Carlos Moedas. “Não faz sentido fazer uma estátua ou um busto a Vasco Gonçalves”

Carlos Moedas. “Não faz sentido fazer uma estátua ou um busto a Vasco Gonçalves”


Carlos Moedas nunca fez nada que lhe tenha dado tanto gozo como ser presidente de câmara. A sua independência financeira dá-lhe mais liberdade, diz.


por Vítor Rainho e Sónia Peres Pinto

É um homem confiante e sorridente que nos recebe nos Paços do Concelho. Longe vão os tempos das indecisões nas respostas. Cada vez se sente melhor na pele de presidente da Câmara, mas não abre o jogo sobre o futuro. Se será candidato à liderança do seu partido ou a primeiro-ministro. Levou pancada durante uma semana por causa do palco da Jornada Mundial da Juventude, mas garante que não guarda remorsos. Quanto às ‘guerras’ autárquicas, diz que «também se aprende muito estando em minoria» e que quer levar o seu programa avante.

Foi comissário europeu e administrador da Gulbenkian. Hoje é presidente da CML. Calculo que ganhe muito menos do que no passado e tem muito mais chatices. Está arrependido da decisão?

Foi uma missão de vida. A minha vida tem sido muito mais focalizada naquilo que posso fazer para mudar a vida dos outros do que propriamente na parte financeira. Passei muitos anos no privado, posso falar por causa própria, porque estive em grandes empresas, ganhei bem, o que também me permite ter uma boa liberdade para poder exercer cargos públicos. Deve haver poucos políticos em Portugal que tenham feito a escolha que fiz, que era estar, como diz, numa posição bem paga e numa grande instituição que é a Gulbenkian e voltar à política. Mas foi a altura da minha vida, por volta dos 50 anos, de dizer que, naquele momento, dava à sociedade tudo aquilo que a sociedade me deu. Nasci numa família pobre no Alentejo e subi a pulso em tudo aquilo que fiz e, por isso, devo-o à vida. Queria de certa forma poder pagar de volta aquilo que a vida me deu, ajudando os outros e ajudando a minha cidade, num momento em que vi que a cidade podia ser muito mais do aquilo que era, em que tinha um sonho e uma visão para a cidade e não via que Lisboa estava a mudar. Era uma cidade que estava estagnada e foi nesse sentido que me lancei um bocadinho contra tudo e contra todos, numa luta difícil, mas que mostrou que as pessoas estão abertas a uma alternativa quando esta é sincera e está focalizada no concreto da vida das pessoas. E foi assim que decidi dar esse passo que não é muito comum na vida política portuguesa.

Quando disse em casa à sua mulher e aos seus filhos que ia deixar essa situação tranquila em termos profissionais para ir para uma coisa que ninguém apostava em si, o que lhe disseram? Nenhuma das sondagens lhe dava vitória…

Houve primeiro uma decisão familiar, quis falar com a família antes de todos os outros, porque esta profissão de estar na política como estou tem custos não só financeiros para a família, mas também tem custos pessoais de exposição, de vulnerabilidade, a família está exposta a uma vida pública, portanto, tinha de ser uma decisão com a família. Essa decisão obviamente não foi fácil, mas foi tomada também pela família, de me apoiar no momento em que achei que podia fazer a diferença. Muito se falou que tinha consultado este ou aquele, mas para mim o mais importante é sempre a família. E quando me lancei não sabia o que as sondagens iam dar, não tinha qualquer trabalho feito nesse sentido, mas sentia na rua que as pessoas queriam uma mudança. E que essa mudança era gritante, sentia isso todos os dias. Quando houve a primeira sondagem a dizer que estava a 20 e tal pontos de diferença em relação ao presidente da Câmara anterior não me desmoralizei como as pessoas pensaram. Até porque estava livre, não devia nada a ninguém, nem devo nada a ninguém. Aliás, a campanha que fiz deve ter sido das campanhas mais baratas alguma vez feitas para a Câmara de Lisboa, com grandes limitações financeiras e, por isso, não devo mesmo nada a ninguém e quando só devemos a nós próprios também estamos muito mais à vontade, até nos riscos que tomamos, porque quando devemos coisas a outros é sempre mais complicado. Senti que era aquele o desígnio, já tinha estado em vários papéis políticos e achei que este papel político era aquele que podia fazer mais diferença. E é isso que sinto que estou a fazer todos os dias.

Em relação a essa diferença. No seu programa eleitoral tinha coisas muito concretas de que iria fazer e, de certa forma, ficou emblemático o recuo na ciclovia da Almirante Reis. Isto é, teve uma entrada de leão e a seguir virou um cordeirinho….

Não estou de acordo com isso. Primeiro, o meu programa tinha 12 pontos muito concretos. Desses 12 há oito que, neste primeiro ano e meio, ou já foram feitos ou estão em concretização, por isso, em relação àquilo que foram os meus compromissos não tenho qualquer dúvida. O caso específico da Almirante Reis tem de ser analisado dentro do contexto, em que tenho sete vereadores e a oposição tem dez. Poderia ter duas atitudes: uma de querer partir tudo e ir contra a parede, mas não tinha condições políticas para ir a direito e retirar toda aquela ciclovia. Como não havia condições políticas o que pensei? Se quisermos fazer analogia com o xadrez deveria ser mais estratégico e menos tático, e o ser mais estratégico era, naquela altura, dar um passo ao lado para depois dar um em frente. Espero que no próximo ano possa apresentar um plano para a Almirante Reis, com duas vias de trânsito para sair, uma via para entrar, ter as duas ciclovias bem feitas e segregadas. Aí é ter uma nova Almirante Reis como um projeto de futuro. Pode-me dizer que no dia a seguir às eleições tinha tirado, mas não tinha maioria. Há que valorizar ou não desvalorizar, o facto de governar uma câmara com sete vereadores, num total de 17. Gostava que viesse comigo e fosse a duas ou três reuniões privadas, aquelas que não são filmadas para ver a dureza e a dificuldade. Temos um Governo do país que está numa situação confortável, maioritária e todos vemos o que está a acontecer ao país, em que temos a sensação que há uma desagregação total do país e temos a Câmara de Lisboa em minoria, em que a escolha que fiz foi conseguir provar às pessoas que mesmo desta maneira não entro em jogos políticos, que vou construindo e fazendo. Agora não consigo fazer tudo aquilo que queria.

