Às vezes devemos sair de onde estamos, enfrentar o que nós pensamos e sair de pé da zona do que sentimos.
Sem faciosismo. Sem drama. Sem vícios de pensamento próprio. Sem querer ter a razão pela força da nossa vontade egocêntrica.
Darmos tempo a nós próprios para ouvir outros sem ter a sensação de sermos donos da razão. Sairmos da área de conforto, do nosso pensamento interno onde só nós sabemos, só nós conhecemos, só nós sentimos e temos razão.
Sair dessa ilha pessoal, fazendo analogia à frase do Nobel da Literatura José Saramago, para conhecer uma outra visão. Para procurar um equilíbrio entre as várias realidades e diferentes opiniões para se chegar a um consenso que torne o assunto (ou nós mesmos!) um pouco melhor que o ponto de partida. Para crescer. Para se viver mais reais com o mundo e menos numa “bolha” e fechados em nós mesmos numa irrealidade.
Isto serve para tudo. Para cada um. Para relações familiares. Para relações profissionais, associativas, culturais, o que seja. Ser mais humano, porque o Homem é feito de relações pessoais e não de si próprio.
Embora mais abertos a tudo, por redes sociais, mensagens curtas e visualizações rápidas estamos a cair na ilusão de estarmos abertos. Ao invés, estamos cada vez mais fechados numa “bolha” de conforto de opinião.
Ouvimo-nos a nós próprios. E está bom, achamos nós. Não queremos sequer ouvir os outros. Se uma ideia diferente da nossa pouco importa quanto mais nos colocarmos fora da nossa área de conforto e ser confrontados com opiniões distintas!
É um contrassenso social.
Na teoria todos dizemos que gostamos de pessoas que fazem o que dizem, dizem o que pensam, pensam no que sentem e sentem aquilo que dizem.
Na prática, muitos não ouvem ninguém porque só interessa o que eles próprios acham e tudo aquilo que já definiram como imutável.
Acreditamos que gostamos da liberdade de opinião mas atuamos numa espécie de ditadura fechada na nossa própria cabeça.
Obviamente que isto não se restringe à individualidade de cada um.
Há as associações. Há os sindicatos. Há os partidos políticos.
E esta corrente faz vários indivíduos pensarem o que todo o grupo pensa. Ainda acaba por ser pior, porque muitos não têm opinião sequer. Vivem da opinião dos outros, defendem a ideia dos outros e rejeitam as inversas sem pensar sequer.
Essa falsa sensação de certeza, pela teatralidade de grupos de pressão (políticos, de classe profissional, de clubes desportivos), faz assumir internamente que não necessitam de ouvir mais ninguém. Estão erradamente esclarecidos numa ilha.
Esta semana Carlos Moedas decidiu chamar Cavaco Silva como orador numa sessão pública de Lisboa, convidando também como oradores dois autarcas socialistas. Quando Cavaco Silva começou a falar, os dois autarcas socialistas saíram da sala para não ouvir o ex-dirigente social-democrata. Disse o autarca socialista de Loures que “Como tem poucas oportunidades de falar, Cavaco Silva aproveita-as para dizer barbaridades que não tenho paciência para ouvir”.
Infelizmente, esta ideia de recusar ouvir os outros começou a banalizar-se.
O comum devia ser ouvirmos todos, sobretudo quando discordamos para que esse momento de confronto nos exija pensar. Só confrontando os medos e as certezas fáceis é que saímos do mesmo sítio.
Recordemos, para além desta semana com Cavaco Silva, quando os deputados do PCP se recusaram a ouvir Zelensky no Parlamento. Ou quando a Iniciativa Liberal disse que se recusaria a ouvir Lula da Silva na Assembleia, se este viesse discursar no 25 de abril.
São todos eles exemplos de quem está a viver numa ilha, numa “bolha” ideológica neste caso.
Podia dar exemplos de dirigentes de grandes clubes desportivos que fizeram o mesmo. Que entrando numa sala o líder do seu clube adversário, saíram para não ouvir.
Conhecemos idêntica postura em diferentes órgãos de comunicação social, de refutar convidar e ouvir pessoas de outro canal.
Na sua ilha, não cabe quem pensa ou está diferente.
É global.
Não é restrito a uma determinada classe social, setor de atividade ou época do ano.
Por estes dias todos recordámos as palavras de Rui Nabeiro, infelizmente falecido, que é um dos muito bons exemplos de ser humano que tem a sociedade portuguesa.
Disse ele algo como “se todos e cada um quiséssemos, o Mundo seria extraordinário”. Obviamente que falando de todos é para todos sermos parte, ouvindo e querendo saber.
Num exemplo, lido também nestes dias, diziam sobre a sua forma de estar na vida que determinado dia um funcionário foi dizer-lhe que ia mudar de trabalho e sair da “sua” Delta Cafés. Rui Nabeiro quis ouvir o então colaborador. Perguntou-lhe se ia para melhor e prontamente lamentou caso algum dia, no seu serviço à sua empresa, o tivessem tratado mal ou não o tenham ouvido em alguma dificuldade.
Registemos.
É um bom exemplo de sairmos da nossa ilha. Da necessidade de ouvir todos os outros, até sobre nós, para melhorar o dia a dia e tentarmos transformar isto em que vivemos num mundo melhor.
Não acredito que o Mundo venha a ser extraordinário. Mas acredito que há muito mais amor a dar na sociedade do que o ódio em que muito se vive atualmente. Para isso, é bom começar a ouvir e a pensar fora do que nos é favorável.
Perdemos algo de nós em ouvir os outros?
Ou perdemo-nos em nós próprios por deixar de viver e aprender com a visão dos outros?
Acredito sem julgar que, a determinada altura da vida e com as circunstâncias pessoais de cada um que são sempre diferentes, todos passamos pela experiência de ficar presos na ilha. Todos passamos por essa realidade.
Uns, com o seu tempo, saem da ilha. Voltam a ouvir outros. A respeitar as ideias diferentes. A entender que somos bem insignificantes para o mundo continuar a girar, face a sermos uma pessoa num planeta de 8 mil milhões.
Mas, à nossa escala, podemos ser bem importantes para quem está connosco se tivermos a tolerância de ouvir, o respeito por quem pensa diferente e a capacidade de dar o tempo a quem precisa.
Não há roteiro nem tempo para sair da ilha. E se há, não sou eu que o sei.
Mas que haja sempre vontade e força para conseguirmos sair de lá. De querermos saber mais para além do que achamos.
Este mundo parece que está feito de cada vez mais ilhas apenas.
De gente que não ouve os outros e numa sociedade que infelizmente começa a achar bem rejeitarmos à partida uma outra opinião. Discordo. E sempre que concordei, quando saí da minha própria ilha percebi que não estava assim tão certo em mim mesmo.
Porém, não afirmemos que é mau haver ilhas. Não é. Cada um pode ter e viver na sua ilha porque todos precisamos de ter individualidade, de conhecer-nos e de perceber-nos. Precisamos de ter ideias próprias.
Mas que saibamos sair dessa ilha, sempre que preciso, no tempo que precisarmos. Para conseguirmos debater melhor. Para conseguirmos melhorar alguma coisa para todos e construir algo mais humano.
De facto, saibamos todos que não nos vemos se não sairmos de nós.