Nota prévia: Não se pode dizer que o Público seja um jornal especulativo. Antes pelo contrário. É tido como um órgão de referência e de boas práticas. Por isso, vale a pena olhar para manchetes da semana passada para ter uma ideia do país que agora somos. Vejamos: “Para responder à procura são precisas mais 50 mil vagas nos lares das IPSS”; “Só um aumento de 10% das pensões em 2024 compensa perdas deste ano”; “Cansaço e serviços mínimos estão a tirar fôlego às greves dos professores”; “Número de portugueses sem médico de família subiu para 1,6 milhões”; “ Amas -Setor social ainda não pagou aumentos anunciados para Janeiro”; “Manifestações pela Habitação: “Isto é mesmo importante. A gente precisa de casa para viver”; Bens alimentares põem Portugal com a inflação mais alta da Europa em Março”. Há comentários que são inúteis e redundantes perante factos. Mais palavras para quê?
1. Os mais recentes acontecimentos à volta de casos politicamente muito graves, que vão de empresas do Estado à degradação das condições de vida dos portugueses, exigiam uma intervenção inequívoca do Presidente da República. Marcelo pensou e falou ontem em Murça, anunciando que vai deixar andar a bandalheira. Dito de outro modo, amochou. Perante a sucessão de escândalos, Marcelo Rebelo de Sousa sente-se impotente e vai manter-se conformado, limitando-se a dar umas indiretas e uns puxões de orelhas que Costa, como sempre, ignorará olimpicamente com uns sorrisos e umas palmadas nas costas. Temos, na prática, um presidente objetivamente alheio à dissolução moral e ética para a qual o Governo arrasta o país. Marcelo, no fundo, segue as sondagens. São elas que o movem e condicionam. Só, eventualmente, atuará quando elas forem claras relativamente a uma alternativa. O Presidente mostrou-se ontem ao melhor jeito do cata-vento que Passos Coelho não queria em Belém. A suavidade que exibiu ameaça torná-lo cúmplice ou até interventor na sucessão de trapalhadas da maioria (para evitar a expressão trapalhices, eventualmente mais adequada). Nisso difere profundamente de todos os seus antecessores eleitos. Marcelo indefere, supostamente por causa de uma conjuntura diferente, a hipótese de atuar como fez Sampaio por muito menos. Para Marcelo, não há razões para acreditar que António Barreto tem razão quando escreveu sábado no Público que ”nunca na história do nosso país o espaço público esteve, como hoje, tão desacreditado, a mentira tão frequente, o engano tão presente e a falsidade tão usada”. Confrontado com as circunstâncias que justificam esta realidade dramática, o Presidente nem sequer decidiu institucionalizar as suas razões. Formalizou-as antes de ir petiscar e depois de ter estado presente numa cerimónia de homenagem ao Soldado Milhões, um herói português símbolo de coragem. Marcelo não enfrentou a situação, driblou-a. Entre ser firme e exigente com o Governo ou mesmo demiti-lo, abrindo caminho a uma dissolução da Assembleia, optou pela advertência suave e uma catadupa de autojustificações piedosas, como Marques Mendes preanunciou na véspera. Não deu sequer um murro na mesa, talvez com medo de fraturar um osso da mão. Decidiu outra vez esvaziar o balão. Ofereceu espaço para que tudo fique na mesma, dando rédeas a que Costa e o seu núcleo duro exibam a sua prepotência e incompetência com toda a impunidade nas barbas do próprio Presidente. Confrontado com uma sucessão de incompetências governamentais e da maioria, o Presidente falou e amochou. Poderá até dizer-se que Costa foi mais severo para o seu próprio Governo quando, antes de oportunamente se pirar até à Coreia do Sul, disse, sem se rir, que, se soubesse do email em que o secretário de Estado defendia uma alteração de um voo da TAP para supostamente agradar Belém, teria obrigado Pedro Nuno Santos a demitir Hugo Mendes na hora. Moral da história, as sondagens é que mandam, mesmo se elas se têm revelado profundamente erradas. Habituem-se!
