Federalismo e auxílios de Estado


O Conselho Europeu extraordinário dos dias 9 e 10 de Fevereiro marca o início formal de uma importantíssima negociação sobre o futuro da indústria europeia.


Não obstante, as televisões estão ocupadas pela cenografia da presença de Zelensky em Bruxelas, a terceira etapa da comédia de enganos quanto ao papel dos europeus no conflito com a Rússia. A visita do ucraniano a Londres ficou imortalizada pela meia rota de Carlos III, uma metáfora perfeita do actual estado das forças armadas britânicas. Antes do Conselho Europeu Macron e Scholz cearam em Paris com Zelensky para tornar claro que a União Europeia é um embrulho de conveniência, facilmente descartável. Já em Bruxelas os discursos tonitruantes de três Presidentes (do Parlamento, do Conselho e da Comissão) anunciaram a adesão da Ucrânia, sendo que a decisão sobre a mesma compete, por via da unanimidade requerida, a cada um dos 27 Estados-membros. No caso da Ucrânia a “adesão” dará origem a um regateio que, por comparação, fará de Erdogan, no veto à adesão da Suécia e da Finlândia à NATO, um negociador acomodatício.

No dia 1 de Fevereiro a Comissão apresentou uma comunicação, com um título marketeiro e motivacional (“A Green Deal Industrial Plan for the Net-Zero Age”) que pretende fazer a quadratura de vários círculos. O Covid permitiu aos europeus descobrir os custos da desindustrialização e os perigos de delegar nos chineses a produção da maioria dos bens e serviços que consumimos. Inverter a trajectória de desindustrialização europeia custa dinheiro, muito dinheiro. Nos EUA a re-industrialização está a ser feita com dinheiro federal (e o consequente aumento da dívida pública) sob a poética capa do “Inflation Reduction Act”, um enorme envelope de subsídios à indústria dos EUA com um programa de apoio ao consumo no melhor registo do proteccionismo “buy American”.

A resposta europeia não é feita na mesma escala porque a “federalização” dos recursos financeiros da UE é diminuta, corresponde a 1% do PIB dos Estados-membros. A pressão para aumentar esta percentagem parte dos Estados mais pobres, aqueles que esperam beneficiar de uma chave favorável na distribuição de recursos financeiros europeus (receber mais do que pagam para o orçamento da UE) e que se endividam a taxas superiores às dos mais ricos (preferindo a mutualização da dívida, passando a beneficiar de uma taxa de juro “colectiva” mas baixa).

O apetite dos Estados mais ricos, auto-denominados “frugais” (Áustria, Dinamarca, Holanda, Suécia e, atrás da cortina, Alemanha), por um aumento do orçamento da UE ou por um aumento da respectiva dívida é nenhum. Com as arcas cheias e níveis de dívida pública muito baixos pretendem financiar ao nível nacional a re-industrialização.

O regime dos auxílios de Estado é regulado pelo Tratado sobre o Funcionamento da UE e pelo direito derivado e compete à Comissão Europeia fiscalizar e obrigar à devolução dos auxílios de Estado ilegais. A 23 de Março a Comissão renovou um Quadro temporário de crise para flexibilizar o regime de auxílios de Estado. Nos próximos meses serão apresentadas, negociadas e aprovadas novas medidas de flexibilização dos regimes de auxílios de Estado.

Ficando a política de re-industrialização dependente da capacidade financeira de cada Estado para “auxiliar” a integridade do mercado corre sérios riscos. No caso português os auxílios possíveis passarão pela atribuição de benefícios fiscais às actividades de descarbonização da economia, partindo do princípio de que sem eles estes investimentos não se realizariam.

Entre os frugais e os famintos o acordo possível passará pela flexibilização na utilização e na re-programação dos fundos europeus (dirigindo-os às empresas sob forma de auxílios de Estado), corrigindo o lento arrancar do PRR em Portugal e em Itália, e pela limitação no tempo e nos objectivos (pluri-nacionais) do novo regime de maior facilidade na concessão de auxílios de Estado.