Também disse que era um exagero a caça à multa, mas pactuou com isso e até foi já no seu mandato que entraram os 20 novos radares em ação e só aumentou a velocidade na Segunda Circular num pequeno troço…

Vamos ser clarinhos como a água, o que disse é que o Executivo anterior tinha o que chama de caça à multa, diria que era uma visão punitiva da multa. Aquilo que ia fazer, até porque muitos desses radares estavam encomendados, era ter uma filosofia preventiva, em que as pessoas sabiam muito bem onde é que estavam os radares. E, por isso, hoje em Lisboa, ao contrário de antes, os radares estão muito bem assinalados, não estão escondidos. Não é punitivo, é preventivo. Temos ouvido as pessoas em relação às queixas das coisas que não estão a funcionar, foi o caso, por exemplo, da Segunda Circular, que de repente estávamos a 60, depois passava para 50, depois aumentava para 60, depois para 80, não fazia sentido nenhum. Corrigimos aí e como estamos, neste momento, a olhar para outros casos que também podemos corrigir. Essa filosofia não pode acontecer numa cidade, mas tem de haver respeito pelas regras, não é respeito punitivo é preventivo. É dizer ‘Olhe, tem ali um radar, tem de ir a 50, se quer ir a 80, o problema é seu’.

Neste ano e meio já se surpreendeu ao tomar medidas ditas de esquerda a serem chumbadas pela esquerda? 

A última que me surpreendeu bastante já não sei se foi uma moção ou um voto de repúdio à Praça do Império, em que o próprio PS tinha trabalhado nesta solução e votou ao lado do BE. Tem havido uma série de inconsistências extraordinárias, em que vemos uma vereadora do BE em teimar que se deve cancelar a nossa história, o que é uma coisa extraordinária. Aliás, o Presidente da República, quando inaugurámos a Praça do Império, disse que o Presidente Mário Soares e o Presidente Sampaio sempre foram a favor desta solução. E o PS, de repente, dá uma viragem e alinha-se nesse voto de repúdio em relação à Praça do Império. Há uma viragem do próprio PS na sua maneira de atuar na Câmara. A verdade é que muitas das coisas que tenho vivido não teriam sido vividas se o presidente da Câmara fosse socialista. O facto de se ter falado tanto no altar do Papa aconteceu por ser eu que estava aqui, se tivesse outro que estivesse alinhado com o poder central não tinha acontecido. Tem havido uma politização. 

Já vamos ao altar. Continuando nessa sua política dita de esquerda, quantos cheques já entregou aos lisboetas mais carenciados? Não há o perigo de se estar a criar uma cultura de subsidiodependência? 

Ponto um, a minha política não é de esquerda. A minha política é para as pessoas. É uma política em que, pela primeira vez, baixámos os impostos aos lisboetas. Em relação ao IRS, primeiro fizemos uma redução de 2,5% para 3% e agora vamos até aos 3,5% na devolução, em 2023. Tem sido uma política de devolução e quero fazer mais nesse aspeto de devolução de impostos, mas, ao mesmo tempo, reconhecer que em certas áreas, a cidade precisa de proteger os mais vulneráveis. Penso que o PSD, que é a minha génese, é um partido que flexibiliza a economia, mas protege os mais fracos. Os cheques de ajuda são dados para aqueles que precisam. É essa a diferença entre a minha política e a política do Governo, que faz medidas muitas vezes transversais, como dar 50 euros a cada filho. Isso é que não faz sentido. Agora, dar àqueles que mais precisam, sim. Por exemplo, ainda agora lançámos uma nova medida na habitação, em que descobrimos que havia um incentivo totalmente errado. Uma pessoa que hoje tenha um rendimento abaixo dos 500 euros conseguimos atribuir uma casa, uma pessoa que tenha um rendimento acima dos 760 euros, ou seja, do salário mínimo, pode aceder à habitação acessível e depois havia um gap entre os que estavam entre os 500 e os 760 euros. Ou seja, alguém que estivesse sem trabalho tinha uma casa, mas se de repente arranjasse um trabalho e ganhasse 600 euros já deixava de ser ajudada. Estamos a identificar onde é que estão os problemas para ajudar aqueles que têm problemas. A minha política é para resolver problemas concretos das pessoas. E os bons presidentes da Câmara têm que estar acima dessa dicotomia esquerda/direita. Têm que estar a resolver os problemas das pessoas, a criar oportunidades para os negócios na cidade, oportunidades para as empresas. Ainda esta semana falei com promotores imobiliários, em relação à habitação para vermos como podemos conseguir que os promotores imobiliários privados nos ajudem na habitação municipal, por exemplo, que até agora não conseguiram, porque as concessões que eram feitas, os privados não queriam porque perdiam dinheiro e ninguém está para perder dinheiro. Podem ajudar, mas não querem perder dinheiro. É preciso reformular tudo isso para que os privados possam também participar na vida social da cidade. Mas só queria reiterar isso: a política que faço é para as pessoas, não é de esquerda, nem de direita, é flexibilizar a economia e proteger os mais fracos. 

O seu antecessor foi muito atacado por ter optado pela linha circular do Metro. Temos o segundo Metro mais caro do mundo, nomeadamente entre a estação da Estrela e o Rato, que vai a 70 metros. Nunca pensou alterar quando chegou, até porque as críticas falam em altos interesses imobiliários por detrás...

