Em reunião de amigos e na perspetiva da mudança que se avizinha na minha vida, com o regresso ao meu país no próximo outono, fomos divagando e derivando, paulatinamente, do tema inicial – o meu retorno – para nos concentrarmos nas alterações que todos, e todos somos da mesma geração, assistimos e vivemos até agora.
Falámos, inicialmente, das diferenças na maneira de viver de holandeses e portugueses e daquilo que nos parecia melhor, num e noutro estilo de vida.
Do respeito pelos direitos cívicos, mas também dos direitos sociais, dos trabalhadores nos Países-Baixos – como agora se deve dizer – e na circunstância de tal atitude se refletir no crescente aumento de nascimentos, o que se traduz no facto de aí existir uma das populações mais jovens da Europa.
Dissertámos, claro, de imediato, no pouco jeito que holandeses têm para a culinária e, em seguida, na maneira como ocupam o seu tempo e as suas férias.
Com efeito, alguém notou que os holandeses mais velhos «ocupam» hoje o Algarve na época baixa, tendo muitos deles começado a comprar casas no barrocal algarvio.
Quase todos os do grupo tinham vivido no Algarve, num e noutro momento da vida, o que permitiu ir alargando a conversa para tempos mais remotos da nossa juventude comum e para as suas vivências.
Recordámos como se esperava à tarde pela carrinha que trazia os jornais vespertinos – coisa que não lembra a ninguém – e de quais os jornais de que mais gostávamos.
Falou-se do Diário de Lisboa e da sua modernidade e ousadia para a época (antes do 25 de Abril), do República, do Comércio do Funchal, do Notícias da Amadora, do Jornal do Fundão, da Seara Nova, do Tempo e o Modo, do e Etc.
Do que diziam tais jornais comentava-se, então com cautela, mas empenhadamente, em grupo, nos cafés, depois do jantar.
Na altura, era hábito social enraizado sair da mesa, depois dessa refeição, para ir ao café tomar uma bica e conversar, vindo depois a pé até casa, para ir fazendo a digestão antes de deitar.
Os cafés estavam abertos até tarde e não fechavam, como agora, depois das dezanove horas.
Alguém se lembrou de perguntar, então, em que momento tal hábito foi interrompido e qual a razão dessa mudança.
Muitos foram os que atribuíram o sucedido à deslocação dos que trabalhavam nos centros urbanos para a periferia e ao tempo que, com isso, as pessoas gastavam, impedindo-as de conviver pessoalmente, dadas as horas tardias a que chegavam a casa, tratavam dos filhos e finalizavam a refeição.
De repente, alguém lançou para a mesa a ideia genial de que tudo mudara, inicialmente, por causa da «Gabriela», a primeira telenovela a passar na televisão portuguesa, depois do jantar e que determinara mesmo o encurtar do horário das reuniões do conselho de ministros, para que estes – de todas as cores que compunham o governo de então – pudessem assistir aos seus episódios.
Disso se salvaram – concluímos – os espanhóis, que continuam a celebrar conjuntamente a vida na barra, depois de findo o trabalho.
A verdade – reconhecemos todos – é que muita coisa ocorrera e mudara nas nossas vidas desde esse tempo.
Acima de tudo, comentou um dos participava na conversa, havia tempo, muito tempo.
Havia tempo para ler, para ir ao cinema, para beber um copo, depois de acabado o filme, para discutir empenhadamente o sentido da sua mensagem, o desempenho dos artistas, a ideologia do realizador, sei lá.
Lia-se mais, lia-se menos: discutimos sem certezas, ou, antes, com muitas dúvidas.
Fiz notar como isso continuava a acontecer nos Países-Baixos, como as livrarias e salas de cinema continuavam cheias, como os holandeses bebiam um ou dois copos de bom vinho tinto – raramente português – entre as cinco e as sete da tarde e, mesmo, depois do filme.
Apesar do frio, à noite, as esplanadas estão cheias de pessoas, antes ou depois de jantar, que, em regra, ocorre entre as dezoito e trinta e as dezanove horas, para os mais europeizados.
Hoje, porém – e essa é uma mudança recente e de mau augúrio – é difícil encontrar, nesse país, jornais que não sejam holandeses, americanos ou ingleses.
Desapareceram das bancas os jornais franceses e espanhóis ou, no caso do Le Monde, só à sexta e ao sábado é possível comprá-lo.
Essa é uma mudança a que eu já assisti, pessoalmente, e que muito me entristeceu, pois continuo a gostar de ler em várias cartilhas.
Além disso, nada melhor do que folhear um ou dois jornais de papel e tomar um café logo pela manhã.
Por efeito daquelas observações, iniciou-se então uma discussão sobre o papel da imprensa e da televisão.
Eu acrescentei a rádio, pois continuo a não sobreviver sem ela.
Logo que me levanto, ligo a Antena 1 – via internet – e até ao fim do pequeno-almoço, não deixo de ouvir o que considero ser uma das melhores rádios portuguesas.
Entristecido, fiquei, então, com a ideia de que era dos poucos que ainda o fazia.
Por tal motivo, assumi a defesa da importância da rádio e da Antena 1, em especial.
Expliquei que era dos raros media portugueses onde os locutores, quando entrevistam alguém e dão as deixas para qualquer comentador falar do assuntos para que foi convidado, procuram questionar o seu interlocutor sobre a razão de ser das suas afirmações, contrapondo, quando se exige, um facto objetivo que abala a opinião expressa, antes, por ele: é, enfim, dos poucos media onde o trabalho jornalístico continua a ser levado a sério e não se confunde, como muitas vezes acontece agora na TV, com o do ponto no teatro.
Em alguns casos, na TV portuguesa, a colagem ou controlo do comentário ou da entrevista, pelo pivot de turno, chega a ser chocante: o comentador ou entrevistado raramente são contraditados e, noutros casos, corrige-se o que eles disseram, se não agradou o que afirmaram.
Não importa o que dizem, desde que digam o que importa.
Falámos de muitas mudanças a que fomos assistindo e de como elas nos mudaram ou não.
Mais, falámos da necessidade urgente de lembrar e fazer acontecer as mudanças por que sempre ambicionámos e por que alguns sempre lutaram.