Com a guerra de volta ao continente europeu, guerra tradicional entre Estados soberanos, mesmo que tenha começado como guerra civil dentro das fronteiras de um Estado, há mais, e boas, razões para re-visitar, à luz do Direito Internacional Público, a ocupação da Palestina.
Em 2004 a Assembleia Geral das Nações Unidas, constatando, mais uma vez, a paralisia do Conselho de Segurança, solicitou ao TIJ um parecer consultivo que respondesse à questão: “Quais são as consequências jurídicas resultantes da construção de um muro por Israel, a potência ocupante, no território palestiniano ocupado, incluindo Jerusalém Oriental e o território envolvente […] considerando as regras e os princípios de Direito Internacional, incluindo a IV Convenção de Genebra de 1949 e as resoluções relevantes do Conselho de Segurança e da Assembleia Geral?”
O pedido de parecer é um sucedâneo da via litigiosa perante o TIJ, reservada aos Estados, sendo a qualificação da Palestina como Estado contestada por alguns. Em 2005 o TIJ considerou-se competente na medida em que a excepção da necessidade de consentimento pelo Estado parte no litígio – Israel – não seria aplicável à jurisdição consultiva. No parecer o TIJ recordou a proibição do uso da força e qualificou a construção do muro como um “fait accompli” capaz de transformar uma ocupação numa anexação de facto. Segundo o TIJ a anexação viola o direito de auto-determinação do povo palestiniano e não é justificada por Israel, nem pela necessidade de legítima defesa, nem por um estado de necessidade. A construção do muro violaria a ordem jurídica internacional devendo a AG e o Conselho de Segurança decidir das acções necessárias para pôr termo às práticas ilícitas.
Em 30 de Dezembro de 2022 a AG aprovou a Resolução 77/247 (98 votos a favor, 17 contra, 52 abstenções e 25 Estados que, prudentemente, faltaram à votação) solicitando ao TIJ um novo parecer consultivo, com resposta a duas questões:
“a) quais são as consequências jurídicas da continuada violação por Israel do direito do Povo Palestiniano à auto-determinação, da prolongada ocupação, da política de colonatos e da anexação do território palestiniano ocupado desde 1967, incluindo as medidas destinadas a alterar a composição demográfica, características e estatuto da Cidade Santa de Jerusalém, e da adopção por Israel de legislação e medidas discriminatórias?
b) De que maneira afectam as políticas e práticas de Israel [referidas na alínea anterior] o estatuto jurídico da ocupação e quais são as consequências jurídicas emergentes para todos os Estados e para a ONU resultantes desta situação?”
O pedido da maioria dos Estados da ONU pretende obter do TIJ uma qualificação das consequências da anexação ilícita, com a identificação das obrigações erga omnes que se impõem aos Estados. A tentativa de construir um paralelo com um outro parecer célebre (Consequências jurídicas da presença continuada da África do Sul na Namíbia, de 1971) é notória, não obstante a pronúncia do CS sobre a Namíbia, prévia ao parecer do TIJ, já conter comandos dirigidos aos Estados.
À semelhança do que aconteceu em 2004, o TIJ convidou os Estados (e o “Estado da Palestina” enquanto “Estado com o estatuto de observador na ONU”) e as organizações internacionais a intervirem no processo até 25 de Julho de 2023. Os comentários às pronúncias por escrito são devidos até 25 de Outubro de 2023.
Em 2005, na questão do muro, Portugal, ao contrário de 45 outros Estados, não interveio no processo.