Conheço as críticas. Mas, primeiro, o Metro é uma responsabilidade do Governo central e há uma coisa que neste país não podemos fazer que é estar sempre a travar tudo. Se há uma nova linha de Metro então vamos fazê-la. A única coisa que pedi ao presidente do Metro foi que no caso da linha circular pudesse ser também em laço. Ou seja, quem vinha de Odivelas não tivesse de parar e mudar de carruagem no Campo Grande ou quem fosse até Telheiras. E o que combinámos é que durante partes do dia a linha não vai ser circular, mas vai ser em laço. Agora, no momento em que já estamos nas escavações não quero fazer aquilo que vi feito nesta cidade, como foi o caso do túnel do Marquês, em que, de repente, certas pessoas que por aqui passaram travaram obras que deixaram a cidade durante anos a sofrer, que pagaram indemnizações brutais, isso não faço. Também tenho esse pragmatismo, é que, quando cá cheguei, a maior parte destas decisões estavam tomadas, tentei mudar algumas, mas estar a travar o desenvolvimento da cidade, isso não faço. 

Vem de Beja com 18 anos, penso que nunca tinha ido à Feira Popular até então… 

É verdade…

Algo que marcou muitas gerações. Por que decidiu acabar com este projeto que está tanto no imaginário de algumas gerações? 

Não decidi acabar com projeto nenhum. Apenas fui aquilo que sou: pragmático e realista. Houve ofertas para fazer uma nova feira popular? Há empresas que querem fazer isso? Não há ofertas para isso. Hoje em dia, esses tipos de feiras são feitos fora da cidade. Portanto, temos de repensar esse projeto dentro daquilo que pode ser um parque urbano, um parque para as pessoas que ali vivem, com equipamentos. Sei que isto choca muita gente e tenho recebido muitas cartas de pessoas que adoravam a feira popular, mas isso é um bocadinho quase como na vida acharmos que, se voltarmos a certas emoções do passado, voltamos a uma vida feliz do passado. Esse conceito já não existe. Se amanhã alguém me trouxer um investidor que diz que quer fazer uma feira popular, obviamente que abro as portas a isso, mas não vejo onde é que esses investidores estão. A Câmara não pode passar o tempo com um sonho que depois não é realidade. 

Acha que consegue resolver durante o seu mandato o problema do Parque Mayer? 

O Parque Mayer é diferente do caso da Feira Popular. O que queria era lançar um concurso de concessão para que fosse um espaço de encontro de cultura, de arte, de inovação, de museu, de escola de teatro e de escola de revista. É esse o meu projeto para o Parque Mayer, mas demora o seu tempo, porque é preciso fazer todo um programa e depois abrir esta concessão. É nisso que o Serviço de Cultura está a trabalhar para conseguirmos lançar esta ideia no Parque Mayer. O Variedades já lá está, o Capitólio também. Vamos ter o Maria Vitória, Capitólio e o Variedades. Depois vamos ter de encontrar uma concessão de algum privado ou de vários privados que possam trazer mais-valias no equipamento. 

Durante o seu primeiro mandato também está convencido que vai conseguir fazer a estátua ou o busto de Vasco Gonçalves? 

Estávamos a falar de reuniões de câmara e todos nós somos humanos. Gosto e sempre gostei de ser agradável com as pessoas e ao fim de dez horas chega um senhor e confesso, com toda a humildade, que já estava cansado e disse-lhe um sim e que falasse com os meus assessores. Não faz nenhum sentido fazer em Lisboa, por todas as razões e por todos nós – ainda era muito novo, mas todos vivemos esse período -, qualquer estátua ou qualquer busto de Vasco Gonçalves. Isso é algo que acontece quando somos humanos e sobretudo quando estas coisas são também preparadas pela própria oposição. Ou seja, estava ali a ouvir os munícipes e aquele não era um munícipe como os outros, era um munícipe que trazia a coisa preparada. 

A ideia que tenho é que o vejo a entrar na câmara com pezinhos de lã, a querer consensos e de repente abre a camisa a dizer quantos é que são… Digo isto, nomeadamente, na questão da Jornada Mundial da Juventude. Por que aceitou arcar com as culpas dos gastos excessivos quanto não tinha responsabilidade nessa matéria? Não foi a Câmara que disse que tinham de estar mil bispos em cima do palco. Não foi a Câmara que disse que o Papa tinha de ter um ponto de fuga. Por que assumiu? 

A liderança define-se também nesses momentos em que, de repente, temos de tomar posições que até nos podem prejudicar pessoalmente, mas que sabemos que naquele momento se não os tomarmos ninguém à nossa volta as vai tomar. Mais do que tudo temos a oportunidade de um evento que é único para a cidade de Lisboa, em que vamos ter mais de um milhão de pessoas e em que vi que houve uma politização direta do Governo. Aliás, o que é mais interessante, e já o disse várias vezes, é que ninguém reparou que o Governo lançou um concurso para casas de banho e de iluminação por oito milhões de euros. E quando há uma politização há uma altura em que alguém tem de dizer chega e dei o corpo às balas. Temos de ir para a frente, vamos fazer. Isto é importantíssimo para a cidade.

Depois como é que conversa com as pessoas responsáveis por isso e que ficaram caladas? 

Depois a população e as pessoas tiram as suas conclusões de tudo aquilo que se passa e do que se passou. Era importante dar serenidade, era importante tomar uma decisão e era importante dar o corpo às balas. E, como digo, nestas alturas a pessoa tem que fazê-lo por muito que isso tenha custos pessoais e teve custos pessoais. Levei uma semana de pancada sobre algo que não estava cá em 2019. Não fui eu que concorri à Jornada Mundial da Juventude, mas acho que é uma oportunidade tão grande para a cidade que tomo as minhas responsabilidades e vamos para a frente. Vamos esquecer o passado, vamos para a frente. Um dia falaremos. 

Penso que das coisas mais bem guardadas em termos de comunicação foi a redução dos custos do palco. Marca uma conferência para as 13h30 e o Presidente da República às 11h revela a sua conferência de imprensa. O que pensou? 

Não posso fazer comentários sobre o Presidente da República. Como presidente da Câmara nunca me ouvirão, até porque sou um institucionalista, respeito a instituição da Presidência da República, e não posso fazer qualquer comentário sobre o Presidente da República ou sobre o que disse ou o que fez. Isso não farei nunca. Mas há alturas em que temos que ir buscar dentro de nós uma certa força, uma certa capacidade de liderança, agarrar o touro pelos cornos e ir para a frente.

