriculados no 3.º ciclo do Ensino Básico rondava os 30%. Em 2020, essa percentagem subia para 91%. No Ensino Secundário, as correspondentes percentagens passaram de 4% para 83%. No Ensino Superior temos hoje mais de 430 mil estudantes, quando em 1975 apenas tínhamos 71 mil.

Estes grandes progressos de que o país justamente se orgulha fazem-nos por vezes esquecer o muito que ainda há por fazer. Mas os choques com a realidade vão acontecendo. Na viragem do século, desenvolveram-se os estudos internacionais de larga escala, regulares e continuados. E trouxeram novidades. Em 1995, foi realizado o primeiro TIMSS (Trends in Mathematics and Science Studies) e Portugal apareceu na cauda dos países participantes. Atrás de nós apenas estavam o Irão e o Kuwait.  Em 2000, foi realizado o primeiro PISA (Programme for International Student Assessment) e de novo Portugal apareceu na cauda dos participantes.

Os tristes resultados do estudo TIMSS geraram algum debate. O governo suspendeu a participação do país neste estudo…  Os resultados do estudo PISA foram divulgados em 2001 e não foi possível ignorá-los. A preocupação com o estado do ensino movimentou sucessivos governos e gerou modificações de política que tiveram os seus frutos. O currículo foi sendo mais bem estruturado, foi sendo dada mais atenção ao português e à matemática, foram sendo introduzidas avaliações e novos exames. Fomos subindo nas classificações do PISA, em cada das suas aplicações. Em 2011, Portugal retomou a participação no TIMSS e registou uma enorme melhoria. O país foi progredindo até que, em 2015, obteve os melhores resultados de sempre. Nos três domínios principais do PISA (leitura, matemática e ciências), passámos acima da média da OCDE. No TIMSS, em matemática do 4.º ano, tivemos excelentes resultados, passando acima de países habitualmente muito bem situados, tais como a Finlândia.

Nos estudos internacionais seguintes, o país registou um recuo. No PISA de 2018 e no TIMSS de 2019 os resultados pioraram. Quando em dezembro deste ano forem divulgados os novos dados do PISA veremos se essa tendência continua ou se é invertida.

Mas as médias são médias… e por preocupantes que possam ser, não mostram a gravidade da posição dos jovens com mais problemas nos seus estudos.

Uma das revelações extremamente importantes dos estudos internacionais foi a existência de uma percentagem grande de jovens com dificuldades extremas (“low-performers”). Na “literacia de leitura”, são os que praticamente não conseguem ler, têm dificuldade em extrair uma ideia simples de um texto e têm um vocabulário muito pobre. Na “literacia matemática”, são os que têm dificuldade em fazer uma percentagem simples e comparar quantidades que resultem de cálculos básicos (1/2 é menor que 4/9?). Estes jovens terão grandes dificuldades em prosseguir os seus estudos e em ter uma vida digna e produtiva na sociedade moderna. E são 20% do total!

Quer isto dizer que há ainda uma percentagem preocupante de jovens alunos que necessitam de apoio adicional. Não porque tenham dificuldades cognitivas especiais, mas porque não aprenderam o necessário. Não soubemos ajudá-los.

Sabia o leitor deste facto? É um em cada cinco dos nossos jovens. E essa fração de alunos com extremas dificuldades tem vindo a subir nos últimos anos.

Ultrapassámos o desafio da quantidade. Por que não conseguimos ultrapassar o desafio da qualidade?

 

Prof. Cat. Jub., ISEG, Universidade de Lisboa, Presidente, Iniciativa Educação

Os jovens esquecidos


Os progressos do sistema educativo nas últimas cinco décadas são espetaculares e inegáveis. Mas esses progressos não são acompanhados por todos. Ainda hoje, cerca de um quinto dos nossos jovens em idade escolar revelam insuficiências básicas que não nos devem descansar. Ao desafio da democratização do ensino sucede-se o desafio da qualidade


Em 1970, a percentagem de jovens matriculados no 3.º ciclo do Ensino Básico rondava os 30%. Em 2020, essa percentagem subia para 91%. No Ensino Secundário, as correspondentes percentagens passaram de 4% para 83%. No Ensino Superior temos hoje mais de 430 mil estudantes, quando em 1975 apenas tínhamos 71 mil.

Estes grandes progressos de que o país justamente se orgulha fazem-nos por vezes esquecer o muito que ainda há por fazer. Mas os choques com a realidade vão acontecendo. Na viragem do século, desenvolveram-se os estudos internacionais de larga escala, regulares e continuados. E trouxeram novidades. Em 1995, foi realizado o primeiro TIMSS (Trends in Mathematics and Science Studies) e Portugal apareceu na cauda dos países participantes. Atrás de nós apenas estavam o Irão e o Kuwait.  Em 2000, foi realizado o primeiro PISA (Programme for International Student Assessment) e de novo Portugal apareceu na cauda dos participantes.

Os tristes resultados do estudo TIMSS geraram algum debate. O governo suspendeu a participação do país neste estudo…  Os resultados do estudo PISA foram divulgados em 2001 e não foi possível ignorá-los. A preocupação com o estado do ensino movimentou sucessivos governos e gerou modificações de política que tiveram os seus frutos. O currículo foi sendo mais bem estruturado, foi sendo dada mais atenção ao português e à matemática, foram sendo introduzidas avaliações e novos exames. Fomos subindo nas classificações do PISA, em cada das suas aplicações. Em 2011, Portugal retomou a participação no TIMSS e registou uma enorme melhoria. O país foi progredindo até que, em 2015, obteve os melhores resultados de sempre. Nos três domínios principais do PISA (leitura, matemática e ciências), passámos acima da média da OCDE. No TIMSS, em matemática do 4.º ano, tivemos excelentes resultados, passando acima de países habitualmente muito bem situados, tais como a Finlândia.

Nos estudos internacionais seguintes, o país registou um recuo. No PISA de 2018 e no TIMSS de 2019 os resultados pioraram. Quando em dezembro deste ano forem divulgados os novos dados do PISA veremos se essa tendência continua ou se é invertida.

Mas as médias são médias… e por preocupantes que possam ser, não mostram a gravidade da posição dos jovens com mais problemas nos seus estudos.

Uma das revelações extremamente importantes dos estudos internacionais foi a existência de uma percentagem grande de jovens com dificuldades extremas (“low-performers”). Na “literacia de leitura”, são os que praticamente não conseguem ler, têm dificuldade em extrair uma ideia simples de um texto e têm um vocabulário muito pobre. Na “literacia matemática”, são os que têm dificuldade em fazer uma percentagem simples e comparar quantidades que resultem de cálculos básicos (1/2 é menor que 4/9?). Estes jovens terão grandes dificuldades em prosseguir os seus estudos e em ter uma vida digna e produtiva na sociedade moderna. E são 20% do total!

Quer isto dizer que há ainda uma percentagem preocupante de jovens alunos que necessitam de apoio adicional. Não porque tenham dificuldades cognitivas especiais, mas porque não aprenderam o necessário. Não soubemos ajudá-los.

Sabia o leitor deste facto? É um em cada cinco dos nossos jovens. E essa fração de alunos com extremas dificuldades tem vindo a subir nos últimos anos.

Ultrapassámos o desafio da quantidade. Por que não conseguimos ultrapassar o desafio da qualidade?

 

Prof. Cat. Jub., ISEG, Universidade de Lisboa, Presidente, Iniciativa Educação