Do que eu me lembro ainda


O encarniçamento dos que odeiam ou culpam o progresso e dos que não admitem mais igualdade e mais justiça é visível e cresce dia-a-dia.


Um pouco por toda a Europa, começa a ser evidente a insatisfação das pessoas com as desigualdades e a suposta escassez que determina uma cada vez pior e mais injusta distribuição da riqueza no seio das sociedades dos países que a integram.

Por mais razões que sejam arguidas – a crise bancária, a pandemia, a guerra, a subida dos preços dos combustíveis, a inflação e de novo a crise bancária – começa a haver a sensação de que, para além das muito convenientes crises sucessivas, a sociedade está injustamente organizada e que essa é verdadeira razão para que o peso dos sacrifícios recaia sempre sobre os mesmos.

A consciência dessa injustiça não determina, porém, respostas sempre iguais do ponto de vista político.

Não deixa, por isso, de ser estranho, e ao mesmo tempo ameaçador, que figuras do lado extremo da direita se juntem, como começa a acontecer, às manifestações promovidas pelos movimentos sindicais desde sempre inspirados em visões políticas altruístas e exatamente opostas.

Paralelamente, por acaso ou talvez não, a maioria dos meios de comunicação social institucionais deixaram de manifestar qualquer sentido de isenção e assumem-se violentamente ao lado do status quo.

É hoje penoso ver, por exemplo, a TV portuguesa a assumir frontalmente as dores do presidente Macron e, como sucedeu recentemente – por engano ou nem por isso – sobrepor às imagens violentas de uma manifestação em Paris o som dos cânticos de professores portugueses que se manifestavam em Lisboa.

Sou do tempo – e assim reconheço ser já velho – em que, por norma, os meios de comunicação social de massas sempre procuravam mostrar alguma simpatia e solidariedade com os que se insurgiam com as injustiças de que eram vítimas.

Hoje, porém, a visibilidade que os media dão a tais manifestações de descontentamento só acontece quando, paralelamente, possam ajudar a derrubar situações políticas dúbias e os que ainda condescendem em manter as injustificáveis injustiças que originaram os protestos, mesmo sem terem passado o Rubicão, declarando-se, de vez e frontalmente, do lado das políticas antissociais.

É por essa razão – e isso sucede em toda a Europa – que o desnorte político das sociedades que nela coexistem se faz sentir e que aparecem, todos os dias, fenómenos e organizações político-sociais novas e de inspiração, origem, ou vocação indecifráveis.

A falta de coerência é tão grande neste espaço político, económico e social em que estamos inseridos que, quotidianamente, somos obrigados a olhar com espanto as injustificáveis dualidades de critérios ante os mesmos fenómenos.

Recordo, por exemplo, a não muita antiga e hostil reação da União Europeia à eleição, na Áustria, de um primeiro ministro de extrema-direita e, agora, o acolhimento benigno e quase simpático, que aquela deu, aos atuais governantes italianos.

Mas nem só das contradições ou do vergar de espinha se trata quando se analisam estes recentes fenómenos políticos.

Quem não se lembra das apreciações extremamente críticas e corporativamente empenhadas que os meios de comunicação social portuguesa fizeram do julgamento de uma rede de pedofilia, que culminou em algumas sentenças condenatórias confirmadas em sucessivos recursos pelos tribunais superiores.

Compare-se, agora, a forma pouco exigente, mas igualmente militante, como ela trata e se inflama com fenómenos semelhantes que aconteceram e acontecem no seio da igreja católica: mesmo que, neste caso, ainda não haja – como estou seguro que virá a acontecer –  acusações, julgamentos e condenações firmes.

Da consistência ou inconsistência destas suspeitas pouco se fala e esclarece, e poucos referem já, como antes faziam todos os dias, à presunção de inocência e aos direitos processuais.

