A FIFA e a Associação Europeia de Clubes (ECA), da qual fazem parte o Benfica, Sporting, FC Porto, Braga e Marítimo, assinaram, recentemente, um memorando de entendimento válido até final de 2030. O novo acordo permite à FIFA refazer os calendários internacionais – numa primeira fase desagradou à maioria dos clubes – e obter maior rentabilidade financeira através da maximização das receitas e da rentabilização dos intervalos que ainda existem nos calendários. Em troca, a entidade que regula o futebol mundial garante a estabilidade financeira dos clubes através de chorudos prémios de participação no renovado Mundial de clubes e com o aumento em 70% do prémio a pagar pela cedência de jogadores às seleções nacionais. A futura competição de clubes deverá ter um valor superior a 2,8 mil milhões de euros por edição, prometendo largos milhões de euros em prémios às equipas participantes. Em relação ao futebol de seleções, os valores vão aumentar dos 194 milhões de euros pagos nos Mundiais de 2018 e 2022 para 355 milhões nos Mundiais de 2026 e 2030. O aumento dos valores atribuídos pela FIFA coincide com o acréscimo de 50% do número de jogadores nos próximos mundiais, que vão ser disputados por 48 seleções (12 grupos de quatro equipas) e vão ter 104 jogos ao longo de 39 dias.
Os clubes que integram a ECA comprometeram-se a aderir ao novo calendário internacional, nomeadamente ao Mundial de clubes, a organizar a partir de 2025. Neste momento, falta apenas decidir qual o país sede da competição que durará um mês. Haverá também um jogo entre o vencedor da Liga dos Campeões da UEFA e o vencedor do play-off entre os campeões das outras confederações. Ficou em aberto a possibilidade de ser criado um Mundial de futebol feminino.
O presidente do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol (SJPF), Joaquim Evangelista, admitiu que «sendo o Mundial de clubes uma aposta da FIFA, não é de estranhar que tenha trabalhado para convencer os clubes com o argumento de ganhos económicos. Nesse sentido, o consentimento da ECA era expectável». Contudo, há aspetos que levantam dúvidas ao presidente do sindicato. «É difícil encarar sem reservas um Mundial de clubes com esta dimensão, a somar a todas as outras competições que compõem o calendário desportivo nacional e internacional. Do ponto de vista do espetáculo e da questão financeira pode ser vantajoso para os jogadores de elite, que gostam de se superar nas grandes competições», mas deixou o alerta: «Há uma sobrecarga competitiva com impacto na saúde e bem-estar dos atletas, e dificuldades acrescidas para que seja garantido o direito a um período mínimo e contínuo de férias».
Mais jogos, mais dinheiro
O novo Mundial de clubes vai realizar-se de quatro em quatro anos e passa de sete para 32 equipas em representação das seis confederações da FIFA: UEFA (Europa), CONMEBOL (América do Sul), CONCACAF (América do Norte, Central e Caribe), CAF (África), AFC (Ásia) e OFC (Oceania) (1) e uma vaga para um clube convidado. As equipas serão divididas em oito grupos de quatro equipas, as duas primeiras de cada grupo passam à fase de eliminação direta. Cada país terá, no máximo, dois clubes, deste modo é possível que algum clube português possa ocupar uma das 12 vagas atribuídas à UEFA. Os critérios de seleção têm em conta o período competitivo entre 2021 e 2024 e, no caso da Europa, os quatro campeões europeus são apurados automaticamente, bem como as oito equipas mais bem classificadas no ranking europeu, tendo em conta os resultados das quatro épocas anteriores. Já existem clubes classificados para a nova competição: Real Madrid e Chelsea (UEFA), Palmeiras e Flamengo (CONMEBOL), Al Ahly e Wydad Casablanca (CAF), Monterrey e Seattle Sounders (CONCACAF) e Al Hilal (AFC). «É um marco importante para o futuro do futebol e para a sua estabilidade a longo prazo. Renovar o acordo com a ECA e ter o apoio ao novo calendário internacional de jogos garante o equilíbrio entre o futebol de clubes e de seleções. As melhores equipas do mundo vão participar e esperam-nos projetos emocionantes», disse o presidente da FIFA, Gianni Infantino. O responsável máximo da ECA, Al-Khelaifi, afirmou que «o novo memorando reconhece o papel central dos clubes no futebol global. Estamos entusiasmados por trabalhar de forma estreita com a FIFA para assegurar que as receitas das novas competições no futebol masculino e feminino são bem dividas pelos clubes». Al-Khelaifi, que é também dono do PSG, teve uma jogada de mestre: convenceu os clubes a aceitarem as ideias da FIFA ao mesmo tempo que ‘matou’ o projeto da criação da Superliga europeia.
O descanso fica para depois
O novo calendário representa mais estágios e jogos internacionais para os atletas, que já têm um calendário intenso. Alguns especialistas avisaram que os jogadores não deviam ter níveis de intensidade tão altos, nem cargas físicas elevadas. O jogador de futebol tem de ser visto como um ser humano, com as fragilidades próprias que os seres humanos têm. Cada vez há mais jogadores com lesões, outros com dificuldade em recuperar, além da quebra da performance desportiva.
O presidente do SJPF é da mesma opinião: «É mais um fator de sobrecarga competitiva para os atletas de elite. Nenhum prémio monetário afasta os efeitos nefastos na saúde e bem-estar dos jogadores. Têm sido várias as vozes de alerta, suportadas por estudos realizados pela FIFPro, sobre o facto de os calendários atuais impedirem a manutenção da melhor condição física, o tempo de recuperação necessário e o repouso físico e mental adequados», afirmou Joaquim Evangelista. «É questionável o quanto desse anunciado aumento do valor dos prémios vai chegar aos jogadores, sendo aconselhável que, como se fez recentemente para o Mundial feminino, haja uma quota mínima garantida a ser redistribuída pelos atletas», acrescentou.
Entre competições nacionais, taças europeias e jogos de seleções, os jogadores praticamente não descansam. A FIFPro criou a plataforma Player Workload Monitoring para monitorizar a carga de trabalho dos jogadores e os resultados são impressionantes. O inquérito realizado a 1 055 jogadores das ligas inglesa, francesa, italiana e espanhola, indica, de forma clara, que os futebolistas querem descansar mais e viajar menos, e apenas 26% dos jogadores querem manter o quadro atual.
O dirigente do sindicato receia que esta nova realidade influencie a parte desportiva. «Desconhecem-se estudos aprofundados sobre o impacto dessa prova no ecossistema desportivo e o desequilíbrio financeiro que poderá provocar nas ligas domésticas, o que é motivo de preocupação. Manter esse equilíbrio é fundamental para a valorização das ligas e estabilidade das relações laborais de todos os jogadores», concluiu.