Um ‘oceano de oportunidades que estão a ser desaproveitadas’

Um ‘oceano de oportunidades que estão a ser desaproveitadas’


Portugal tem das maiores Zonas Económicas Exclusivas no Mundo, com uma área de mar 18 vezes superior ao seu território continental. Contudo é unânime que tem sido mal explorada. Face à queda da indústria da pesca, surgem diversas alternativas para obtermos um melhor aproveitamento deste território  repleto de potencial.


Portugal tem 2500km de linha de costa. Mas onde está a nação marítima triunfante que conquistou o mundo nos descobrimentos? Temos a terceira maior zona económica exclusiva (ZEE) da União Europeia, com uma extensão de 200 milhas náuticas para além da costa, que representa 95% do nosso território. E parece que estamos eternamente condenados ao desaproveitamento completo de algo que pode trazer-nos os maiores benefícios económicos, caso seja feita uma exploração inteligente com a aposta em setores em crescimento como a aquacultura, parques eólicos marítimos, desenvolvimento da área cultural e turística em torno do oceano, e consigamos ultrapassar os obstáculos da sobrepesca e dos impactos ambientais com a exploração de minérios em águas profundas.

Indústria da Pesca 

Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística, em 2021 foram descarregadas 140.562 toneladas de pescado, ou seja, apenas 33,5% do que foi capturado em 1969 (419.388t) e quase metade do que foi apanhado em 1983 (264.398t). Ao falarmos dos números de embarcações, o relatório da pesca em 2021 indica que existem apenas 7.655 embarcações em Portugal, o que compara com 17.685 embarcações em 1969 e 18.820 em 1983. Um dos principais motivos para esta perda consiste na adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE), que forçou os diversos governos portugueses a abater embarcações piscatórias em troca de elevadas compensações monetárias. Em 2008 a Comissão Europeia anunciou que iria disponibilizar 600 milhões de euros para auxiliar o setor das pescas, com o então presidente da Associação dos Armadores da Pesca Industrial, Miguel Cunha, a comentar que a contrapartida exigida por Bruxelas era «o abate de 30% da frota Portuguesa».

Um de muitos exemplos concretos foi contado em julho de 2022 pelo presidente da Associação de Armadores e Pescadores de Tavira à plataforma independente de jornalismo Gerador: «A minha embarcação tinha cerca de 13 metros, 21 toneladas, e deram-me cerca de 90 mil euros para partir o barco. Aos meus camaradas, deram 10 mil para estar um ano sem fazer nada».

Em defesa das suas medidas, a Comissão Europeia publicou no seu website oficial que esta política não se tratou de um pressuposto para «forçar quem quer que fosse a abater embarcações contra a sua vontade», elencando que simplesmente houve uma preocupação crescente quanto à «sustentabilidade ambiental dos recursos piscatórios», dado que a comissão concluiu «há muitos barcos para pouco peixe e são necessárias medidas para inverter a situação».

Já as generalidades das organizações ambientais são mais severas, afirmando que Portugal e a União Europeia ficaram aquém dos compromissos «legais e ambientais» para pôr fim à sobrepesca e que isto colocou o ecossistema em risco.

Um estudo que aborda a Indústria da Pesca Portuguesa desde a década de 60 até à atualidade, elaborado em 2015 pelo Instituto de Pesquisa em Economia e Administração de Empresas em Bergen, na Noruega, refere que «Portugal costumava ser quase autossuficiente no consumo peixe» e tornou-se num país em que as importações superam as exportações, apesar de «manter-se num dos maiores consumidores per capita (por habitante) de peixe a nível mundial». A investigação salienta que houve a transição de «uma sociedade agrária para a uma economia industrial e de serviços», mas que o país ainda não foi capaz de transitar de forma bem-sucedida para uma «economia do conhecimento» — uma economia baseada na inovação e tecnologia que permita a constituição de uma rede de informação e saber que contribua como um motor de crescimento e riqueza.

O grosso da crise na indústria da pesca, segundo a bióloga marinha Ana Matias, da organização sem fins lucrativos Sciaena – Oceanos, Conservação e Sensibilização, «não está relacionado com as toneladas de pescado capturado, mas sim com a necessidade de valorizarmos o nosso produto» porque «é do conhecimento geral que as margens dos pescadores são diminutas e que o grosso dos lucros são direcionados para as grandes cadeias de retalho».

