Dias decisivos na Ucrânia


Na história dos países e dos povos os mitos e as efemérides são marcos simbólicos, o que nestes dias agrava a tensão na guerra da Ucrânia.


Nota prévia: A história de que a TAP terá sido comprada pela dupla Neelman/Pedrosa com o pelo do cão (para usar uma expressão da gíria tornada quase idiomática) justifica, obviamente, que uma Comissão Parlamentar de Inquérito deva ser alargada até esse período, ou seja, à governação Passos Coelho. Procedimentos deste género não são inéditos, mas são ilegítimos e ilegais. Os processos de privatização em Portugal são sempre misteriosos e altamente politizados, por vezes de forma irresponsável. Só assim se percebe a venda da EDP ou da REN a empresas do Estado chinês. Pelo que se está a ver com Neelman, este não era afinal muito diferente German Efromovich que, sendo na altura o principal acionista da Avianca, se fez à TAP. Só não a comprou porque, afinal, não tinha dinheiro. Neelman também não tinha, mas arranjou forma de fingir que tinha. Uma curiosidade: são ambos colecionadores de nacionalidades, ou melhor, de passaportes! Venha de lá uma comissão de inquérito alargada, sff!

 

1. A história dos povos e das nações também é feita de mitos, de simbolismos, de memórias e de narrativas celebradas em efemérides. São, aliás, elementos constitutivos essenciais. Os portugueses sabem isso como poucos. Apesar da contestação de alguns radicais que hoje querem reescrever tudo, usamos a História como fator de identificação nacional, com as suas glórias e misérias. Vem isto a propósito de estar a fazer um ano sobre o início da invasão russa da Ucrânia. O que se pensava ser uma operação relâmpago falhou. Os ucranianos travaram o avanço dos russos até Kiev e estes recuaram, contentando-se com uma zona do Leste e mantendo a Crimeia, mas não conseguiram fechar o acesso ao Mar Negro. Nas zonas do Leste não ganharam nada de especial. Já lá havia regiões dissidentes e uma predominância de russófonos, o que não quer dizer putinistas. A inesperada resistência de Kiev ao avanço russo deve muitíssimo ao crescente apoio dos países ocidentais, sobretudo os da NATO. Há um ano ninguém pensaria que Zelenski estivesse sequer no país a resistir e muito menos que andasse em viagens políticas triunfais nos Estados Unidos e na Europa. Putin, por seu lado, sabe que não pode perder a guerra. Perderia provavelmente a vida e sobretudo o seu desígnio. No seu longo mandato, o líder russo usou sempre como afirmação a narrativa heroica dos impérios czarista e soviético, dos quais parte dos russos têm nostalgia. Os russos não esquecem que a queda do comunismo, mais do que um desmembramento do império, deu origem a uma humilhação objetiva da Rússia propriamente dita. Foi nesse caldo de ressentimento e confusão que Putin sucedeu a um Ieltsin alcoólico, mas indiscutivelmente siberiano russo. Ninguém quer a derrota do seu país, muito menos se ele for o maior do mundo em extensão, mesmo que deteste o regime. Por isso, quando se aproxima a data simbólica do primeiro aniversário da invasão, é expectável que Putin aumente o grau do conflito nem que seja como forma de propaganda agregadora interna. Os ucranianos e ocidentais sabem e tentarão limitar os estragos. Os próximos dias serão, depois dos do início da invasão, os mais perigosos de uma guerra que nenhum dos lados pode perder ou vencer. Será essa constatação que possivelmente levará, mais à frente, a um acordo com base nas posições que cada um ocupe na altura, com um ou outro ajustamento. O pragmatismo é às vezes a única solução. 

 

2. Um ano de guerra na Europa confirmou que a economia é um mistério que ninguém domina. Quando a Rússia invadiu a Ucrânia e se deu início a sanções contra Moscovo a ideia geral era que a Europa, o Ocidente e a Rússia iam passar por uma crise profunda, um inverno dramático, um período de trevas e logo na altura em que nos recompúnhamos da pandemia. Afinal, depois de um impacto inicial, tudo se aguenta de um lado e do outro, apesar das sequelas. Nem a Europa morreu de frio e de fome, nem Putin está à míngua, nem os chineses tomaram conta do mundo, nem os americanos se fecharam sobre si próprios. Até ver, aconteceu o habitual: os muito ricos estão mais ricos, os médios pagam e os miseráveis estão cada vez pior. Não foi desta que mudámos o paradigma. 