Já disse que acredita que vamos ter um grande retorno com a Jornada da Juventude…

É fácil fazer a conta. Se tiver um milhão de pessoas que gastem durante cinco ou seis dias 100 euros são 100 milhões de euros. Às vezes uma pessoa fica espantada por não haver um contexto e por haver uma relatividade das pessoas ao analisarem estas coisas. E quem estiver cá cinco ou seis dias gasta mais do que 100 euros, é o mínimo, a comer. Mesmo que durma em casa de outras pessoas gastará muito mais do que isso e estamos a falar de valores desta dimensão. Quando estamos a falar numa coisa, cujo retorno é no mínimo 100 milhões de euros será que vale a pena estarmos a discutir tudo aquilo que discutimos? Mas isto são águas passadas e não movem moinhos.

Como assistiu a esta polémica de Lula da Silva poder discursar no 25 de Abril? 

Sou um institucionalista. O Brasil tem um Presidente que vem a Portugal e deve ser recebido como Presidente da República Federal do Brasil, seja na Assembleia da República, seja na Câmara Municipal. Aliás, como acontece com outros chefes de Estado que por aqui passam. Tivemos a Presidente da Hungria e teremos seguramente o Presidente Lula da Silva com uma receção institucional. A questão aí é ser no 25 de Abril e isso é que penso que deve ser muito bem avaliado na Assembleia da República. Penso que faz sentido que Lula da Silva seja recebido e faça um discurso, agora não sei por que é que seria no dia do 25 de Abril. Pode fazer um discurso num outro dia.

Pensa recandidatar-se à Câmara?

A pergunta é inevitável, mas a resposta também é inevitável e é uma pergunta que tem todo o direito a fazer. Estou concentrado neste meu mandato, para fazer aquilo que tenho de fazer e ainda nem chegámos aos dois anos. A minha focalização é em fazer, não é fazer anúncios de candidaturas para o futuro.

Mas está a dar-lhe gozo?

Acho que nunca gostei de fazer nada na vida do que ser presidente da Câmara. Nunca tinha sonhado ser presidente da Câmara, acaba por ser quase uma descoberta e dizer que, não só me sinto talhado, no sentido em que ser presidente da Câmara tem de ser algo de muito terra a terra, muito de horizontal, muito de proximidade, mas ao mesmo tempo, também uma visão europeia e conseguir levar a cidade além-fronteiras. É como se tudo aquilo que fiz de ser Comissário Europeu e de estar no Governo se juntasse em ser presidente da Câmara e a única resposta que posso dizer é que estou a gostar muito. E é um sentimento muito único, porque é um sentimento que é imediato, que é íntimo com as pessoas e que é de impacto. As pessoas que vêm ter comigo na rua estão-se a borrifar de que partido é que sou, querem os problemas resolvidos e querem ter algum sonho, alguma visão para a cidade. 

Neste momento as câmaras estão a tentar resolver problemas que até aqui eram do poder central, nomeadamente na área de saúde. O objetivo é substituir e resolver o problema da falta de médico de família?

O Estado por si só ou os países vão enfraquecendo. E sentimos que o Governo está numa desagregação total e as cidades têm de ter as suas medidas para conseguirem colmatar e compensar as falhas do Estado central. Quando vou na rua, e venho sempre às sextas-feiras de autocarro, e as pessoas mais velhas dizem-me que não têm acesso a um médico, a minha primeira reação foi pensar: ‘Tenho de fazer alguma coisa sobre isto’. Lançámos a ideia de ter um plano de saúde para os mais de 65 anos, em que pegam no telefone e falam com o médico.

E também passa por descontos nas farmácias…

Exatamente e têm a capacidade de ir buscar os medicamentos. Os mais vulneráveis têm óculos e esta terça-feira fui aos serviços sociais da Câmara para garantir que possam ter óculos de graça, próteses dentárias de graça para todos aqueles que recebem um complemento solidário de idosos. Já temos 10 300 inscritos, o que mostra que este complemento foi necessário, o que vemos é que se vai de um Estado social que era nacional para um Estado social que é mais local. E este Estado social local tem de compensar o Estado nacional.

E aí também entra a educação e a segurança?

Entra e não entra, porque, infelizmente, este Governo está a fazer uma descentralização atabalhoada, uma descentralização em que nos quer passar aquilo que não quer fazer, mas não nos passa as verdadeiras responsabilidades com os verdadeiros recursos. Temos a educação, mas o que é que temos? Temos os muros e os assistentes operacionais. Fazemos os centros de saúde para o Estado central. Mas, depois, o que fazemos? Andamos a limpar e a ver onde é que os vidros estão partidos. Temos a parte técnica, mas não temos nenhuma estratégia, depois as pessoas queixam-se e dizem que é culpa do presidente da Câmara. A descentralização tem de vir com todos os recursos nestas áreas, se é para descentralizar a educação então temos de ser responsáveis pela educação. Se é para descentralizar os cuidados de saúde primários então temos de ser responsáveis. E é isso que luto contra o Governo. O Governo quer fazer uma descentralização de enxotar. Ainda esta semana vimos isso e é uma vergonha total, em que o Governo diz que em relação aos imóveis devolutos, a malta envia as faturas das casas que estão vazias e a Câmara Municipal vai lá e compulsivamente arrenda. Não contam comigo, não contam com a Câmara de Lisboa para isso. Era o que faltava que a Câmara de Lisboa se fosse primeiro meter na propriedade privada dos outros, obrigar as pessoas a arredarem as casas quando a própria Câmara de Lisboa, agora estamos a tentar mudar isso, tem de dar o exemplo, porque tem imóveis devolutos que não estão arrendados. Então vamos obrigar os privados e não damos o exemplo? A primeira coisa é darmos o exemplo com os nossos imóveis.

