No passado dia 18 de Março a Câmara Municipal de Lisboa presidida por Carlos Moedas entendeu – e muito bem – assinalar os 30 anos volvidos sobre o Programa Especial de Realojamento (PER), aprovado em 1993 pelo terceiro Governo de Aníbal Cavaco Silva, que teve como objecto a erradicação total das inúmeras bolsas de pobreza e miséria traduzidas nos imensos bairros de lata que existiam um pouco por todo o país, principalmente nas duas áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa.
Com especial incidência e dimensão na capital, eram dezenas as favelas espalhadas pelos vários concelhos limítrofes e, porquanto, largas as centenas de barracas ilegais, absolutamente miseráveis e sem as mínimas condições de habitabilidade, onde, porém, viviam famílias inteiras provenientes, na sua esmagadora maioria, das ex-colónias. Esta era, pois, uma realidade bem visível não apenas por todos os residentes nesses concelhos, como por todos quantos tendo aterrado no aeroporto de Lisboa mal entrassem num táxi em direcção aos seus destinos.
De resto essa realidade social habitacional originou – um mês antes da aprovação do PER – um dos momentos de maior tensão política entre os dois protagonistas da então “coabitação” entre órgãos de soberania, por força da “Presidência Aberta” que o Presidente da República Mário Soares resolveu realizar na área metropolitana de Lisboa, tendo como escopo “destapar” aos olhos do país inteiro aquela situação, através de uma cobertura mediática, sem precedentes, dos vários órgãos de comunicação social que, a par e passo, acompanhavam a comitiva presidencial em se incluíam os membros do Governo (Ministros e Secretários de Estado) responsáveis pelas respectivas pastas dos temas ali em causa. Recordo-me bem como essa histórica “Presidência Aberta” se tornou num acontecimento político, visto por muitos como uma clara manifestação oposicionista do Presidente Soares ao Governo Cavaco. Mas a verdade é que tal atitude acabou por funcionar positivamente na resolução do problema, actuando como elemento de pressão para que Cavaco Silva aprovasse o programa e o pusesse em marcha, como, aliás, acabou por acontecer e de uma forma bastante rápida e eficaz, tendo, para tanto, o Primeiro-Mistro e o seu Governo envolvido as autarquias em causa, muitas delas geridas pelo PS, como era o caso particular de Lisboa sendo Jorge Sampaio o Presidente da Câmara Municipal.
Vem esta conversa a propósito da mais recente intervenção pública do Presidente Cavaco Silva, precisamente na referida cerimónia evocativa do trigésimo aniversário do PER e que, como já vem sendo habitual, foi mais um grande momento político, com um discurso brutal não apenas virado para a efeméride que estava ali a ser comemorada, mas sim virado para as consequências que o futuro nos trará em resultado das decisões tomadas no presente e como tudo isso se compara com o que foi feito no passado. E quanto a essa matéria – tal como em todas as outras ocasiões e motivos diversos – a oportunidade não foi desperdiçada por Cavaco para uma vez mais demonstrar cabalmente a completa mediocridade e incompetência generalizada dos Governos Costa (especialmente este de maioria parlamentar), arrasando de A a Z tudo o que está na calha justamente no que à habitação diz respeito.
Se na primeira metade da década de noventa do século passado, quando Cavaco era PM, a determinada altura passou a contar com um PR que paulatinamente foi assumindo a “liderança” da oposição ao seu Governo (entre outras razões porque Soares não tinha qualquer confiança nas sucessivas lideranças do seu próprio partido, nomeadamente de Constâncio, de Sampaio e de Guterres). Hoje, do alto dos seus vigorosos 84 anos de idade, Cavaco Silva é – sem a mais ínfima sombra de dúvida – o líder, de facto, da oposição ao Governo de António Costa…
Mas como começa a ser demasiado óbvio o falhanço total da governação socialista, o actual Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa – que ao longo destes intermináveis sete anos de mandato "pop" nunca se mostrou noutra qualidade que não a de cúmplice operacional do Primeiro-Ministro – resolveu malhar fortemente no Governo e no PM a propósito daquela inenarrável lei da habitação, indo, porém, na crítica e no arraso muito além de Cavaco de quem nitidamente apanhou boleia, o que foi visto por muitos como o entornar definitivo do caldo entre Marcelo e Costa.
Só que não.
A visita que o Presidente da República e o Primeiro-Ministro, superiormente acompanhados pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros fizeram às caraíbas, no âmbito da cimeira ibero-americana, foi o momento certo e o local apropriado para pôr fim ao mal-estar que entre ambos se estava a desenvolver, tendo sido – pela voz do próprio Presidente – devidamente esclarecido que tudo aquilo, afinal, não passava de um mero mal entendido e de umas desinteligências sem importância, próprias aliás de amizades e relacionamentos verdadeiros e que, enfim, nada do que anteriormente dissera correspondia à verdade.
Pois bem, espero que os meus queridos amigos social-democratas que ainda acreditam numa viragem de actuação presidencial relativamente ao Governo tenham finalmente compreendido que isso jamais irá acontecer.
É que como muito bem sublinhou o Presidente Cavaco Silva, naquele magnífico discurso do passado dia 18 de Março, em política há uma coisa absolutamente fundamental que tem, necessariamente, de existir e por todos ser reconhecida aos principais protagonistas políticos para que se possa estabelecer uma relação de efectiva confiança entre eleitos e eleitores.
Essa coisa chama-se credibilidade e Cavaco tem “montes” dela!
Jurista
Escreve de acordo com a antiga ortografia.