 

3. André Pestana já deixou de ser um sindicalista que pretende liderar professores e todos os profissionais do ensino, através do seu STOP. Pestana está noutro patamar. Vê-se e transmite-se como um líder populista da esquerda radical, um pouco à semelhança dos anarcossindicalistas de há 150 anos. Atuando ao jeito de Mélenchon, Pestana galvaniza mais do que a Fenprof. A recente manifestação que liderou até Belém não foi inferior à de sábado, puxada pela máquina comunista/intersindical de Mário Nogueira (nem de perto teve 100 mil aderentes), a qual tinha tanto de antigovernamental como de demonstração de força face ao STOP. Pestana não estava associado à convocatória. Colou-se, mas foi censurado na palavra. A sua base são os professores, mas o seu discurso extravasa a classe em muito. Comparados com o líder do STOP, Catarina Martins e os dirigentes do Bloco parecem burgueses acomodados. Os bloquistas já abriram a pestana. Percebem o perigo que ele constitui para a coutada de Catarina e das manas Mortágua, logo agora quando se reequaciona a liderança. Pestana é um agitador radical. Vai, provavelmente, ser domesticado com o tempo, transformando-se em mais um caso de incha, desincha e entra no esquema, ao jeito do malogrado Acácio Barreiros que acabou arrumado nas fileiras do PS, vindo da radicalíssima UDP. Na pior das hipóteses, Pestana será um Pablo Iglésias ou um Robles apanhados em contradições deploráveis. Quanto ao ensino público, é basicamente o palco de uma guerra política e um caso perdido por culpa de protagonistas incapazes de encontrar consensos mínimos. Não admira que não haja vagas no ensino privado e que os alunos do público sintam enormes dificuldades no superior. Muitos, coitados, nem sequer aprenderam a estudar. 

 

4. Mantém-se a preocupação relativamente à organização operacional das JMJ (Jornadas Mundiais da Juventude). Os saudáveis anúncios de cortes não resolvem as espinhosas questões logísticas. Os portugueses patriotas já só querem que as coisas corram bem e poderem sair de casa numa altura de férias. Não querem passar por um vexame mundial. Preferem uma conta à moda do Euro 2004 do que uma humilhação. Fazem-se muitas previsões sobre supostos retornos, mas falta uma. Quantos turistas sazonais e ricos deixarão de vir em agosto para fugir à confusão? E quantos emigrados nacionais farão o mesmo? Pelo contrário, se, em agosto, se juntarem em Lisboa e no país a malta da JMJ, tantos turistas como em 2019 e os indígenas sem dinheiro para ir para fora, a Grande Lisboa vai parecer o Cairo. Mesmo assim, a prioridade é agora salvar a honra do convento.

 

5. Supostamente envolvido num esquema que lesou a Santa Casa da Misericórdia em dois milhões de euros, Davide Amado demitiu-se da liderança do PS em Lisboa. Parece que é para não contaminar o partido. Em contrapartida, Amado mantém-se à frente da junta de Freguesia de Alcântara, quando os alegados factos têm a ver com a suposta criação de empresas para forjar uma ideia de concorrência e facilitar adjudicações. Ora, se há um sítio de onde eticamente Amado deveria sair é da junta, onde se mexe em dinheiros públicos. Ou será que não?

 

6. Morreu o jornalista Manuel Rocha. Foi um dos profissionais que manteve no ar a Rádio Renascença a partir do Porto, quando a estação estava ocupada em Lisboa por ativistas de esquerda radical. Fez parte, com alguns desses jornalistas, do núcleo que desenvolveu o polo da RTP no Porto, no tempo da governação de Balsemão. Manuel Rocha ocupou na TV pública vários cargos de chefia e direção, designadamente o de diretor de informação. Era casado com Fátima Campos Ferreira. Além de um grande profissional, era uma boa pessoa.