A falta de coerência, de princípios, de rigor, de vergonha – enfim de coerência democrática – começa a envenenar e incendiar as sociedades democráticas europeias, mesmo que nada, nem ninguém, se possa, ainda, arvorar em orientador, dirigente e inspirador dos protestos que tais atitudes geram.

Estamos, pois, a viver um momento de grande indefinição e risco.

E o certo é que, os que defendem uma solução democrática e constitucional para ajudar a solucionar os problemas sociais atuais e os que – não a defendendo na prática – ainda assim pretendem, alegadamente, estar do lado da justiça, não conseguem acertar um compromisso e um rumo comum, certo e seguro que dê confiança e esperança atual à maioria das pessoas.

Esta indefinição constante e o desatino que provoca não podem, porém, durar muito, sem que deles resultem consequências políticas graves.

O encarniçamento dos que, por sua causa (ou sem ela), odeiam ou culpam o progresso e o dos que, além disso, não admitem sequer a ideia de uma maior igualdade e mais justiça social é já muito visível e cresce dia-a-dia.

Oportunidades para manipularem os que sofrem mais com a situação atual não faltam: os maus exemplos dos que se declaram democratas abundam e, além disso, são sempre amplamente noticiados e esquadrinhados até à exaustão.

Se os democratas – de todas as cores –, inclusive os que, sem praticar, ainda se arrogam de tal qualidade, não reagirem com um novo assomo de rigor e coerência, o resultado estará, em breve, à vista: teremos uma Itália dentro de portas.

Depois não se espantem, pois não haverá mais espaço noticioso para casos e casinhos, nem, tão pouco, para o habilidoso exercício mediático dos chamados factos políticos ou, sequer, para o uso desabalado de escândalos provocados por factos reais.

O «chefe» dirá o que é, e o que é terá, então, muita força: digo, toda a força.

Para trás – e muitos por terra – ficarão os que sofrem hoje as injustiças mais gritantes e, seguramente, também, alguns outros que não souberam ou não ousaram lutar contra elas.

Mas disso e desse tempo, eu que sou já velho, ainda me lembro.

 

Do que eu me lembro ainda


O encarniçamento dos que odeiam ou culpam o progresso e dos que não admitem mais igualdade e mais justiça é visível e cresce dia-a-dia.


Um pouco por toda a Europa, começa a ser evidente a insatisfação das pessoas com as desigualdades e a suposta escassez que determina uma cada vez pior e mais injusta distribuição da riqueza no seio das sociedades dos países que a integram.

Por mais razões que sejam arguidas – a crise bancária, a pandemia, a guerra, a subida dos preços dos combustíveis, a inflação e de novo a crise bancária – começa a haver a sensação de que, para além das muito convenientes crises sucessivas, a sociedade está injustamente organizada e que essa é verdadeira razão para que o peso dos sacrifícios recaia sempre sobre os mesmos.

A consciência dessa injustiça não determina, porém, respostas sempre iguais do ponto de vista político.

Não deixa, por isso, de ser estranho, e ao mesmo tempo ameaçador, que figuras do lado extremo da direita se juntem, como começa a acontecer, às manifestações promovidas pelos movimentos sindicais desde sempre inspirados em visões políticas altruístas e exatamente opostas.

Paralelamente, por acaso ou talvez não, a maioria dos meios de comunicação social institucionais deixaram de manifestar qualquer sentido de isenção e assumem-se violentamente ao lado do status quo.

É hoje penoso ver, por exemplo, a TV portuguesa a assumir frontalmente as dores do presidente Macron e, como sucedeu recentemente – por engano ou nem por isso – sobrepor às imagens violentas de uma manifestação em Paris o som dos cânticos de professores portugueses que se manifestavam em Lisboa.

Sou do tempo – e assim reconheço ser já velho – em que, por norma, os meios de comunicação social de massas sempre procuravam mostrar alguma simpatia e solidariedade com os que se insurgiam com as injustiças de que eram vítimas.