Várias vozes falaram exatamente nisso, que caberia primeiro ao Estado e às câmaras darem o exemplo antes de irem aos imóveis dos privados…

Este Governo tem a ousadia, mais do que a ousadia, o topete de lançar medidas para a habitação sem falar com as câmaras municipais. Só isso é indescritível. Não recebi nenhuma chamada em relação a isto, não houve nenhuma articulação e lançaram ideias que é como voltarmos entre o comunismo e o socialismo nos anos 70, em que o Governo pensa que através de imposições e de obrigações vai resolver o problema da habitação. O problema da habitação não se resolve dessa maneira, não se resolve impondo às pessoas que vão ter de arrendar as suas casas. Todas as medidas e todas estas interferências na propriedade privada, o decretar o fim de um setor como alojamento local… Nas zonas da cidade em que já havia muito alojamento local já o tínhamos proibido. Agora estar a proibir na cidade toda? Todas estas medidas foram imposições, obrigações feitas que mostram uma filosofia política que se está a instalar em Portugal, que está a degradar o país e que está a desagregar a nossa malha social e a confiança no Estado. A Câmara Municipal de Lisboa não compactua com isso. 

Criticou a visão centralista e desadequada de António Costa…

Completamente. Gosto muito de números e vi que, entre 2010 e 2020, a média anual de construção de habitação municipal foi de 17 habitações por ano. Nas décadas anteriores, 2000 a 2010, foram 900. Se formos até aos anos 70 eram à volta de mil por ano. O que mostra que há um falhanço total de políticas de habitação de proximidade durante dez anos e agora o Governo vem com uma varinha mágica e quer resolver os problemas. 

A atual ministra da Habitação, mas ainda como secretária de Estado, disse que era preciso passar de 2% para 5% de habitação pública. Desistiu dessa meta e passou essa responsabilidade para os privados?

Exatamente. Primeiro mostra uma desorientação, um centralismo que é abusivo. Há medidas em que foram dados incentivos fiscais de redução do IMI. Ora, o IMI é uma receita da Câmara, em que os próprios presidentes das câmaras socialistas já reagiram sobre isso. Ou seja, o Governo veio-se intrometer, veio dar alguns benefícios fiscais, interferindo naquilo que são as receitas da Câmara, sem falar com as câmaras municipais? O Governo mesmo estando numa maioria está a passar linhas que são o limite do limite, que é de um dirigismo, de um centralismo e de um Governo que acha que sabe tudo melhor do que os outros. Costumo dizer que não há nada como andar na rua e estar com as pessoas para percebermos que as pessoas sabem mais do que nós.

As câmaras já tinham essa possibilidade de fazer o arrendamento coercivo, mas optavam por não o fazer…

Acha que uma câmara deve fazer arrendamentos coercivos? Muitas destas medidas já tinham sido implementadas. Houve uma delas, a chamada garantia de renda, que foi feita em Lisboa e não funcionou. Era uma medida que estava metida na gaveta, em que a câmara arrendava o apartamento e depois subarrendava a outra pessoa e achou como a câmara arrendava, que os proprietários estariam todos contentíssimos. O que os proprietários pensaram foi simples: A câmara vai arrendar isto? Depois nunca mais posso tirar ninguém e fico durante 30 anos com o meu imóvel ocupado, nem pensar nisso. Medidas que estão a lançar agora, o Executivo socialista aqui já as tinha tentado e foram um falhanço. O que é interessante é que vem um pacote de medidas que já foram testadas e sabemos que não funcionam. Por exemplo, lançámos este ano uma ajuda às famílias. Isso é bom. Uma ajuda para mil famílias que estão a pagar rendas muito altas pagamos um terço da renda. É mais um complemento. Isso sim, podemos fazer. E se o Estado quiser fazer connosco estamos dentro para ajudar as famílias que não podem pagar as rendas, que em Lisboa começam a ser impossíveis. Estamos a trabalhar com o Ministro da Administração Interna para ter residências para a PSP e na educação residências para professores, isso sim. Vamos construir prédios, em que podemos pôr professores ou polícias. Não podem estar todos a viver a 100 quilómetros da cidade se não têm dinheiro para pagar rendas. Não é só em Lisboa, é já na região de Lisboa.

Disse que não fazia sentido ir para os privados sem tomar conta dos edifícios fechados da câmara. Há quantos nesta situação?

Temos duas mil habitações que estão devolutas. Começámos já por investir na Gebalis 40 milhões, que foi o maior investimento na última década para reabilitar os bairros, mas também reabilitar 800 dessas que estão devolutas e dessas 800, neste momento, já atribuímos 200.

No caso das rendas acessíveis, uma das críticas que são feitas é que fica muito aquém daquilo que era necessário, tendo em conta a oferta face à procura…

Isso sem dúvida. Neste momento já construímos mil e reabilitámos mil. Temos mil em construção, temos mil em apoio à renda e temos mais 800 que atribuímos. Estamos a falar de 3 800, neste momento. Mas mesmo assim não chega porque há seis mil pessoas em lista de espera. A habitação tornou-se um gravíssimo problema na nossa sociedade e todos os esforços que consigamos conjugar, mais o PRR, em que temos 350 milhões não sei se serão suficientes. E alguém que vier com ideias, que vai decretar e que vai resolver o problema da habitação está a mentir aos portugueses. É um problema muito grande. Temos de o resolver com pragmatismo. Temos de atuar em várias medidas para conseguir resolver. Se me disserem que é pouco, é mais do que foi feito na última década. É suficiente? Quando digo que foram 17 por ano e neste tempo já conseguimos fazer mil há uma grande diferença. Agora temos de ser realistas. 

Também desafia os particulares a vender os seus imóveis à Câmara. Como seria possível? 

Aquilo que pensei foi: construir demora dois ou três anos, então pensei que podemos ir buscar alguns imóveis que estejam vazios, que sejam privados, comprá-los e utilizá-los, como utilizamos na Gebalis. É mais rápido.

Falou sobre o alojamento local. Lisboa corre o risco, a partir de 2030, de perder essa oferta?

