O proibicionismo, mesmo quando bem-intencionado, tem consequências futuras particularmente pesadas. A proibição de actividades prejudiciais (as emissões de gases com efeito de estufa) deve ser acompanhada por uma cláusula de neutralidade tecnológica, concretizando a máxima lusitana que recomenda não colocar todos os ovos no mesmo cesto, evitando que, por via regulatória, se limitem a inovação e a criatividade. No combate às causas das alterações climáticas convém deixar a porta aberta a futuras soluções tecnológicas que permitam produzir energia de fontes renováveis de forma mais barata e globalmente eficiente. O que seja a eficiência (económica e ambiental) tem muito a ver com a integralidade do cálculo (qual o custo do ciclo completo das baterias para os veículos eléctricos?). Os custos económicos e sociais do abandono da cadeia logística e de distribuição dos combustíveis fósseis e da cadeia de produção, comercialização e manutenção do sector automóvel permitem avaliar os custos da descarbonização para os mais pobres. A diferença entre a angústia com o fim do mundo ou com o fim do mês pode e deve ser quantificada.
Os Illuminati do Berlaymont já deram provas bastantes dos perigos do tentar fazer o bem em nome do ambiente. A aposta feita nos biocombustíveis de primeira geração mostrou como a boa consciência europeia aumentou a fome no mundo, fazendo subir os preços de cereais e óleos vegetais, ao mesmo tempo que alterou drasticamente a escolha das culturas agrícolas e o uso dos solos. A União Europeia acabou por promover a escolha entre comida para os pobres ou energia para os ricos. Na tentativa de corrigir o erro tentamos agora usar como biomassa produtos que não integrem a dieta das populações (resíduos, reciclagem de óleos vegetais usados) o que é mais fácil de pregar do que fazer.
Esta semana tivemos mais um bom exemplo dos perigos das boas intenções. Anunciada a proibição em 2035 de novos veículos automóveis alimentados por combustíveis fósseis de origem não renovável, o desenho da sentença regulatória incluía o fim do motor de explosão. Alguns Estados e alguns fabricantes têm apostas sérias na mobilidade eléctrica. Mas tal não deve servir de pretexto para eliminar uma tecnologia em que a Europa é competitiva. As negociações da proibição permitiram a barganha entre franceses (que continuam a carimbar selos verdes na caderneta nuclear) e alemães (que conseguiram incluir no texto uma referência aos combustíveis neutros em carbono). De fora do negócio ficou a Itália que queria um estatuto de favor para os biocombustíveis.
E o que são combustíveis neutros em carbono? São combustíveis de síntese, nomeadamente os que resultam da mistura de CO2 (previamente capturado) e hidrogénio (que terá de ser produzido com recurso a energia renovável) e que emitem a mesma quantidade de CO2 que estava presente na mistura. A técnica dos combustíveis de síntese deu dois prémios Nobel a alemães (Fischer e Tropsch) e garantiu durante a segunda guerra mundial a principal fonte de hidrocarbonetos líquidos, sintetizados a partir do carvão, como ainda hoje acontece na África do Sul ou no Qatar, neste caso usando o gás natural como matéria prima. Estes combustíveis de síntese permitem manter a actual frota automóvel (os pobres e remediados agradecem; spoiler alert: são 95% dos portugueses), a cadeia logística dos combustíveis (com armazenagem a condições normais de pressão e temperatura), do fabrico, equipamento (moldes e peças) e da manutenção de automóveis. No caso português todas estas actividades correspondem a mais de 6% do PIB.
A aposta nos combustíveis de síntese também favorece a aposta no hidrogénio feita por Portugal, com origem no eólico offshore e no solar, aproveitando parte da produção eólica nocturna quando o vento é mais forte e o consumo de electricidade é reduzido. Quanto mais veículos forem alimentados com combustíveis sintéticos maior será a procura para o hidrogénio.