Em consonância com outras organizações ambientalistas, a bióloga marinha relembrou que a Client Earth (uma ONG que lida com Direito Ambiental), «lançou uma ação legal contra a UE, precisamente por ter falhado o prazo de 2020 para acabar com a sobrepesca nas suas águas». No mesmo sentido, um artigo do The Guardian, menciona que «mais de 40% dos stocks comerciais das águas da UE foram pescados acima dos pareceres em 2021».

Mineração em Mar Profundo

A Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM) explica que na ZEE «os Estados costeiros exercem a sua soberania e jurisdição nos termos previstos na CNUDM» (Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar), «detendo o direito a explorar, gerir e conservar os recursos naturais aí existentes, vivos e não vivos, das águas sobrejacentes ao leito do mar e do seu subsolo, incluindo a exploração e aproveitamento dos recursos energéticos renováveis, a partir do vento, das ondas e das correntes marinhas».

De acordo com o website da Direção Regional do Mar — DRMar (um órgão pertencente à Secretaria Regional do Mar e Pescas criado na nova estrutura do Governo Regional da Madeira), «no presente e à escala global, assiste-se a um crescente interesse nos recursos minerais metálicos e não metálicos existentes no solo e subsolo marinho, acompanhado de iniciativas concretas para a prospeção e em alguns casos exploração desses recursos”. A nível de aplicações diretas, a DRMar aborda sobre os benefícios para as «tecnologias suscetíveis de fornecer energia a partir de fontes renováveis” que “requerem cada vez mais a utilização de metais que, nuns casos, são escassos ou de difícil recuperação em terra».

Sobre a tipologia de metais em mar profundo, a DRMar oferece diversos exemplos, um deles, os «depósitos de sulfuretos polimetálicos» encontrados no fundo dos oceanos, que são convertidos em diversos metais através das chamadas «chaminés hidrotermais» — uma fissura na crosta oceânica criada em zonas de fronteiras divergentes de placas tectónicas. 

O processo decorre com a água do mar a atravessar a fissura da crosta oceânica, onde as temperaturas podem chegar aos 400 ° graus e reage com os minerais presentes, potenciando a criação de metais como ferro, cobre, zinco, estanho, ouro, prata e selénio.

Ana Matias refere que a «prospeção de minérios a estas profundidades não é possível ser feita de forma sustentável, pelo facto de ainda existir um elevado desconhecimento da humanidade sobre a biodiversidade marinha nestes lugares» – sempre que o homem faz explorações nas profundezas do oceano «são encontradas dezenas de novas espécies». Por outro lado, a especialista salienta que este é dos poucos locais da terra que ainda permanecem intocados e que a sua perturbação pode colocar em risco os seres vivos mais antigos na terra (corais), «visto que este trabalho não é feito de forma cirúrgica». Mais grave ainda, «esta prospeção poder afetar a cadeia trófica», o fenómeno de todas as espécies estarem interligadas, por existirem cadeias alimentares, que fazem com que dependam de umas das outras para a sua sobrevivência, referindo que avançar com a exploração destes minérios pode «provocar uma disrupção da cadeia trófica e do ecossistema como um todo, ameaçando a sobrevivência das espécies que vivem à superfície».

Pode ainda dar-se o «levantamento de plumas de sedimentos poluentes que acabam por ser consumidos por peixes menores que são alimento de outros predadores», refere a bióloga marinha. Ou seja, «no fim do processo o ser humano irá consumir peixe contaminado». Para além disto, a bióloga também afirma que a poluição sonora neste tipo de exploração tem um alcance que facilmente «chega até 500km», algo especialmente alarmante tendo em conta «que várias espécies a esta profundidade guiam-se pelo som». E por fim, outra preocupação enunciada, são as calotas de C02 que se encontram no fundo dos oceanos, pois, caso esta atividade prossiga poderá «provocar o levantamento de bolhas de dióxido de carbono e tornar os oceanos, grandes emissores de carbono, com graves consequências para as alterações climáticas».

Exploração sustentável do mar

Com 30km de orla costeira, Cascais é um município privilegiado na relação com o mar. Carlos Carreiras, presidente de Câmara, fala, ainda assim, num «oceano de oportunidades que estão a ser desaproveitadas».