Penso que isto é tudo feito sem qualquer senso. 50% das dormidas em Lisboa são alojamento local e quando o Estado Central decide unilateralmente acabar com um setor que representa 50% das dormidas em Lisboa parece-me gravíssimo, sobretudo que as câmaras municipais, Lisboa e Porto, no dia anterior a se ter lançado esta proposta de lei sem que soubéssemos, estávamos a apresentar dentro da nossa vereação aquilo que era o nosso novo regulamento, um regulamento que é feito por freguesias, que proíbe o alojamento local nas freguesias centrais. Mas alguém que queira fazer um alojamento local em São Domingos de Benfica, no Lumiar, etc. porque é que não o poderá fazer? E depois decretar 2030 como o fim do alojamento local é muito grave, porque a base de uma sociedade democrática é o direito à propriedade e o estado de direito. Cada vez que lançamos medidas que podem estar no limite desse estado de direito e do direito à propriedade estamos a tocar naquilo que são os fundamentos da democracia. Não tenham dúvidas sobre isto. Estarei na política sempre a travar qualquer ímpeto de medidas que toquem os fundamentos de uma democracia. E o Estado de Direito é o fundamento da democracia, é o fundamento da nossa sociedade e é o fundamento dos valores europeus. Isto choca-me brutalmente. Agora o alojamento local tem de ter regras e essas regras estão a ser definidas, estamos a apresentá-las à oposição e vamos continuar a fazer. Vamos fazer o nosso regulamento e depois veremos o que é que o Estado Central faz.

Em relação ao novo aeroporto. O grupo de trabalho já foi criado, tem uma série de hipóteses em cima da mesa, mas tem defendido sempre a manutenção da Portela ou quanto muito Portela+1. Se, por exemplo, ganhar Santarém como reagirá?

Sempre disse que o importante é que se faça um novo aeroporto. Mas também sempre disse que esse novo aeroporto internacional tem de ser o novo aeroporto internacional de Lisboa. Ponto. Há uma série de hipóteses que devem ser estudadas, mas um aeroporto internacional é em Lisboa.

Não choca ser Portela mais Alcochete ou Portela mais Montijo?

A questão é que tudo isto demora tanto tempo que imaginarmos que vamos imediatamente fechar a Portela é impossível. Número dois, é um valor para uma cidade ter um aeroporto, mesmo que seja pequeno. Esse aeroporto mesmo que fique com menos tráfego aéreo é um valor para a cidade. Não sabemos se daqui a 20 ou 30 anos vamos continuar a poder construir, por exemplo, aeroportos. É um ativo da cidade e tenho que defender a cidade. Esse ativo está ali e deve ser conservado. Londres tem um aeroporto de cidade que é o chamado London City Aeroport. Várias cidades têm quatro ou cinco aeroportos. Não percebo qual é a obsessão de fechar imediatamente a Portela e não vejo isso, nem no curto, nem no médio prazo. Agora vejo a necessidade do novo aeroporto no curto prazo e isso temos de fazer.

Esse impasse está a levar à perda de turistas, como alertam vários responsáveis do setor…

Sem dúvida, aliás, já os estamos a perder. As condições em que estamos a receber as pessoas neste aeroporto são muito difíceis e vimos isso nos últimos meses. Agora esta situação melhorou, mas vimos isso nas chegadas, as dificuldades que as pessoas tinham para chegar a Lisboa e para passar os serviços de fronteiras. Tudo isso tem um impacto negativo muito grande na cidade. 

E como vê estas polémicas em torno da TAP?

Acho que é tudo caótico e é tudo uma comédia de enganos, em que ninguém tem uma responsabilidade política, embora tenha-se despedido agora a CEO e o chairman. E, mais uma vez, tem-se esta ideia extraordinária de que não há responsabilidades políticas e que as pessoas vão através de uma instabilidade nas organizações gerindo o país. Estamos a criar mais uma instabilidade, mais uma mudança na TAP, que é uma empresa que precisa de estabilidade. 

Uma empresa que foi privatizada, depois nacionalizada e agora volta a estar em cima da mesa a privatização…

É uma loucura. Era uma empresa que foi privatizada, que depois foi nacionalizada e os mesmos que disseram e que juraram que tinha que ser nacionalizada agora vão privatizá-la. Isso mostra decisões erráticas e as pessoas começam a ficar muito cansadas dessas decisões erráticas do nosso Governo.

A ideia que tenho é que há dez anos ouvia falar de uma câmara e ouvia falar de dívidas. Como é que tem dinheiro para pôr médicos para as pessoas, dar cheques. O que mudou?

Mudaram várias coisas, durante a troika houve uma lei das finanças autárquicas que hoje não permite que uma câmara esteja endividada. Os limites ao endividamento são muito claros e não podem ser ultrapassados. Um orçamento de uma Câmara, ao contrário de um país, tem de ser equilibrado. As despesas têm que ser iguais às receitas. Não há déficit nas câmaras e isso foi fruto de uma lei muito boa, de um Governo do qual fiz parte, que limita esses gastos e equilibraram-se as contas das câmaras municipais. No caso de Lisboa, o Governo também do qual fiz parte, pagou à Câmara de Lisboa 280 milhões de euros pelos terrenos do aeroporto e isso ajudou em muito a um equilíbrio financeiro. As câmaras hoje estão equilibradas e a Câmara de Lisboa está equilibradíssima e este ano tivemos o maior orçamento de sempre com 1,3 mil milhões de euros.

Quais são as grandes fontes de receita?

São sobretudo da parte imobiliária, o IMT e o IMI, daí ter querido avançar, mas mais uma vez, outra medida que a oposição não deixou passar foi a isenção do IMT para os jovens. Fazia todo o sentido que alguém que comprasse uma casa, um T0 ou uma casa pequena para começo de vida até aos 35 anos pudesse ter isenção do IMI. Exatamente porque é uma das nossas grandes receitas, portanto, podíamos fazê-lo, mas a oposição não deixou. É mais uma medida que não consegui realizar, mas que vou voltar a trazer à Câmara, uma vez que agora tivemos todas estas medidas da habitação. Mas as grandes fontes de receitas da Câmara hoje são IMT, o IMI, as taxas, licenças.

