Uma semana antes da publicação da edição de Abril-Maio da Playboy francesa, Marlène Schiappa conseguiu ofuscar as manifestações contra o aumento da idade da reforma. Integrando o Governo de Macron seria de esperar que tivesse sido publicamente louvada por esta notável capacidade de spin. Só conheço uma proeza comparável, ainda que no domínio da ficção, se bem que baseada nos deslizes da breguilha de Bill Clinton e que teriam motivado vários bombardeamentos no Afeganistão, Sudão, Iraque e ex-Jugoslávia, ao sabor da necessidade de afastar a atenção da comunicação social pelo manusear, alheio ao matrimónio, das partes pudendas do então ocupante da Casa Branca. O filme Wag the Dog (Manobras na Casa Branca na versão portuguesa) popularizou à escala planetária um conceito de manipulação informativa que a ciência política faz remontar à presidência de Lincoln.
Sendo a discriminação uma palavra de género feminino, Marlène teve direito a várias foto-montagens, quase todas simpáticas e todas falsas, em que mostrava, como escreveria Camilo, generosa carnadura, num dos casos com uma tatuagem constitucional evocando o mal amado § 3º do artigo 49º da Constituição de 1958. Hélas! as foto-montagens acabaram publicadas pela imprensa dita séria – em Portugal por dois jornais “de referência” – sem qualquer aviso em matéria de falsificação. Publicada a Playboy concluiu-se estar Marlène na capa em pose de Marianne, fitando o futuro, à direita, e vestida. Igual pudor nas fotos interiores que ilustram doze páginas de entrevista sobre temas “sérios”. Os motores de busca, sempre politicamente correctos, anunciam agora Marlène na Playboy mas com a indicação de que está “vestida”.
Os tempos são de censura e hoje, também por via da ditadura do “Pubic Hair Design”, não seria possível a Marina Ripa di Meana cruzar os braços em pelota e anunciar (como fez em 1996): “L’unica pelliccia che non mi vergogno d’indossare.” As reacções dos bem pensantes a Marina e a Marlène, separadas por 27 anos, são surpreendentemente próximas, unidas no negar do direito a dispor da própria imagem, seja o corpo (Marina) ou a alusão ao espaço comunicacional onde se costuma exibir o corpo (Marlène).
A mulher estrangeira (corsa…) que acumula e exerce o poder na corte (de Macron) tem um paralelo bíblico. Jezabel, aristocrata fenícia, casou com o rei Ahab de Israel, foi activa na vida política, perseguiu os profetas locais e foi por eles defenestrada, não sem antes se ter maquilhado e embelezado com os atributos do poder, incluindo uma peruca cerimonial. “Tenho, porém, contra ti o tolerares que essa mulher, Jezabel, que a si mesma se declara profetisa, não somente ensine, mas ainda seduza os meus servos a praticarem a prostituição e a comerem coisas sacrificadas aos ídolos. Dei-lhe tempo para que se arrependesse; ela, todavia, não quer arrepender-se da sua prostituição. Eis que a prostro de cama, bem como em grande tribulação os que com ela adulteram, caso não se arrependam das obras que ela incita.” (Apocalipse, 2:20-22).
Considerando as mais recentes desditas do XXIII Governo Constitucional, documentadas nos primeiros episódios da luta de mulheres na lama, comercializada como Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a TAP, será de esperar um qualquer grande acto de spin. Quem será o membro do Governo que, como veio ao mundo, irá abraçar o portfolio ministerial na capa de uma qualquer revista lusa?