Governar uma casa, um condomínio, uma comunidade ou uma nação, tem de ser muito mais que a força bruta da mudança de regras de supetão. Tem de ser antecipação, gestão quotidiana e monitorização das dinâmicas, numa perspetiva de agir, ajustar e envolver na construção de melhores soluções.
Não o fazer projeta a governação e os seus instrumentos para a promoção de um estado de incerteza que é inaceitável, porque já bastam as que resultam das dinâmicas sociais e das conjunturas internacionais. Quem defende que o Estado tem um papel relevante na modelação das dinâmicas numa lógica de combate às distorções, aos desmandos e às injustiças, não pode aceitar que o Estado, a partir de uma reiterada inação de anos, de repente desperte para as consequências desse laxismo, com laivos de implosão e mudança de paradigma, sem um pingo de respeito por quem esteve a preencher as suas lacunas. Foi assim na escola a tempo inteiro em relação ao ATL’s, nos colégios privados, nas PPP’s da saúde (por exemplo, em Braga, Vila Franca de Xira e Loures) e a mesma deriva de atitude no pacote da habitação.
O Estado não se comportou como pessoa de bem porque alterou pressupostos sem assegurar tempos de transição que acautelem mínimos de previsibilidade para todos e o retorno dos investimentos concretizados pelos privados.
O Estado intenta voltar a comportar-se como um fator de instabilidade, depois de anos de laxismo prático e comodismo com as receitas que os alojamentos locais geravam. Estando à vontade por não dispor de nenhum equipamento desse tipo, não posso deixar de contestar o sobressalto de previsibilidade das pessoas, das empresas e do país.
Um Estado de gente decente não usa e deita fora. Não deixa arrastar quadros diagnosticados de problemas até um ponto de degradação em que anuncia um conjunto de bombas atómicas ideológicas, jurídicas e proibicionistas, que tratam o país na sua diversidade como uma unidade homogénea, sem mínimos de articulação com quem está no terreno a gerir comunidades e territórios. Ou a habitação, na sua diversidade de problemas, desafios e impactos nas dinâmicas individuais e comunitárias, não era já um enorme constrangimento há 9 anos, em 2014, quando se iniciou o atual projeto de governação?
A habitação é prioridade só agora, depois do ministro Pedro Nuno Santos ter saído do Governo, apesar de constar da sacrossanta “Agenda Para a Década” de António Costa, pejada de prioridades, eixos e medidas, que soçobraram às diversas gestões e habilidades dos quotidianos políticos orientadas para a satisfação dos parceiros de governação do momento e a sobrevivência política.
Em quase uma década de governação, quantas casas acessíveis construídas por impulso do Estado Central? Ah, primeiro as prioridades foram outras e depois esteve a estruturar algumas das soluções de edificação que estão em curso. Se assim é, porque não se avisou, logo em 2019, os promotores imobiliários e de alojamentos locais que em 2023 o quadro de referência iria mudar de forma drástica.
Depois da pompa do anúncio de grandes orientações haverá um debate público, espera-se que centrado nas formulações concretas das proclamações, ainda por divulgar, e não no suporte gráfico da apresentação, que suscita muitas incertezas e dúvidas reais e constitucionais. O foco do debate público foi recentrado, a iniciativa política foi recuperada, mas não há medidas concretas para os sufocos imediatos das famílias e da classe média, projetada cada vez mais para um quadro de mera sobrevivência.
Os sucessivos casos, o desbaratar do capital político de uma maioria absoluta e uma certa forma de governar a pensar no imediato, na sobrevivência política, nas narrativas sem nexo com a realidade, indiferente às dinâmicas existentes e assente na geração de divisões entre cidadãos, interesses em presença e instituições penalizadoras num país em que a soma de todas as partes, públicas e privadas, continuam a ser insuficientes para as respostas que são precisas.
Não aceito um Estado que não se foca no que são as suas funções fundamentais para garantir correção de injustiças, coesão, oportunidades e futuro, mas quer ir sempre mais além sem assegurar bem o que é básico para todos, em todo o território nacional.
Não aceito um Estado não configurado por valores e um sentido ético, no estar dos protagonistas e nas ações, que não assegura mínimos de previsibilidade, um contrato social sustentável, sem perigosas degradações do compromisso dos cidadãos com a Democracia, os direitos, os deveres e as liberdades.
O Estado de sufoco que estamos a viver, que a generalidade vive, incluindo a classe média, é gerador de uma perigosa saturação em relação a tudo o que mexe, que se sente nas ruas, no trânsito e nos sinais do que vai sendo verbalizado e escrito nos media e nas redes sociais.
Em demasiadas situações, o Estado não faz, em tempo útil, não explica, mas também não deixa fazer. Além das proclamações, das reversões e de algumas reposições formais desgastadas pela carga fiscal e pelas circunstâncias, esta será uma triste marca que perdurará desta governação. Que não seja como o bolor, que mesmo depois de limpo, poderá regressar a manifestar-se.
O meu Estado comporta-se como pessoa de bem, não muda regras do dia para a noite depois de desvalorizar os sinais, está centrado no interesse geral, com sentido de futuro, sem esquecer que há pessoas e territórios com necessidades imediatas, mesmo que não tenha voz, peso eleitoral ou existência mediática.
A saturação do sufoco e da falta de senso é demasiado perigosa para se fingir que não existe.
NOTAS FINAIS
PRR E A HUMILHAÇÃO INSTITUCIONAL DO GOVERNO POR MARCELO
A sessão do Governo sobre PRR no Picadeiro Real do Palácio de Belém, com o primeiro-ministro e ministros na mesa e o Presidente da República nas mesas da plateia foi uma inqualificável humilhação. O Presidente tem todo o direito de questionar, querer saber e pressionar a execução do PRR, mas querer voltar aos tempos das orais na Faculdade de Direito é mais um sinal de degradação da sintonia e de mínimos de respeito institucional. Foi uma picardia no picadeiro.
ABUSOS SEXUAIS DE MENORES NA IGREJA
Exposta a realidade da surdina, é preciso não perder o foco da consequência, não desgraduar a gravidade, não hesitar ou arranjar desculpas esfarrapadas, centrado nas vítimas, no que deve ser feito para que não existam mais e na sanção inequívoca de quem prevaricou. As inconsistências comportamentais registadas depois da apresentação do relatório, são um mau sinal. É preciso ser consequente, sem falhas.
UM ANO DE GUERRA E ALGUNS AINDA NÃO APRENDERAM NADA
Em breve, a Europa estará em guerra há 1 ano. Por mais delirantes que sejam as perspetivas e as palas ideológicas, há um agressor, a Federação Russa, cada vez mais soviética, de Putin, e um agredido, a Ucrânia e o seu povo, expressão de uma impensável resiliência e superação. Um ano depois, o PCP, com novas caras, persiste em velhas crenças.