As taxas turísticas?

Essas só podem ser usadas para fins turísticos.

E as multas?

As multas são marginais.

Sei que o número que foi avançado no princípio do ano já foi ultrapassado cinco vezes…

Neste momento é de cerca de 1% daquilo que é o orçamento da Câmara, portanto é marginal. Não quero ganhar dinheiro com multas, quero é ter segurança rodoviária. Não quero fazer dinheiro com multas, quero avisar as pessoas onde é que estão os radares.

Mas os críticos dizem que esses radares estão onde não há acidentes…

Prometo e estou a fazê-lo nesses dois pontos que está a dizer e estamos a rever a situação. Mas temos de ter algum estudo de tráfego, não pode ser uma coisa a olho. Estamos a estudar. Agora há uma coisa que tem que ser clara: Carlos Moedas como presidente da Câmara não quer ganhar dinheiro com multas, nem quer multar as pessoas, agora quer segurança rodoviária. Temos tido muitos acidentes em Lisboa e temos de reduzir as nossas velocidades, mas dentro da racionalidade. Não é a redução que a oposição queria de mais de dez quilómetros na cidade, porque isso não faz sentido nenhum. 

Magoou-o ter sido atacado quando disse que a imigração precisava de ser controlada? 

Mostra que ainda hoje em Portugal há um certo radicalismo de esquerda que permite que as discussões sejam feitas, e por pessoas que não conhecem nem a lei dos outros países, nem conhecem os próprios tratados europeus, porque são os tratados da União Europeia, o chamado Tratado de Funcionamento da União Europeia e o Tratado de Lisboa, que falam na regulação da imigração nos países. Temos refugiados que são protegidos pelas Nações Unidas e devemos recebê-los todos, como deveríamos ter feito na Segunda Guerra Mundial e não o fizemos. Depois temos os imigrantes económicos. Esses imigrantes económicos têm de ser recebidos com dignidade, têm de ter relações contratuais quando vêm para o país. Tivemos uma lei em Portugal neste Governo que diz que as pessoas podem vir para Portugal e estarem cá oito ou nove meses sem nenhum vínculo. Isso não é bom para as pessoas, gosto muito de ver estes políticos que falam alto, mas não vêm aquilo que vejo, porque aquilo que aconteceu na Mouraria, aquilo que vejo na Praça do Chile e aquilo que vejo todos os dias mostra que essas pessoas têm um coração muito grande para a humanidade, mas um coração muito pequeno para os casos individuais. Se vissem a indignidade em que vivem essas pessoas percebiam por que é necessário regular a imigração. É um bocadinho esta esquerda radical que acha que é moralmente superior, que são os bonzinhos da sociedade, mas o ser bonzinho na sociedade é tratar das pessoas e para isso é preciso ter políticas. O que afirmei é aquilo que acontece no Canadá, na Alemanha, em França De repente, criou-se uma polémica política, até me diverti, como se tivesse dito uma coisa que era completamente extremista.

Ainda por cima sendo casado com uma estrangeira…

Sim, sim.

Até disse que não aceitava lições de ninguém…

O ponto nem é pessoal. Fui emigrante, sou casado com uma imigrante, em que os pais da minha mulher eram imigrantes do norte de África. Por amor de Deus, a mim não me podem dar essas lições, porque vivi isso. Conheço os casos e conheço tantos outros casos. Agora acho que há muitas pessoas que falam sem conhecer os casos e sem ver o que é que se está a passar na nossa sociedade, em que as pessoas chegam e são maltratadas, porque não há regulação. 

O que podem fazer os serviços da Câmara, por exemplo, para detetar naquele eixo da Praça do Chile à Mouraria, casos de 20 pessoas que vivem na mesma casa?

O Governo agora lançou mais uma ideia, e também não falou connosco, em que nós é que íamos ver a sobrelotação. Mais uma vez, estamos no limite do Estado de direito. A câmara municipal não pode entrar dentro da casa das pessoas, pode entrar se houver um problema de proteção civil. Por exemplo, uma casa que está a cair, aí a câmara entra e tem todo o direito a entrar. Agora não pode entrar na casa de uma pessoa e dizer não pode ter aqui dez pessoas. É assim por lei, não pode. Depois, a Câmara Municipal não é a polícia criminal, nem é o Serviço de Estrangeiros. Estão-nos a pedir para fazer algo que é impensável. Onde é que podemos atuar? Podemos atuar através das denúncias, mas, sobretudo, devemos atuar a nível das freguesias, porque são os presidentes da Juntas de Freguesia que passam os atestados de residência. Conheço alguns presidentes que quando notam que estão a passar para a mesma casa quatro, cinco atestados, eles próprios vão lá ver. Não é preciso polícia, nem é preciso mandados e controlam a situação. Ao nível das juntas de freguesia há um trabalho porque estão próximos da população. Agora não vale a pena estar outra vez a atirar para a Câmara Municipal uma responsabilidade que não pode ter.

E com fim do SEF é mais complicado? Porque sabe-se que há N pessoas que têm a mesma morada…

Sem dúvida. Mas quem passa os atestados são os presidentes de junta. Temos de ter uma articulação muito grande com os presidentes de junta, mas história do SEF, que é uma história longa, que está a correr mal, porque temos um SEF que não sabemos se vai ser SEF ou vai ser polícia. Durante o verão foi terrível quando tínhamos as pessoas a chegar a Lisboa e a ficarem horas à espera para passarem a fronteira. Isso é a imagem do pior que se pode ter de uma cidade.

Os crimes violentos estão a aumentar em Lisboa. Tem consciência disso?