 

Escreve à terça-feira

Dias decisivos na Ucrânia


Na história dos países e dos povos os mitos e as efemérides são marcos simbólicos, o que nestes dias agrava a tensão na guerra da Ucrânia.


Nota prévia: A história de que a TAP terá sido comprada pela dupla Neelman/Pedrosa com o pelo do cão (para usar uma expressão da gíria tornada quase idiomática) justifica, obviamente, que uma Comissão Parlamentar de Inquérito deva ser alargada até esse período, ou seja, à governação Passos Coelho. Procedimentos deste género não são inéditos, mas são ilegítimos e ilegais. Os processos de privatização em Portugal são sempre misteriosos e altamente politizados, por vezes de forma irresponsável. Só assim se percebe a venda da EDP ou da REN a empresas do Estado chinês. Pelo que se está a ver com Neelman, este não era afinal muito diferente German Efromovich que, sendo na altura o principal acionista da Avianca, se fez à TAP. Só não a comprou porque, afinal, não tinha dinheiro. Neelman também não tinha, mas arranjou forma de fingir que tinha. Uma curiosidade: são ambos colecionadores de nacionalidades, ou melhor, de passaportes! Venha de lá uma comissão de inquérito alargada, sff!

 

1. A história dos povos e das nações também é feita de mitos, de simbolismos, de memórias e de narrativas celebradas em efemérides. São, aliás, elementos constitutivos essenciais. Os portugueses sabem isso como poucos. Apesar da contestação de alguns radicais que hoje querem reescrever tudo, usamos a História como fator de identificação nacional, com as suas glórias e misérias. Vem isto a propósito de estar a fazer um ano sobre o início da invasão russa da Ucrânia. O que se pensava ser uma operação relâmpago falhou. Os ucranianos travaram o avanço dos russos até Kiev e estes recuaram, contentando-se com uma zona do Leste e mantendo a Crimeia, mas não conseguiram fechar o acesso ao Mar Negro. Nas zonas do Leste não ganharam nada de especial. Já lá havia regiões dissidentes e uma predominância de russófonos, o que não quer dizer putinistas. A inesperada resistência de Kiev ao avanço russo deve muitíssimo ao crescente apoio dos países ocidentais, sobretudo os da NATO. Há um ano ninguém pensaria que Zelenski estivesse sequer no país a resistir e muito menos que andasse em viagens políticas triunfais nos Estados Unidos e na Europa. Putin, por seu lado, sabe que não pode perder a guerra. Perderia provavelmente a vida e sobretudo o seu desígnio. No seu longo mandato, o líder russo usou sempre como afirmação a narrativa heroica dos impérios czarista e soviético, dos quais parte dos russos têm nostalgia. Os russos não esquecem que a queda do comunismo, mais do que um desmembramento do império, deu origem a uma humilhação objetiva da Rússia propriamente dita. Foi nesse caldo de ressentimento e confusão que Putin sucedeu a um Ieltsin alcoólico, mas indiscutivelmente siberiano russo. Ninguém quer a derrota do seu país, muito menos se ele for o maior do mundo em extensão, mesmo que deteste o regime. Por isso, quando se aproxima a data simbólica do primeiro aniversário da invasão, é expectável que Putin aumente o grau do conflito nem que seja como forma de propaganda agregadora interna. Os ucranianos e ocidentais sabem e tentarão limitar os estragos. Os próximos dias serão, depois dos do início da invasão, os mais perigosos de uma guerra que nenhum dos lados pode perder ou vencer. Será essa constatação que possivelmente levará, mais à frente, a um acordo com base nas posições que cada um ocupe na altura, com um ou outro ajustamento. O pragmatismo é às vezes a única solução. 

 

2. Um ano de guerra na Europa confirmou que a economia é um mistério que ninguém domina. Quando a Rússia invadiu a Ucrânia e se deu início a sanções contra Moscovo a ideia geral era que a Europa, o Ocidente e a Rússia iam passar por uma crise profunda, um inverno dramático, um período de trevas e logo na altura em que nos recompúnhamos da pandemia. Afinal, depois de um impacto inicial, tudo se aguenta de um lado e do outro, apesar das sequelas. Nem a Europa morreu de frio e de fome, nem Putin está à míngua, nem os chineses tomaram conta do mundo, nem os americanos se fecharam sobre si próprios. Até ver, aconteceu o habitual: os muito ricos estão mais ricos, os médios pagam e os miseráveis estão cada vez pior. Não foi desta que mudámos o paradigma. 