Tomando como ponto de partida o «conjunto de espécies que ainda não são conhecidas», o autarca elenca que se «aproveitarmos essa biodiversidade de forma sustentável pode-nos abrir caminhos que não imaginamos». E explica que no seu município está em marcha «um projeto de fazer florestas marinhas». Quanto aos benefícios das florestas marinhas, aponta que podem «aumentar o recurso a nível piscícola» e «absorver dióxido de carbono», «além de algumas destas plantas poderem ser utilizadas (como já são) para a alimentação». Num mundo com «falta de recursos, quebra de biodiversidade e extinção de espécies», continua, podemos encontrar no mar «uma resposta muito superior àquilo que vem sido perdido», ou seja, os recursos aí encontrados poderão compensar os danos que foram provocados em terra pelo ser humano.

Conhecer toda a cadeia de valor

Carlos Carreiras enfatiza a importância de compreendermos o que abrange a cadeia de valor associada ao mar. E apresenta como exemplo as regatas realizadas em Cascais, que são «das que têm maior prestígio a nível mundial». Por outro lado, não esquece «toda a componente histórica, patrimonial e cultural», referindo que «a notícia sobre Cascais que mais correu o mundo foi sobre a descoberta do canhão de uma nau da Índia que foi encontrada pouco antes do Bugio». Mais recentemente, revela, foram descobertos «canhões da armada inglesa, quando vieram ajudar Portugal a defender-se das invasões napoleónicas”. Carreiras defende, por isso, que se desenvolva “uma cultura nova, que ponha o mar como o nosso principal ativo”.

Aquacultura

Com os dados a apontarem para ter sido atingido o limite das quotas de captura de pescado, a aquacultura aparece como uma das opções mais promissoras para contornar este problema.

Isidro Blanquet, o secretário-geral da Associação Portuguesa de Aquacultura (APA), resume o que já foi feito nesta atividade. Portugal produz hoje «corvina, robalo, dourada e lírio (mais comum nos Açores) em produções piscícolas offshore», sendo «a região costeira do Algarve, a sul do país, o território mais propenso para este tipo de culturas». Por outro lado, Blanquet relembra o «potencial da produção de bivalves em alto mar» que tem sido aproveitado pela Finisterra e a Testa e Cunha, especializadas na produção de mexilhão, enquanto a «Oceano Fresco tem feito trabalhos experimentais com a ameijoa». Em 2020, a Oceano Fresco construiu o primeiro viveiro em mar aberto de ameijoas no mundo, a 5 km da costa do Alvor. O portal sapo24 avançava em abril de 2022 que a empresa espera que o volume de negócios atinja «os 250 milhões de euros em sete anos».

O secretário-geral da APA nota que neste momento «estamos a 5% das nossas capacidades» e que uma boa parte do problema está relacionado «com burocracias e enormes dificuldades em licenciamento». Motivo? As aquaculturas situam-se «normalmente em áreas costeiras ou de estuários onde existe água disponível e de melhor qualidade» e «esses locais são geralmente áreas naturais protegidas, em que o conceito de proteger é simplesmente não deixar fazer nada». Na continuação das críticas, Blanquet vai mais longe e acusa de «ignorância, ou má intenção» as autoridades da conservação da natureza, «que omitem que esses habitats foram construídos pelo homem, na sua atividade de aquacultura e produção de sal, e que se não fosse a intervenção humana já há muito tempo que teriam desaparecido por ação do mar». «Enquanto optarem por uma visão museológica da conservação da natureza e resumirem a sua ação apenas à atividade fiscalizadora e emissão de pareceres negativos, todos ficamos a perder», resume.

Por último, elenca que as licenças para a atividade de aquacultura, de dez anos com possibilidade de renovação por outros dez, são insuficientes, dado que «os potenciais grandes investidores não conseguem recuperar o investimento em tão curto prazo», lembrando que «uma unidade de aquacultura pode levar um a dois anos de construção e os peixes necessitam de mais dois anos para atingirem o tamanho comercial». 

Parques eólicos marítimos 

Entre os inúmeros possíveis aproveitamentos da ZEE, um setor que não pode ser esquecido é o da energia.
Na área dos parques eólicos marítimos, Portugal até se encontra numa fase relativamente avançada. Em 2020 foi operacionalizado na costa de Viana do Castelo o primeiro parque eólico marítimo flutuante semissubmersível no mundo, o Wind Float Atlantic Portugal. Composto por três turbinas, produz eletricidade capaz de abastecer 25 mil casas por ano. 