2. É mais do que óbvia a impossibilidade do deputado do PS Carlos Pereira se manter na comissão de inquérito à gestão da TAP, depois de se saber que foi um dos presentes numa sessão de “coaching” para preparar e condicionar o depoimento da CEO da empresa no parlamento em janeiro, numa outra ida à suposta casa da democracia. Uma coisa dessas era impensável. E as explicações segundo as quais teria sido a secretária do deputado a convocar o “briefing” é tomar os portugueses por parvos. Em rigor, Carlos Pereira devia ser devolvido à sua vida na Madeira, seja qual for a área, esperando que não seja só no Estado ou em funções para-políticas, como o seu curriculum indicia. O mais certo, porém, é continuar onde está, dado que só o PSD e o Chega se indignaram com a situação. E assim se deteriora a democracia.
3. Falando no PS, é de assinalar uma reflexão de Vítor Ramalho, um soarista dos sete costados. No Público, Vítor Ramalho escreve que “face à incerteza(…) é muito importante que os militantes do PS(…) incentivem um debate alargado sobre o rumo da marcha a seguir pelo país”. Para Ramalho, “os estudos e sondagens recentes denunciam a existência de um desencanto geral, incluindo da política e da forma de seleção dos políticos, que mina e afeta a esperança no futuro”. Apesar disso, o histórico socialista acredita que “a alternativa ao PS é o próprio PS”. Vítor Ramalho tem sido um, dinamizador das relações entre os países lusófonos enquanto secretário-geral da UCCLA. Foi também um grande impulsionador do crescimento socialista a sul de Lisboa, onde se impôs ao PCP. Ali despontaram muitos dos governantes e dirigentes do partido de hoje, boa parte dos quais são o melhor de um mau governo. O seu alerta não deveria, portanto, ser ignorado.
4. Está a registar-se uma transferência enorme de contas a prazo para a compra de Certificados de Aforro. Quem tem algumas poupanças foge assim da incapacidade da nossa banca, gerida por bancários e não por banqueiros (não há um único) que não sabem multiplicar dinheiro em negócios saudáveis, como se vê muitas vezes pelas chamadas imparidades. Os nossos bancos não têm que se incomodar muito para lucrarem. Remuneram a 0,5% o dinheiro dos depósitos. Entretanto, colocam-no junto do BCE do qual recebem cerca de 3%. Além disso, compõem as contas com comissões pornográficas, cobrando até o que deveria ser gratuito. Se a fuga dos depósitos não é alarmante para os bancos, há, porém, outras instituições que podem sofrer muito. É, potencialmente, o caso da Associação Mutualista Montepio Geral, que vive em notória instabilidade. Há que ver a dimensão das quebras em aplicações novas ou se, no momento da renovação, os associados não optam também pelos certificados. Um caso a acompanhar pelo efeito boomerang que pode ter no lato universo Montepio, onde muita gente tem ordenado de futebolista de topo. O presidente da Mutualista ganha 415 mil euros/ano, os quatro coleguinhas 365 mil euros/ano os dois não executivos 130 mil euros/ano. Escusado será dizer que muita desta gente é mais conhecida pela politica do que pela vida profissional. É o que temos.
5. É abjeta a tendência cultural woke quando chega ao ponto de impor que livros de escritores falecidos sejam reescritos (ou melhor retificados) em função de valores submissos a um novo politicamente correto. Desde logo, trata-se de uma violação do Direito de Autor, mesmo que feita por herdeiros legais. Que tal aconteça em certos países onde o wokismo se está a impor lentamente (designadamente os anglo-saxónicos) é com eles. Há que evitar que a praga chegue cá. Com tanta lei inútil, talvez fosse a altura de fazer uma para nos evitar a contaminação.
6. Recentemente escreveu-se aqui que o regresso do calor iria trazer problemas antigos. Um deles era a falta de vigilância nas praias. E aconteceu mesmo. Quando há milhares de banhistas a afluírem às praias num tempo de férias pascais, faltaram em sítios óbvios meios de vigilância e perderam-se vidas. É verdade que houve vários salvamentos em zonas onde havia socorristas. Essa normalidade logo deu origem a reportagens laudatórias sobre o que se exige. Funcionou a máquina de propaganda no topo da qual está um conhecido almirante que fascina jornalistas embasbacados. É verdade que alguns dos acidentes são culpa das vítimas, mas não se pode generalizar essa explicação piedosa. Falta sensibilização, mas faltam sobretudo nadadores salvadores. Num país com tanta costa e cujo principal negócio é o turismo, é inaceitável.
A inútil espera por Marcelo
Confrontado com uma sucessão de incompetências governamentais e da maioria, o Presidente falou e amochou.