Hoje, porém, a visibilidade que os media dão a tais manifestações de descontentamento só acontece quando, paralelamente, possam ajudar a derrubar situações políticas dúbias e os que ainda condescendem em manter as injustificáveis injustiças que originaram os protestos, mesmo sem terem passado o Rubicão, declarando-se, de vez e frontalmente, do lado das políticas antissociais.

É por essa razão – e isso sucede em toda a Europa – que o desnorte político das sociedades que nela coexistem se faz sentir e que aparecem, todos os dias, fenómenos e organizações político-sociais novas e de inspiração, origem, ou vocação indecifráveis.

A falta de coerência é tão grande neste espaço político, económico e social em que estamos inseridos que, quotidianamente, somos obrigados a olhar com espanto as injustificáveis dualidades de critérios ante os mesmos fenómenos.

Recordo, por exemplo, a não muita antiga e hostil reação da União Europeia à eleição, na Áustria, de um primeiro ministro de extrema-direita e, agora, o acolhimento benigno e quase simpático, que aquela deu, aos atuais governantes italianos.

Mas nem só das contradições ou do vergar de espinha se trata quando se analisam estes recentes fenómenos políticos.

Quem não se lembra das apreciações extremamente críticas e corporativamente empenhadas que os meios de comunicação social portuguesa fizeram do julgamento de uma rede de pedofilia, que culminou em algumas sentenças condenatórias confirmadas em sucessivos recursos pelos tribunais superiores.

Compare-se, agora, a forma pouco exigente, mas igualmente militante, como ela trata e se inflama com fenómenos semelhantes que aconteceram e acontecem no seio da igreja católica: mesmo que, neste caso, ainda não haja – como estou seguro que virá a acontecer –  acusações, julgamentos e condenações firmes.

Da consistência ou inconsistência destas suspeitas pouco se fala e esclarece, e poucos referem já, como antes faziam todos os dias, à presunção de inocência e aos direitos processuais.

A falta de coerência, de princípios, de rigor, de vergonha – enfim de coerência democrática – começa a envenenar e incendiar as sociedades democráticas europeias, mesmo que nada, nem ninguém, se possa, ainda, arvorar em orientador, dirigente e inspirador dos protestos que tais atitudes geram.

Estamos, pois, a viver um momento de grande indefinição e risco.

E o certo é que, os que defendem uma solução democrática e constitucional para ajudar a solucionar os problemas sociais atuais e os que – não a defendendo na prática – ainda assim pretendem, alegadamente, estar do lado da justiça, não conseguem acertar um compromisso e um rumo comum, certo e seguro que dê confiança e esperança atual à maioria das pessoas.

Esta indefinição constante e o desatino que provoca não podem, porém, durar muito, sem que deles resultem consequências políticas graves.

O encarniçamento dos que, por sua causa (ou sem ela), odeiam ou culpam o progresso e o dos que, além disso, não admitem sequer a ideia de uma maior igualdade e mais justiça social é já muito visível e cresce dia-a-dia.

Oportunidades para manipularem os que sofrem mais com a situação atual não faltam: os maus exemplos dos que se declaram democratas abundam e, além disso, são sempre amplamente noticiados e esquadrinhados até à exaustão.

Se os democratas – de todas as cores –, inclusive os que, sem praticar, ainda se arrogam de tal qualidade, não reagirem com um novo assomo de rigor e coerência, o resultado estará, em breve, à vista: teremos uma Itália dentro de portas.

Depois não se espantem, pois não haverá mais espaço noticioso para casos e casinhos, nem, tão pouco, para o habilidoso exercício mediático dos chamados factos políticos ou, sequer, para o uso desabalado de escândalos provocados por factos reais.

O «chefe» dirá o que é, e o que é terá, então, muita força: digo, toda a força.

Para trás – e muitos por terra – ficarão os que sofrem hoje as injustiças mais gritantes e, seguramente, também, alguns outros que não souberam ou não ousaram lutar contra elas.

Mas disso e desse tempo, eu que sou já velho, ainda me lembro.