Não. Os números que temos são claros. O número de crimes não aumentou, mas a violência aumentou. Tenho reunido o meu Conselho de Segurança com a Polícia de Segurança Pública e com a Polícia Municipal para atacarmos o problema. O que é atacar o problema? É sobretudo ter mais vídeo-proteção em Lisboa. Lançámos sete câmaras na zona de Santa Catarina e agora vamos lançar no Cais do Sodré, porque essas câmaras de vídeo-proteção têm um efeito, em que as pessoas sentem que estão ali e têm logo um primeiro efeito, e permitem à PSP, que é a único que tem acesso a essas imagens, rapidamente num centro de controlo, enviar um carro e atuar de imediato. A vídeo-proteção é um dos grandes planos que tenho para Lisboa. Estamos a falar de muitas zonas em que vamos implementar essas câmaras. Precisamos da autorização da Direção-Geral do Património, mas temos várias fases, com mais de 226 câmaras de proteção e depois ter uma atitude muito próxima com as comunidades. Falar muito com aqueles que são os intermediários das comunidades nos vários bairros e tentar realmente estar em cima da situação. Porquê? Porque o ativo da segurança é o maior ativo da cidade de Lisboa e as pessoas não têm muita noção do que vivem aqui. Estive por essa Europa fora e Lisboa está nas cinco cidades mais seguras do mundo e isso é ter um nível de crime muito baixo quando comparado com outras cidades. Depois da pandemia, este nível de crime, por exemplo, em cidades como Londres, Paris tem aumentado brutalmente, como os assaltos na rua. Em Lisboa temos de ter muito cuidado e para mim é um dos fatores mais importantes.

Por exemplo, o problema de imigração desregulada também pode contribuir para isso… 

Sem dúvida. Mas penso que temos que primeiro de ter a noção que precisamos de imigrantes, precisamos de pessoas e isso não há qualquer dúvida. Mas cá está, imigração regulada. Hoje em dia, 20% da população de Lisboa é estrangeira. Lisboa tinha 38 mil estrangeiros em 2011, hoje tem 108 mil. Lisboa é uma cidade verdadeiramente internacional e verdadeiramente cosmopolita. Lembro-me que durante estes dez anos, antes destes censos, as pessoas diziam que a população de Lisboa estava a diminuir, a população de Lisboa aumentou e aumentou por essa fatia de estrangeiros e estamos a falar de 108 mil que declaram ser estrangeiros. Há muitos que não respondem aos censos. É uma cidade, em que esse cosmopolitismo é importante para a riqueza da nossa cidade.

Com esta experiência toda acha que um dia poderá usá-la à frente do Governo do país? 

O que me interessa é ser presidente da Câmara de Lisboa.

Está completamente fora de questão?

Estou muito feliz em ser presidente da Câmara.

E teme Marta Temido como concorrente?

Não faço comentários. Os partidos escolhem os candidatos.

Mas já comentou…

A única coisa que disse é que o que conheço do seu currículo é ter sido ministra da Saúde e uma das razões de termos um plano de saúde é para colmatar os problemas da Saúde e de haver mais de um milhão de portugueses que não têm médico de família.

Já gastou quanto na máquina para combater a corrupção na Câmara? E quando é que esse projeto entrou em vigor?

Contratámos a nova diretora do departamento que está a começar, que vem do Instituto Superior Técnico. Lançámos o departamento e é o primeiro departamento autárquico de luta contra a corrupção e pela transparência. Vamos começar agora a recrutar sobretudo recursos humanos para mapear todos os processos, saber para cada decisão na Câmara como é que é feita. Depois digitalizar, porque é preciso digitalizar os processos até para serem totalmente transparentes e conseguir depois, através desse mapeamento e dessa digitalização, em tempo real sabermos como é que as decisões são tomadas. Temos muitas áreas em que já são feitos este tipo processos, mas não está nada feito no seu conjunto. Ela vai ser também uma agregadora de tudo aquilo que é a prevenção da corrupção e que tem a ver sobretudo com processos transparentes. Mas não somos a polícia, temos é de ter processos transparentes para o caso de haver algum problema, a polícia poder observar esses processos. E se forem transparentes há uma redução muito grande na corrupção. 

Sei que queria pôr um teatro em cada freguesia. Não sei se já há…

Temos nas Avenidas e o próximo será o Turim.

Como viu a polémica no Teatro São Luiz?

Não é como presidente da câmara, é como pessoa, mostra onde é que o radicalismo nos leva. O radicalismo leva à estupidez, porque tudo aquilo é muito estúpido. Não tenho outra palavra para descrever, então neste momento um ator para ser ator tem de ser aquilo que representa? Era um bocadinho estranho que para se fazer uma personagem que fosse um ladrão tivesse de escolher um ator que é ladrão. É quase a antítese daquilo que é a representação. Diria que é o contrário, é escolher uma pessoa que é muito diferente daquilo que representa para ver até quão bom e quão profissional é esse ator ou essa atriz.

Qual é a obra que quer deixar?

Sempre lutei muito contra aquela visão daqueles presidentes de câmara que acham que vão deixar grandes obras para as pessoas verem, para serem reconhecidos no futuro. Não é isso que quero, mas vou deixar sem dúvida a maior obra deste século em Lisboa, que são os dois túneis de drenagem e que representam um investimento de 134 milhões. São túneis que vão evitar as cheias em Lisboa. Um deles vem de Campolide até Santa Apolónia e o outro entre Chelas e o Beato. Essa obra é essencial para Lisboa e não é visível, mas é muito mais importante do que qualquer obra visível.

Não acha que ficou mal visto quando se aproveitou para dizer nas cheias uma coisa que estava decidida há muito tempo?

O problema foi mesmo esse, é que falavam, falavam, mas ninguém tinha coragem para pôr lá a assinatura e fazer com que a obra começasse, porque era invisível. Se formos observar aquilo que foi feito nos meus antecessores era não fazer, era empurrar com a barriga. Sim, já se falava há 20 anos, mas nunca ninguém tinha tido a coragem, porque todos achavam que aquela obra não trazia votos. Sinceramente não é isso que me guia. Aliás, essa obra vai estar a ser feita na altura das próximas eleições. Isso para mim não tem qualquer problema. Vai ser feita, porque tem de ser feita. E disse isso desde o primeiro dia e quando já tinha posto a assinatura para as consignações, todas as pessoas diziam-me não, cuidado que isso é uma obra que ninguém vai ver e custa tanto dinheiro. Mas respondi que é essencial para a cidade.