 

 

 

           

Federalismo e auxílios de Estado


O Conselho Europeu extraordinário dos dias 9 e 10 de Fevereiro marca o início formal de uma importantíssima negociação sobre o futuro da indústria europeia.


Não obstante, as televisões estão ocupadas pela cenografia da presença de Zelensky em Bruxelas, a terceira etapa da comédia de enganos quanto ao papel dos europeus no conflito com a Rússia. A visita do ucraniano a Londres ficou imortalizada pela meia rota de Carlos III, uma metáfora perfeita do actual estado das forças armadas britânicas. Antes do Conselho Europeu Macron e Scholz cearam em Paris com Zelensky para tornar claro que a União Europeia é um embrulho de conveniência, facilmente descartável. Já em Bruxelas os discursos tonitruantes de três Presidentes (do Parlamento, do Conselho e da Comissão) anunciaram a adesão da Ucrânia, sendo que a decisão sobre a mesma compete, por via da unanimidade requerida, a cada um dos 27 Estados-membros. No caso da Ucrânia a “adesão” dará origem a um regateio que, por comparação, fará de Erdogan, no veto à adesão da Suécia e da Finlândia à NATO, um negociador acomodatício.

No dia 1 de Fevereiro a Comissão apresentou uma comunicação, com um título marketeiro e motivacional (“A Green Deal Industrial Plan for the Net-Zero Age”) que pretende fazer a quadratura de vários círculos. O Covid permitiu aos europeus descobrir os custos da desindustrialização e os perigos de delegar nos chineses a produção da maioria dos bens e serviços que consumimos. Inverter a trajectória de desindustrialização europeia custa dinheiro, muito dinheiro. Nos EUA a re-industrialização está a ser feita com dinheiro federal (e o consequente aumento da dívida pública) sob a poética capa do “Inflation Reduction Act”, um enorme envelope de subsídios à indústria dos EUA com um programa de apoio ao consumo no melhor registo do proteccionismo “buy American”.

A resposta europeia não é feita na mesma escala porque a “federalização” dos recursos financeiros da UE é diminuta, corresponde a 1% do PIB dos Estados-membros. A pressão para aumentar esta percentagem parte dos Estados mais pobres, aqueles que esperam beneficiar de uma chave favorável na distribuição de recursos financeiros europeus (receber mais do que pagam para o orçamento da UE) e que se endividam a taxas superiores às dos mais ricos (preferindo a mutualização da dívida, passando a beneficiar de uma taxa de juro “colectiva” mas baixa).

O apetite dos Estados mais ricos, auto-denominados “frugais” (Áustria, Dinamarca, Holanda, Suécia e, atrás da cortina, Alemanha), por um aumento do orçamento da UE ou por um aumento da respectiva dívida é nenhum. Com as arcas cheias e níveis de dívida pública muito baixos pretendem financiar ao nível nacional a re-industrialização.

O regime dos auxílios de Estado é regulado pelo Tratado sobre o Funcionamento da UE e pelo direito derivado e compete à Comissão Europeia fiscalizar e obrigar à devolução dos auxílios de Estado ilegais. A 23 de Março a Comissão renovou um Quadro temporário de crise para flexibilizar o regime de auxílios de Estado. Nos próximos meses serão apresentadas, negociadas e aprovadas novas medidas de flexibilização dos regimes de auxílios de Estado.

Ficando a política de re-industrialização dependente da capacidade financeira de cada Estado para “auxiliar” a integridade do mercado corre sérios riscos. No caso português os auxílios possíveis passarão pela atribuição de benefícios fiscais às actividades de descarbonização da economia, partindo do princípio de que sem eles estes investimentos não se realizariam.

Entre os frugais e os famintos o acordo possível passará pela flexibilização na utilização e na re-programação dos fundos europeus (dirigindo-os às empresas sob forma de auxílios de Estado), corrigindo o lento arrancar do PRR em Portugal e em Itália, e pela limitação no tempo e nos objectivos (pluri-nacionais) do novo regime de maior facilidade na concessão de auxílios de Estado.