 

3. André Pestana já deixou de ser um sindicalista que pretende liderar professores e todos os profissionais do ensino, através do seu STOP. Pestana está noutro patamar. Vê-se e transmite-se como um líder populista da esquerda radical, um pouco à semelhança dos anarcossindicalistas de há 150 anos. Atuando ao jeito de Mélenchon, Pestana galvaniza mais do que a Fenprof. A recente manifestação que liderou até Belém não foi inferior à de sábado, puxada pela máquina comunista/intersindical de Mário Nogueira (nem de perto teve 100 mil aderentes), a qual tinha tanto de antigovernamental como de demonstração de força face ao STOP. Pestana não estava associado à convocatória. Colou-se, mas foi censurado na palavra. A sua base são os professores, mas o seu discurso extravasa a classe em muito. Comparados com o líder do STOP, Catarina Martins e os dirigentes do Bloco parecem burgueses acomodados. Os bloquistas já abriram a pestana. Percebem o perigo que ele constitui para a coutada de Catarina e das manas Mortágua, logo agora quando se reequaciona a liderança. Pestana é um agitador radical. Vai, provavelmente, ser domesticado com o tempo, transformando-se em mais um caso de incha, desincha e entra no esquema, ao jeito do malogrado Acácio Barreiros que acabou arrumado nas fileiras do PS, vindo da radicalíssima UDP. Na pior das hipóteses, Pestana será um Pablo Iglésias ou um Robles apanhados em contradições deploráveis. Quanto ao ensino público, é basicamente o palco de uma guerra política e um caso perdido por culpa de protagonistas incapazes de encontrar consensos mínimos. Não admira que não haja vagas no ensino privado e que os alunos do público sintam enormes dificuldades no superior. Muitos, coitados, nem sequer aprenderam a estudar. 

 

4. Mantém-se a preocupação relativamente à organização operacional das JMJ (Jornadas Mundiais da Juventude). Os saudáveis anúncios de cortes não resolvem as espinhosas questões logísticas. Os portugueses patriotas já só querem que as coisas corram bem e poderem sair de casa numa altura de férias. Não querem passar por um vexame mundial. Preferem uma conta à moda do Euro 2004 do que uma humilhação. Fazem-se muitas previsões sobre supostos retornos, mas falta uma. Quantos turistas sazonais e ricos deixarão de vir em agosto para fugir à confusão? E quantos emigrados nacionais farão o mesmo? Pelo contrário, se, em agosto, se juntarem em Lisboa e no país a malta da JMJ, tantos turistas como em 2019 e os indígenas sem dinheiro para ir para fora, a Grande Lisboa vai parecer o Cairo. Mesmo assim, a prioridade é agora salvar a honra do convento.

 

5. Supostamente envolvido num esquema que lesou a Santa Casa da Misericórdia em dois milhões de euros, Davide Amado demitiu-se da liderança do PS em Lisboa. Parece que é para não contaminar o partido. Em contrapartida, Amado mantém-se à frente da junta de Freguesia de Alcântara, quando os alegados factos têm a ver com a suposta criação de empresas para forjar uma ideia de concorrência e facilitar adjudicações. Ora, se há um sítio de onde eticamente Amado deveria sair é da junta, onde se mexe em dinheiros públicos. Ou será que não?

 

6. Morreu o jornalista Manuel Rocha. Foi um dos profissionais que manteve no ar a Rádio Renascença a partir do Porto, quando a estação estava ocupada em Lisboa por ativistas de esquerda radical. Fez parte, com alguns desses jornalistas, do núcleo que desenvolveu o polo da RTP no Porto, no tempo da governação de Balsemão. Manuel Rocha ocupou na TV pública vários cargos de chefia e direção, designadamente o de diretor de informação. Era casado com Fátima Campos Ferreira. Além de um grande profissional, era uma boa pessoa.

 

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