Clara de Moura Santos, vice-presidente de operações e manutenção da Principle Power, um dos maiores players deste setor, comenta ao Nascer do Sol que a empresa, «além de ser designer da plataforma semi-submersível – WindFloat – é também a responsável pela operação, inspeção, manutenção e reparação da mesma».

Portugal acolheu de 27 de junho a 1 de julho de 2022 a segunda Conferência dos Oceanos das Nações Unidas e uma das principais ideias que saíram da conferência foi «apostar na produção de energias renováveis oceânicas com vista a atingir 10 gigawatts de capacidade até 2030». Clara de Moura Santos considera que para atingir-se esta meta será necessário que «sejam definidas as áreas para projetos, pontos de injeção na rede, definição dos processos de licenciamento e respetivo calendário de execução, mecanismos de renumeração, incluindo duração dos contratos e responsabilidades e mecanismos de leilão (qualificação, licitação e adjudicação)» para estas regiões. A Principle Power, revela a responsável, está «ativamente envolvida em projetos, com turbinas até 15MW a serem instalados até 2030». E Clara de Moura Santos acredita que «até ao fim da década será possível que a indústria se desenvolva para turbinas até 20MW no mercado».

Sobre as potencialidades de utilização destas plataformas eólicas em mar aberto, menciona que «estima-se que, em Portugal, cerca de 90% da capacidade eólica» (marítima) «se localize em áreas com profundidade superior a 60m», elencando que «a tecnologia flutuante, não estando limitada pela profundidade de uma determinada área offshore», o que «permite que os parques eólicos sejam instalados para lá» da capacidade «visual, fora de típicas rotas de migração das aves, ou fora de típicas zonas de pesca», acrescentando que «o desenvolvimento de uma indústria de offshore wind em Portugal terá relevante impacto» na criação de emprego.

Quanto às limitações tecnológicas, a vice-presidente de operações e manutenção da Principle Power comenta que atualmente «a maior profundidade a que já se instalou tecnologia flutuante são 200m». Mas já estão em curso «estudos de engenharia para projetos com profundidades até 1500m». Em teoria, «não há um limite teórico para a instalação da tecnologia» sendo o único entrave o «aumento dos custos associados ao projeto».

Perigo de perda da ZEE 

Estará Portugal a dar a atenção que devia à sua ZEE? Um artigo publicado no Diário de Notícias a 21 de agosto de 2019 dava conta de «dúvidas […] levantadas pela subcomissão de Limites da Plataforma Continental da ONU» após a proposta portuguesa de aumento da ZEE.

Ao Nascer do SOL, Tiago Pitta e Cunha, presidente da Fundação Oceano Azul e vencedor do prémio Pessoa em 2021 pelo seu trabalho em prol do aproveitamento dos recursos marítimos, assegura que não pode estar em causa o encurtamento da ZEE, dado que é algo acordado e estabelecido no Direito do Mar das Nações Unidas. Existe, sim, a possibilidade de alargamento da ZEE, dada a proposta portuguesa feita «à comissão de delimitação da plataforma continental das Nações Unidas», estando a decorrer uma «negociação que podia ampliar em 150 milhas náuticas o território da ZEE» e permitir «a exploração do leito oceânico», mas não da «coluna de água», ao contrário da ZEE (com 200 milhas náuticas), que inclui ambos. Pitta Cunha relembra que o Governo não detém «soberania sobre estas águas» tratando-se de um território, tal como o nome indica, de «exclusividade económica» e consequentemente destinado à procura de «benefícios na exploração de recursos».

O que se retira disto tudo?

Uma das conclusões que saíram da Conferência dos Oceanos da ONU, em Lisboa, foi garantir «que 100% do espaço marítimo sob soberania ou jurisdição portuguesa seja avaliado em Bom Estado ambiental». O que à partida não deve ser apontado como um obstáculo para o crescimento económico a partir do território marítimo: simplesmente deve ser garantido um desenvolvimento sustentável que cumpra com a legislação Europeia e que se procure um aumento da vontade política em conhecer e implementar toda a cadeia de valor associada ao mar. Sendo a principal preocupação um sistema excessivamente burocratizado que pode constituir um entrave a esse desígnio.
* Texto editado por José Cabrita Saraiva