JORNAL I
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Edição de
A inútil espera por Marcelo
Confrontado com uma sucessão de incompetências governamentais e da maioria, o Presidente falou e amochou.
Nota prévia: Não se pode dizer que o Público seja um jornal especulativo. Antes pelo contrário. É tido como um órgão de referência e de boas práticas. Por isso, vale a pena olhar para manchetes da semana passada para ter uma ideia do país que agora somos. Vejamos: “Para responder à procura são precisas mais 50 mil vagas nos lares das IPSS”; “Só um aumento de 10% das pensões em 2024 compensa perdas deste ano”; “Cansaço e serviços mínimos estão a tirar fôlego às greves dos professores”; “Número de portugueses sem médico de família subiu para 1,6 milhões”; “ Amas -Setor social ainda não pagou aumentos anunciados para Janeiro”; “Manifestações pela Habitação: “Isto é mesmo importante. A gente precisa de casa para viver”; Bens alimentares põem Portugal com a inflação mais alta da Europa em Março”. Há comentários que são inúteis e redundantes perante factos. Mais palavras para quê?
1. Os mais recentes acontecimentos à volta de casos politicamente muito graves, que vão de empresas do Estado à degradação das condições de vida dos portugueses, exigiam uma intervenção inequívoca do Presidente da República. Marcelo pensou e falou ontem em Murça, anunciando que vai deixar andar a bandalheira. Dito de outro modo, amochou. Perante a sucessão de escândalos, Marcelo Rebelo de Sousa sente-se impotente e vai manter-se conformado, limitando-se a dar umas indiretas e uns puxões de orelhas que Costa, como sempre, ignorará olimpicamente com uns sorrisos e umas palmadas nas costas. Temos, na prática, um presidente objetivamente alheio à dissolução moral e ética para a qual o Governo arrasta o país. Marcelo, no fundo, segue as sondagens. São elas que o movem e condicionam. Só, eventualmente, atuará quando elas forem claras relativamente a uma alternativa. O Presidente mostrou-se ontem ao melhor jeito do cata-vento que Passos Coelho não queria em Belém. A suavidade que exibiu ameaça torná-lo cúmplice ou até interventor na sucessão de trapalhadas da maioria (para evitar a expressão trapalhices, eventualmente mais adequada). Nisso difere profundamente de todos os seus antecessores eleitos. Marcelo indefere, supostamente por causa de uma conjuntura diferente, a hipótese de atuar como fez Sampaio por muito menos. Para Marcelo, não há razões para acreditar que António Barreto tem razão quando escreveu sábado no Público que ”nunca na história do nosso país o espaço público esteve, como hoje, tão desacreditado, a mentira tão frequente, o engano tão presente e a falsidade tão usada”. Confrontado com as circunstâncias que justificam esta realidade dramática, o Presidente nem sequer decidiu institucionalizar as suas razões. Formalizou-as antes de ir petiscar e depois de ter estado presente numa cerimónia de homenagem ao Soldado Milhões, um herói português símbolo de coragem. Marcelo não enfrentou a situação, driblou-a. Entre ser firme e exigente com o Governo ou mesmo demiti-lo, abrindo caminho a uma dissolução da Assembleia, optou pela advertência suave e uma catadupa de autojustificações piedosas, como Marques Mendes preanunciou na véspera. Não deu sequer um murro na mesa, talvez com medo de fraturar um osso da mão. Decidiu outra vez esvaziar o balão. Ofereceu espaço para que tudo fique na mesma, dando rédeas a que Costa e o seu núcleo duro exibam a sua prepotência e incompetência com toda a impunidade nas barbas do próprio Presidente. Confrontado com uma sucessão de incompetências governamentais e da maioria, o Presidente falou e amochou. Poderá até dizer-se que Costa foi mais severo para o seu próprio Governo quando, antes de oportunamente se pirar até à Coreia do Sul, disse, sem se rir, que, se soubesse do email em que o secretário de Estado defendia uma alteração de um voo da TAP para supostamente agradar Belém, teria obrigado Pedro Nuno Santos a demitir Hugo Mendes na hora. Moral da história, as sondagens é que mandam, mesmo se elas se têm revelado profundamente erradas. Habituem-se!
2. É mais do que óbvia a impossibilidade do deputado do PS Carlos Pereira se manter na comissão de inquérito à gestão da TAP, depois de se saber que foi um dos presentes numa sessão de “coaching” para preparar e condicionar o depoimento da CEO da empresa no parlamento em janeiro, numa outra ida à suposta casa da democracia. Uma coisa dessas era impensável. E as explicações segundo as quais teria sido a secretária do deputado a convocar o “briefing” é tomar os portugueses por parvos. Em rigor, Carlos Pereira devia ser devolvido à sua vida na Madeira, seja qual for a área, esperando que não seja só no Estado ou em funções para-políticas, como o seu curriculum indicia. O mais certo, porém, é continuar onde está, dado que só o PSD e o Chega se indignaram com a situação. E assim se deteriora a democracia.
3. Falando no PS, é de assinalar uma reflexão de Vítor Ramalho, um soarista dos sete costados. No Público, Vítor Ramalho escreve que “face à incerteza(…) é muito importante que os militantes do PS(…) incentivem um debate alargado sobre o rumo da marcha a seguir pelo país”. Para Ramalho, “os estudos e sondagens recentes denunciam a existência de um desencanto geral, incluindo da política e da forma de seleção dos políticos, que mina e afeta a esperança no futuro”. Apesar disso, o histórico socialista acredita que “a alternativa ao PS é o próprio PS”. Vítor Ramalho tem sido um, dinamizador das relações entre os países lusófonos enquanto secretário-geral da UCCLA. Foi também um grande impulsionador do crescimento socialista a sul de Lisboa, onde se impôs ao PCP. Ali despontaram muitos dos governantes e dirigentes do partido de hoje, boa parte dos quais são o melhor de um mau governo. O seu alerta não deveria, portanto, ser ignorado.
4. Está a registar-se uma transferência enorme de contas a prazo para a compra de Certificados de Aforro. Quem tem algumas poupanças foge assim da incapacidade da nossa banca, gerida por bancários e não por banqueiros (não há um único) que não sabem multiplicar dinheiro em negócios saudáveis, como se vê muitas vezes pelas chamadas imparidades. Os nossos bancos não têm que se incomodar muito para lucrarem. Remuneram a 0,5% o dinheiro dos depósitos. Entretanto, colocam-no junto do BCE do qual recebem cerca de 3%. Além disso, compõem as contas com comissões pornográficas, cobrando até o que deveria ser gratuito. Se a fuga dos depósitos não é alarmante para os bancos, há, porém, outras instituições que podem sofrer muito. É, potencialmente, o caso da Associação Mutualista Montepio Geral, que vive em notória instabilidade. Há que ver a dimensão das quebras em aplicações novas ou se, no momento da renovação, os associados não optam também pelos certificados. Um caso a acompanhar pelo efeito boomerang que pode ter no lato universo Montepio, onde muita gente tem ordenado de futebolista de topo. O presidente da Mutualista ganha 415 mil euros/ano, os quatro coleguinhas 365 mil euros/ano os dois não executivos 130 mil euros/ano. Escusado será dizer que muita desta gente é mais conhecida pela politica do que pela vida profissional. É o que temos.
5. É abjeta a tendência cultural woke quando chega ao ponto de impor que livros de escritores falecidos sejam reescritos (ou melhor retificados) em função de valores submissos a um novo politicamente correto. Desde logo, trata-se de uma violação do Direito de Autor, mesmo que feita por herdeiros legais. Que tal aconteça em certos países onde o wokismo se está a impor lentamente (designadamente os anglo-saxónicos) é com eles. Há que evitar que a praga chegue cá. Com tanta lei inútil, talvez fosse a altura de fazer uma para nos evitar a contaminação.
6. Recentemente escreveu-se aqui que o regresso do calor iria trazer problemas antigos. Um deles era a falta de vigilância nas praias. E aconteceu mesmo. Quando há milhares de banhistas a afluírem às praias num tempo de férias pascais, faltaram em sítios óbvios meios de vigilância e perderam-se vidas. É verdade que houve vários salvamentos em zonas onde havia socorristas. Essa normalidade logo deu origem a reportagens laudatórias sobre o que se exige. Funcionou a máquina de propaganda no topo da qual está um conhecido almirante que fascina jornalistas embasbacados. É verdade que alguns dos acidentes são culpa das vítimas, mas não se pode generalizar essa explicação piedosa. Falta sensibilização, mas faltam sobretudo nadadores salvadores. Num país com tanta costa e cujo principal negócio é o turismo, é inaceitável.
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